Göttinger Predigten im Internet
hg. von U. Nembach

3º Domingo após Epifania, 22.01.2006
Série Trienal B – 1 Coríntios 7.29-31, Paulo Proske Weirich
(Sermões atuais: www.predigten.uni-goettingen.de)


Texto:
29 Isto, porém vos digo, irmãos: o tempo se abrevia; o que resta é que não só os casados sejam como se o não fossem;
30 mas também os que choram como se não chorassem; e os que se alegram, como se não se alegrassem; e os que compram, como se nada possuíssem;
31 e os que se utilizam do mundo, como se dele não usassem; porque a aparência deste mundo passa.

Viver fora da realidade

Uma das características mais marcantes do pensamento humano é a capacidade de sair da realidade e viver fora dela. Em muitos casos, isto é bem-vindo e cultivado com alegria. Meditação oriental, poesia, abstração científica, ficção, sonhos e utopias, são, entre outros, espaços que pessoas procuram com insistência porque vêem aí uma possibilidade de um mundo melhor, uma vida mais aceitável.

Em alguns espaços as pessoas inclusive crêem que a verdadeira realidade é a realidade perfeita que imaginamos e desejamos alcançar. Em conseqüência, o que é concreto deve ser minimizado, e até desprezado como inútil e prejudicial.

As palavras de Paulo escritas aos Coríntios do primeiro século abordam exatamente esta discussão. E faz isto quando responde a perguntas sobre o casamento. Na verdade, não é exatamente o casamento o foco da discussão mas o tema é a sexualidade, o desejo sexual.

A sexualidade tem sido um tema que as pessoas em geral têm dificuldade em abordar. Isto não é de agora. Já nos tempos apostólicos havia correntes entre aqueles povos, que a Bíblia designa como pagãos, os não cristãos, que viam na sexualidade a evidência da decadência espiritual do ser humano, algo que mais se identificava com instintos de animal. Afirmavam que o ser humano, na medida em que o seu espírito evolui, ele pode prescindir do sexo.

Em contrapartida, houve aqueles que, então, procuraram dar à sexualidade contornos positivos. Por exemplo, aliando a sexualidade a deuses e deusas, ligando isto a um templo e ao ato de culto.

Disto decorria que as pessoas em geral não conseguiam estar claras e definidas sobre a sua própria atitude diante do desejo sexual. Ter desejo sexual latente em si é algo inferior, condenável, que é preciso reprimir? E se isto não é possível, como agir? O que pensar a respeito de mim próprio? Consciências confusas e desinformadas podem, como efetivamente fazem, levar as pessoas a excessos de toda ordem no abafamento da culpa.

Assim, entre os membros da igreja de Corinto, havia tanto aqueles que cultivavam a virgindade como prova de pureza e também o celibato, como havia outros que não questionavam as próprias consciências a respeito da própria moral como se o sexo fosse uma necessidade a ser resolvida quando surgisse.

Qual o papel da igreja? Sexo é assunto para a igreja resolver? Não. Mas as consciências enganadas, desinformadas e desenganadas, estas são o próprio da igreja. Paulo poderia ter, como hoje se faz, ter tido um discurso moralista, apontar o certo, condenar o errado. Isto as consciências já tinham acusado. Os cristãos em Corinto estavam divididos, acusando-se mutuamente.

A situação ainda hoje é a mesma. Não faltam acusações, julgamentos, juízos, e, com isto, preconceitos, divisões, culpa, e o que mais daí decorre, como se somente uma parte das pessoas fosse pecaminosa e outra, justa e piedosa.

Lutero nota que o apóstolo nesta carta repõe tudo na perspectiva da fé. A fé cristã não está alicerçada sobre regras de moral nem sobre o que o ser humano decide aceitar como ético e moral. A fé cristã está firmada sobre a fé que diz: Somos totalmente incapazes de viver uma vida que agrade a Deus, por mais que nos esforcemos. Cremos na palavra de Deus que afirma que Deus nos acolheu por causa do trabalho que Jesus realizou. Cremos, finalmente, que Deus conduz nossa vida neste aprendizado: Precisamos aprender que realmente não prestamos para nada. Mas, olhando para Jesus, vemos que exatamente os perdidos são chamados a crer que são filhos de Deus.

