Göttinger Predigten im Internet
hg. von U. Nembach

Vigésimo Quarto Domingo Após Pentecoste – 30 de outubro de 2005
Tema: Dia da Reforma – Série Trienal A – João 8.31-36 – Gilberto da Silva

(-> A las predicaciones actuales: www.predigten.uni-goettingen.de)


Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis livres? Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Todo o que comete pecado é escravo do pecado. O escravo não fica sempre na casa; o filho sim, para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” (João 8.31-36)

I

Era o dia 31 de outubro de 1517 em Wittenberg, Alemanha. Um homem passou apressado por entre a multidão. Estava vestido de preto, conforme o hábito dos monges agostinianos. Dirigindo-se ao portal da igreja, ele tomou uma folha de pergaminho escrita e a afixou ali.

Neste documento estavam escritas 95 teses, que tinham a seguinte introdução: “Debate sobre o esclarecimento do poder das indulgências. Por amor à verdade e pela necessidade de trazê-la à luz, será discutido em Wittenberg o que abaixo segue, sob a presidência do reverendo padre Martinho Lutero. Aqueles que não podem debater este assunto pessoalmente conosco, poderão fazê-lo por escrito. Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém!”

A ação de Martinho Lutero suscitou, por toda a parte, um movimento extraordinário entre o povo. As teses se espalharam com grande rapidez, primeiro pela Alemanha, depois por toda a Europa. O próprio Lutero desconhecia o efeito que estas teses iriam produzir, mas elas estavam desencadeando um processo irreversível que iria trazer grandes modificações para a cristandade.

Os acontecimentos, então, se sucedem. Lutero participa de debates em várias cidades alemãs com renomados doutores da igreja. Como ninguém conseguisse persuadi-lo, o papa o expulsa da igreja. Lutero é então intimado a comparecer perante o imperador. Ali também ele não se retrata. Agora, já com muitos colaboradores, ele leva sua obra adiante, e vamos chegar até a Igreja Luterana hoje.

Tudo começou com o desejo de reformar a igreja. Na época, cometiam-se muitos erros, sendo um dos mais graves a venda de indulgências. A indulgência era um papel que as pessoas compravam e que dizia que determinados pecados estavam perdoados e que a pessoa tinha um lugar garantido no céu. O lema dos padres que as vendiam era “Tão logo o dinheiro na arca cair, a alma do purgatório há de sair”. Para Lutero, esta situação insustentável não poderia continuar.

II

Em nosso texto do evangelho de João, Jesus também fala de uma reforma, no sentido literal da palavra. Re-formar significa dar ou receber uma nova forma, tornar-se outro, fazer diferente. Normalmente, a idéia de reforma implica um movimento, um caminho, uma trajetória de melhora: aquilo que não está bom, que está estragado, corrompido, precisa ser reformado, isto é, precisa ganhar uma nova forma.

Assim nós entendemos a Reforma Luterana. Lutero queria reformar aquilo que estava errado na igreja de sua época. Como as suas idéias de reforma não foram aceitas, aconteceu a separação. Mas, voltando ao texto, em que sentido Jesus estaria falando de uma reforma?

Conversando com alguns judeus que chegaram fé, Jesus diz-lhes que, se eles permanecerem na sua palavra, eles conhecerão a verdade, e esta os libertará. Nós sabemos, que Jesus está falando de si mesmo, pois ele mesmo disse: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida...” (Jo 14.6). Os judeus, entretanto, não entendem o porquê de uma libertação, já que eles não seriam escravos, mas sim homens livres. Jesus, então, chama a sua atenção para uma escravidão muito mais sutil e perigosa que qualquer escravidão humana: a escravidão do pecado. É dela que os homens precisam ser libertados, e somente Jesus Cristo é que pode realizar esta libertação.

Um dos problemas que podemos enfrentar na reforma, por exemplo, de uma casa, é o fato de nós acharmos que, depois de terminados os trabalhos, tudo ficou bom e que nós não precisamos fazer mais nada. Em outras palavras, nós nos acomodamos e deixamos o barco correr. E, assim, a casa vai se deteriorando novamente. Semelhante é o problema dos judeus que se tornaram cristãos, em nosso texto. Eles achavam que, com a conversão, a sua trajetória cristã estaria completa. Aliás, não é este um problema de todos nós, cristãos? Facilmente nós nos acomodamos, e esquecemos o fato de que a vida cristã, na verdade, implica uma reforma diária contra todos os perigos que a querem destruir.

