Göttinger Predigten im Internet
ed. by U. Nembach, J. Neukirch, C. Dinkel, I. Karle

19º Domingo após Pentecostes – 15 de outubro de 2006
Série Trienal B – Marcos 9.38-50 (BLH) – Renato L. Regauer
(Sermões atuais: www.predigten.uni-goettingen.de)


Introdução

Anthony de Mello, no seu livro Alçando Vôo, conta a seguinte história:

Em Belfast, Irlanda (1) , um padre católico, um ministro protestante, e um rabino judeu estavam envolvidos numa acalorada discussão teológica. Repentinamente, um anjo apareceu no meio deles e lhes disse:

— Deus lhes envia as suas bênçãos. Tenham um desejo de Paz e seu desejo será realizado pelo Todo-poderoso.

O ministro protestante disse:

— O meu desejo é que todos os católicos desapareçam de nossa adorável ilha. Então a paz será soberana.

O padre disse:

— O meu desejo é que não sobre um único protestante em nossa sagrada terra irlandesa. Isso trará paz a esta ilha.

— E qual é o seu desejo, Rabino? — perguntou o anjo — Você não tem nenhum desejo pessoal?

— Não — disse o rabino. — Se o Senhor atender aos desejos destes dois cavalheiros eu já estarei muito satisfeito.(2)

Esta história nos sugere que, enquanto os cristãos brigam entre si, o inimigo assiste de camarote, satisfeito. Enquanto gastamos nossas energias com ciúmes, invejas, disputas, não nos sobram forças para combater o inimigo comum — o diabo. Assim, ele alcança seus objetivos, sem esforço algum.

Portanto, não lhe facilite as coisas; não lhe sirva orgulho e intolerância de bandeja,

SEJA HUMILDE E TOLERANTE

I.Somos orgulhosos por natureza.
Diz um adágio popular: “O orgulho é o pai de todos os pecados”.

No domingo passado, vimos como o orgulho estava enraizado no coração dos discípulos (Marcos 9.30-37). Eles estavam disputando cargos e honrarias no Reino de Cristo. Jesus, então, conhecendo seus corações e pensamentos, dá-lhes uma lição sobre o que é ser verdadeiramente grande. Traz uma criança para o meio deles e lhes diz que quem for capaz de servir a uma criança como aquela, em Seu nome, esse é o maior entre todos. Para Jesus, portanto, grande é aquele que se dispõe a servir, mesmo no trabalho mais humilde e não valorizado. Grande não é aquele que tem o peito condecorado, mas aquele que traz as mãos calejadas e as roupas impregnadas de cheiro de povo.

No evangelho de hoje, os discípulos - ou não tinham ainda aprendido a lição, ou sofreram uma recaída. Orgulhosamente, João diz a Jesus: “Mestre, vimos um homem que, em teu nome, expelia demônios, o qual não nos segue; e nós lho proibimos, porque não seguia conosco” (v. 38).

Os discípulos tinham recebido a tarefa de pregar o evangelho, curar enfermos e expelir espíritos imundos (Mateus 10.1; Marcos 3.14-15). (3) Quando eles vêem um outro homem expulsando demônios em nome de Jesus, mas que, embora fosse cristão, não era do grupo dos doze apóstolos, eles ficam com ciúmes e se sentem ameaçados de perder o monopólio desse poder. Então entram em disputa com aquele homem e proíbem-lhe expulsar demônios em nome de Jesus.

Desta forma, os discípulos revelam um espírito sectário e intolerante.

Jesus os repreende, dizendo: “Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e, logo a seguir, possa falar mal de mim. Pois quem não é contra nós é por nós” (v. 39-40).

Aquele homem, embora talvez fraco na fé, e, na sua imaturidade, cometesse erros, era, contudo, cristão. Entrando em atrito e confrontando o homem, os discípulos não o ajudariam em nada. Deveriam, antes, tolerá-lo e, com todo o amor e paciência, ajudá-lo a crescer na fé.

Nós devemos confrontar com rigor os inimigos do Evangelho, mas aqueles que, de alguma forma, confessam Cristo como Salvador, antes precisam mais de nosso apoio para crescer, não de uma rasteira para cair.