Por isto, para os cristãos, casar, ter filhos, empreender qualquer coisa nesta vida, é sempre um ato de fé em Deus. “Se o Senhor quiser faremos isto ou aquilo”, é a linguagem desta nova vida em Cristo.

O Senhor, por isto, nos deixa no mundo, para que tomemos decisões. Mas nesta tomada de decisões está a mão de Deus promovendo o aprendizado deste viver em e da fé. Os cristãos, portanto, vêem o casamento também como um caminhar na fé. Depende absolutamente de Deus que um casamento seja abençoado com amor, perdão, paciência, perseverança, etc. Não depende do ser humano. Se alguém tem o casamento ajustado e feliz, isto é graça de Deus e não resultado da piedade ou do esforço pessoal. É Deus que no Salmo 118 pronuncia a sua bênção sobre a vida comum do matrimônio.

Por esta razão é aconselhável a afinidade da fé no casamento. Não como exigência ou imposição, mas como um acréscimo de compreensão mútua do casamento como um presente de Deus. “Não é bom estar só” é a afirmação de Deus. Todas as necessidades que o ser humano mais anseia realizar estão contempladas neste “estar junto” com alguém.

Pela fé, primeiro Deus funde a sua vida à nossa. A vida que temos já não é a nossa, mas é a vida de Deus novamente, apesar de não prestarmos realmente para nada, no que depende de nós. Mas Deus decidiu que assim seria. Essa fusão divina Deus chama de amor. Mas para que este amor de Deus fique mais concreto, Deus preparou alguém, uma pessoa, para que essa pessoa tivesse amor por mim. Não são as minhas virtudes pessoais que me tornam amável. Deus traz alguém e desperta interesse, gosto, paixão e todas as coisas que tornam possível a fusão de duas vidas. Porque Deus quer que experimentemos e aprendamos a amar já neste mundo, mesmo que sejamos pessoalmente cheios de defeitos e limitações.

A sexualidade, os bens, o corpo e tudo que nos identifica com esta vida, recebemos de Deus. E Deus distribuiu diferentemente a cada um dons, pessoas, e circunstâncias de vida. Por isto tudo que se recebe como presente de Deus traz a felicidade e a visão da vida que Deus reservou para cada um. Nada é definitivo. Tudo é passageiro. A felicidade completa Deus reservou para a vida que nos aguarda junto dele na eternidade. Em função disto, não esperamos desta vida a perfeição, a realização completa. Isto fazem os que vivem fora da fé, porque não conhecem realmente outra realidade e vivem na ilusão a respeito de si próprios, julgando-se capazes e no direito de uma felicidade absoluta.

É ilusório e mentiroso pensar que somos ou podemos vir a ser pessoas perfeitas e confiáveis. É ilusório e mentiroso esperar, exigir ou impor `pessoas que estejam e se esforcem para estar à altura das minhas expectativas pessoais. É ilusório e mentiroso agirmos e projetarmos para os outros a idéia de que podemos servir de padrão de moral e conduta para outras pessoas ou de que alguma pessoa efetivamente o seja. Pelo contrário, busquemos, no espírito de Cristo, agir como quem permanentemente necessita e acolhe com humildade a compreensão, a paciência e o amor que pessoas ao nosso redor têm por nós.

O tempo se abrevia, diz o Apóstolo. Não queiramos ter mais do que aquilo que está ao nosso alcance. Mas, uma vez que encaramos as limitações inerentes a esta vida pela fé, então também aprendemos a usufruir com gratidão e alegria os presentes que Deus nos deu.

Por isto, ser ou não casado, exercitar a sexualidade ou não, rir e chorar, são circunstâncias e são ambientes pelos quais Deus encaminhou a vida de cada um. Nada é absoluto e definitivo, como esta vida não é absoluta e definitiva. Estão certos todos que desconfiam desta vida.

Mas ao mesmo tempo, esta vida é absoluta e definitiva na medida em que é vivida na graça de Deus que nos amparou e deu vida em Cristo. Agora vivemos esta mesma vida já em Deus. E nela Deus está derramando suas bênçãos copiosamente sobre cada um. Às vezes em forma de tribulação, às vezes em clima de festa, mas sempre como bênção de um Deus absolutamente envolvido com a nossa vida.

Paulo Proske Weirich
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
São Leopoldo
weirich@ulbranet.com.br


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