O próprio Reformador, falando sobre o batismo, formulou esta verdade no seu Catecismo Menor desta maneira: “Que significa esta imersão em água? Resposta: Significa que o velho homem em nós, por contrição e arrependimento diários, deve ser afogado e morrer com todos os pecados e maus desejos, e, por sua vez, sair e ressurgir diariamente novo homem, que viva em justiça e pureza diante de Deus eternamente.” (Livro de Concórdia, p. 376)

Isso quer dizer, que a nossa vida cristã precisa estar em constante re-forma. Assim como Lutero viu aquilo que estava errado na igreja; julgou estas atitudes de acordo com a Palavra de Deus e agiu, desencadeando o processo da Reforma; assim também a nossa vida não pode ser conformada, mas deve ser um constante ver, julgar e agir de nossos pensamentos, palavras e atitudes, a fim de que não mais nos tornemos escravos dos poderes, dos quais Jesus Cristo nos libertou.

Muitas pessoas não conseguem se olhar no espelho, pois não suportam o seu rosto, a não ser que este esteja cheio de maquiagem. Ver com os olhos da fé significa tirar esta “maquiagem” que nós fazemos em nós mesmos, tentando tampar os furos da nossa existência, tentando enganar a nós mesmos e aos outros.

Isto, entretanto, não é tarefa fácil. É muito difícil deixarmos o orgulho, gerado pelo nosso pecado. Temos, dentro de nós, uma resistência natural contra Deus e sua vontade. O que é pior, muitas vezes temos esta resistência “maquiada”, porque agimos exatamente como a igreja da época de Lutero: fazemos o que nós queremos, achando que com isso estamos cumprindo a vontade de Deus.

Como é difícil reconhecermos que estamos errados. A história da queda em pecado demonstra bem esta fraqueza humana. Ao ser chamado por Deus à responsabilidade, o homem colocou a culpa na sua mulher. A mulher, por sua vez, colocou a culpa na serpente. O Reformador expressou este dilema por meio da famosa fórmula: o cristão é ao mesmo tempo justo e pecador.

Nós podemos enganar a nós mesmos, às outras pessoas, mas a Deus nunca. Por isso, se queremos nos enxergar e saber quem somos e o que fazemos, precisamos nos ver com os olhos de Deus.

III

Para que isto seja possível, nós temos um parâmetro, uma norma, que é a Palavra de Deus. Usando a Palavra de Deus como única regra e norma, Lutero julgou erradas as atitudes da igreja em sua época. A Palavra de Deus diz que “...o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Rm 3.28). Em outras palavras, a salvação está somente em Cristo, no seu sacrifício em nosso favor, e não naquilo que nós fazemos ou deixamos de fazer.

Tudo começa com a justificação pela fé, esta verdade bíblica que foi tão importante para Lutero. Esta verdade nos liberta, nos dá a certeza da liberdade, pois ela diz que o chegar à fé não depende de nós. É presente de Deus, é graça pura. É o Espírito Santo que age em nosso coração e o re-forma. É isto mesmo. Deus Espírito Santo faz uma re-forma completa em nosso coração. Esta reforma é que nos possibilita vermos o nosso pecado, julgarmos a nossa vida. O apóstolo Paulo disse: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura: as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”. (2 Co 5.17)

A justificação pela fé, tema central da Reforma Luterana, marca o início da vida cristão, o primeiro passo, o presente de Deus, sem o qual nós estaríamos perdidos. Mas ela não fica sozinha. A santificação deve acompanhar a justificação. Isto quer dizer que a reforma do coração continua. Jesus diz em nosso texto: “Se vós permanecerdes na minha palavra...” Isto implica continuidade, perseverança, luta. A Reforma Luterana não terminou com as 95 teses. Muito pelo contrário, aquelas teses foram apenas o início de um longo caminho. Um caminho, sem dúvida, vitorioso, mas também cheio de espinhos e de sofrimento.

Assim também é a nossa vida cristã, que foi re-formada pelo Espírito Santo. A sua obra não termina na conversão; ela continua, pois é necessário permanecer na Palavra. É necessário lutar contra o pecado, contra as forças que trabalham para nos afastar de nosso Salvador Jesus Cristo. Por isso, re-forma significa algo diário na vida de todos nós. Consolador é saber que a força necessária para esta reforma constante não provém de nós mesmos, mas sim do Espírito Santo. Assim como ele nos chamou à fé em Jesus Cristo por meio da sua Palavra, ele nos conserva nesta fé e reforma a nossa vida, por meio da mesma Palavra. Esta é a Palavra da verdade, pois ela nos leva a Jesus Cristo. Nesta Palavra convém permanecer. Isto vale para a Igreja Luterana e para cada um de nós. Que o Senhor, nosso Pai celestial, nos dê forças, através do Espírito Santo, para que permaneçamos nesta Palavra. Amém.

Lutherische Theologische Hochschule Oberursel
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