Por isso Jesus diz aos seus truculentos(4) discípulos: “Quem fizer tropeçar um destes pequeninos crentes, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lançado no mar” (v. 42).

O orgulhoso geralmente não domina suas emoções e reações. Quando ele quer fazer alguma coisa, seja por emoção ou obcecação(5), não mede as conseqüências que sua reação ou ação causará sobre outros. Ele simplesmente se impõe. O orgulho faz com que só pense em si. Tudo o que ameaça seus planos precisa ser parado ou destruído.

É desta necessidade de autodomínio em favor do próximo que Jesus fala ao dizer: “Se tua mão te faz tropeçar, corta-a” (v. 43); “Se teu pé te faz tropeçar, corta-o” (v. 45); “Se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o” (v. 47). Evidentemente, Jesus não está querendo dizer que devemos mutilar nosso corpo. Pelo contrário, ele está dizendo que o nosso coração e a nossa mente, imbuídos do amor de Cristo, precisam dirigir e controlar as ações e reações dos membros de nosso corpo (Romanos 6.11-14).

Quando não colocamos rédeas curtas em nosso orgulho, ele acaba destruindo relações, impedindo outras e escandalizando os fracos.

Quando não somos humildes e tolerantes, fica difícil nos relacionarmos com cristãos de outras denominações;

Quando não somos humildes e tolerantes, fica difícil trazer outros para a igreja.

Quando não somos humildes e tolerantes, os departamentos da congregação tendem a trabalhar uns contra os outros, ao invés de unirem forças.

Quando não somos humildes e tolerantes, nós preferimos criticar e desprezar ao invés de aconselhar e incentivar.

Quando não somos humildes e tolerantes, surgem as facções e os líderes autoritários.

Um pouco de humildade e tolerância, além de não custar nada, ou muito pouco, não faz mal a ninguém, mas tem o poder de nos dar verdadeira grandeza.

Carlos Rômulo, ex-presidente das Filipinas, venceu um concurso de oratória quando estudava na escola de Ensino Médio em Manila. Seu pai ficou surpreso ao ver que seu filho se recusou a aceitar os cumprimentos de um dos concorrentes.

Quando saíram do auditório, ele perguntou:

— Por que você não apertou a mão de Júlio?

— Porque não represento nada para ele, papai, antes do concurso ele estava falando mal de mim.

O pai passou o braço ao redor do ombro do filho e disse:

— Seu avô costumava dizer que quanto mais o bambu cresce mais ele
enverga. Lembre-se disso, meu filho.(6)

Por isso, os cristãos precisam “afogar diariamente o velho Adão”(7). Precisamos colocar em prática a “aeróbica” do apóstolo Paulo: “Esmurro o meu corpo, e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado” (1. Coríntios 9.27).

II. Como podemos deixar de lado o orgulho destrutivo
e nos tornar humildes e tolerantes?

A. Jesus nos dá a receita: “Porque cada um será salgado com fogo... Tende sal em vós mesmos” (v. 49 e 50b).

Sal é tempero, conservante, desinfetante e estimulante. Nós somos salgados com fogo quando somos submetidos à ação do Espírito Santo, que atua pela Palavra e Sacramentos, operando em nós a fé e vida santificada.

1. A santa Lei de Deus, como um espelho, me faz ver os meus defeitos e pecados, e, assim, espeta o balão de meu orgulho, forçando-me a ser humilde, com os pés no chão. Paulo diz: “Pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Romanos 3.20).

2. Pelo Evangelho, o Espírito Santo me convida, congrega e ilumina, transformando meu coração e mente. Paulo diz: “O evangelho é o poder de Deus para a salvação...” (Romanos 1.16). O conhecimento e a experiência do amor de Cristo moldam o nosso coração ao seu: “O amor de Cristo nos constrange (motiva)” (2. Coríntios 5.14); “Se alguém está em Cristo, é nova criatura” (2. Coríntios 5.17).

3. Quando não nos deixamos ensinar e transformar pela Lei e pelo Evangelho, Deus, em seu amor, pode, como recurso extremo, usas as aflições como fogo para purificar-nos. “Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos” (1. Pedro 4.12); “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam Deus” (Romanos 8.28). É muito doloroso quando Deus, para quebrar o nosso orgulho, precisa puxar-nos o tapete, a fim de que, caídos em desgraça, finalmente percebamos que somos pó.

B. Curados por esta receita divina, poderemos produzir os frutos do espírito, vivendo em paz com os outros, sendo humildes e tolerantes.

1. Então seremos rigorosos conosco mesmos (e tolerantes para com os outros). Sabemos que precisamos controlar-nos e exercitar-nos. Não é tarefa fácil, uma vez que ainda precisamos lutar contra a nossa velha natureza. Facilmente vemos o estrago que o cachorro do vizinho faz no nosso quintal, mas dificilmente vemos o estrago que o nosso cachorro faz no quintal do vizinho.

Certa vez um aluno perguntou a um velho professor, que sempre lamentava muito os seus próprios erros mas era muito compreensivo para com os seus alunos, por que ele era tão rigoroso para consigo mesmo.

— Olha, moço — disse o professor. — Eu tenho um verdadeiro zoológico para cuidar. Esses bichos não me dão folga para queixar-me dos outros. O tempo todo, eu preciso: domesticar dois falcões, vigiar dois coelhos, dirigir duas águias, controlar uma serpente, acorrentar um leão e tratar de um doente terminal.

— Mas nenhum homem tem de fazer todas estas coisas ao mesmo tempo. – disse o jovem!

— Ah! — corrigiu o velho. — Mas comigo acontece isto mesmo. Os dois falcões são os meus olhos (sempre querendo ver e ler o que não convém); os dois coelhos são os meus pés (sempre querendo andar pelo caminho errado); as duas águias são as minhas mãos (sempre fazendo e metendo-se no que não devem); a serpente é a minha língua (sempre pronta a inocular veneno); o leão é o meu coração (cheio de más intenções), e o doente é o meu próprio corpo.(8)

2. (Então seremos rigorosos conosco mesmos) e tolerantes para com os outros. Se cada um de nós enxergar esses bichos dentro de si mesmo, seremos mais humildes e tolerantes com as feras dos outros.

Então não vamos desprezar os que não são de nossa igreja, do nosso grupo, do nosso departamento, do nosso partido, de nossa raça, de nossas tradições e preferências...

A palavra de Deus nos recomenda: “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12.14); “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5.9); “O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” Gálatas 5.22-23).

Conclusão

Tudo isso só é possível graças a Cristo, que “tinha a natureza de Deus, mas não tentou ficar igual a Deus. Pelo contrário, ele abriu mão de tudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres humanos. E, vivendo a vida comum de um ser humano, ele foi humilde e obedeceu a Deus até a morte – morte de cruz” (Filipenses 2.6-8)(9).

Não fosse a humildade e a misericórdia de Jesus, todos nós, por mais que tivéssemos motivos para orgulhar-nos e nos sentir superiores a todos os outros, estaríamos destinados à vergonha e horror eternos.

Portanto: “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1. Coríntios 1.31).

Que a benignidade do Senhor amoleça e salgue os nossos corações e nos dê paz, aqui e na eternidade. Amém.

Renato Leonardo Regauer – Sapiranga – RS – Brasil
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
regauer@uol.com.br
www.ielb.org.br

(1) Na Irlanda, protestantes e católicos estiveram em conflito por muito tempo.

(2) Anthony de Mello, Taking Flight - New York: Doubleday, 1988, p. 79.

(3) Curar enfermos e expulsar demônios fazia parte da manifestação messiânica de Jesus. Hoje já temos a Palavra de Deus escrita; ela é que revela o Messias. Por isso, hoje, a tarefa da igreja concentra-se na pregação do evangelho, e não mais depende de sinais e prodígios.

(4) Em outra ocasião, Tiago e João quiseram mandar fogo sobre samaritanos (Lucas 9.51-54). Por causa desse “gênio violento” destes dois irmãos, Jesus os chamou de “filhos do trovão” (Marcos 3.17).

(5) Obcecação = insistência em determinada idéia; teimosia.

(6) Autor desconhecido.

(7) A natureza ruim que herdamos de Adão e Eva.

(8) Adaptado de Henry H. Schooley, EUA, em Coletânea de Ilustrações.

(9) A Bíblia na Linguagem de Hoje.

 


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