Göttinger Predigten im Internet
ed. by U. Nembach, J. Neukirch, C. Dinkel, I. Karle

Prédica para o Dia da Reforma, 31 de Outubro de 2006
Texto: João 8, 31-36, Gottfried Brakemeier
(Sermões atuais: www.predigten.uni-goettingen.de)


Prezada comunidade!

Hoje, há exatamente quatrocentos oitenta e nove anos, Martim Lutero pregou suas afamadas noventa e cinco teses na porta da Igreja do Castelo em Wittenberg, na Alemanha. Protestava contra a venda de indulgências em seu país e a exploração religiosa do povo. Desencadeou assim um dos maiores movimentos reformadores em todos os tempos. Como Igreja de tradição luterana nos sabemos particularmente devedores dessa história. E no entanto, a comemoração de hoje interessa a toda a cristandade. É bem verdade que a Reforma resultou na divisão da Igreja. Provocou rivalidade e hostilidade entre cristãos, prejudicando-lhes a credibilidade, infelizmente. As autoridades da época se mostraram incapazes de evitar a cisão. Em vez de ouvir o reformador, o perseguiram. Não era necessário que assim acontecesse. Então, vamos mostrar que hoje sabemos fazer melhor. O Dia da Reforma lembra o compromisso ecumênico. Vamos refazer o que quebrou e unir novamente nosso testemunho e serviço. O Dia da Reforma deveria ser o Dia do Ecumenismo.

Mas também sob outro aspecto, este dia se reveste de significado abrangente. É disto que fala o texto a ser ouvido nesta oportunidade. Trata-se de um trecho do oitavo capítulo do evangelho de João, os V 31 a 36:

“Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. Responderam-lhe: Somos descendentes de Abraão e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis livres? Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Todo o que comete pecado é escravo do pecado. O escravo não fica sempre na casa; o filho, sim, para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.”

Pessoa cristã é aquela que permanece nas palavras de Jesus. Somente quem acolhe os ensinamentos do mestre é verdadeiramente discípulo. Assim diz o texto. Portanto, é a fidelidade ao evangelho que faz a Igreja ser Igreja. Ela pode trair seu Senhor, afastar-se dele, como por demais vezes o fez em sua história, lamentavelmente. Mas então deixa de ser Igreja cristã. Para recuperar a identidade deve corrigir o percurso, converter-se. É comum falar hoje na necessidade de “retornar às raízes” para conhecer-se a si mesmo e saber por onde orientar-se. Pois foi exatamente este o propósito da Reforma do século 16. Quis que a Igreja voltasse a ser evangélica. Para tanto, abusos teriam que ser abolidos e o povo deveria ter acesso direto às fontes do evangelho. Foi forte o clamor que exigia o retorno da Igreja às suas origens.

Reformas costumam ser antipáticas, antigamente e hoje. Significam mudança e provocam a resistência de grupos que temem perder privilégios. Maciços interesses bloqueiam as iniciativas e produzem um congestionamento de projetos pendentes com sérios prejuízos para a população. É uma realidade por demais conhecida no Brasil. Bem aventurada a nação que consegue implantar as devidas reformas a tempo e dessa maneira assegurar o bem comum, seja a reforma tributária, previdenciária, seja a agrária ou outra. O Dia da Reforma certamente celebra um evento religioso, não político. É bom não confundir. Mesmo assim não deixa de lembrar a necessidade das reformas na sociedade. A “classe política”, que cumpra com seu dever e aprenda com o exemplo dado na Europa há quase quinhentos anos atrás. Aquela Reforma protagonizada por Martim Lutero era urgente. A despeito dos conflitos que produziu, entre eles não poucos sangrentos, ela mudou o curso da Igreja para o melhor. A proclamação do evangelho em versão protestante redundou em transformações sociais, as quais ninguém de bom juízo vai querer reverter. Deu atenção à educação do povo simples, por exemplo, oportunizando-lhe a ascensão social. Ora, de muitíssimas maneiras o mundo moderno é devedor do espírito da Reforma.

Voltar às raízes, isto de modo algum significa restaurar as condições de outrora ou de cultivar coisas antigas. Não é sinônimo de conservadorismo e entusiasmo com “antiguidades”. Pelo contrário, reforma quer a mudança, a adequação a novas circunstâncias, quer a renovação. Isto não pela simples mania de mudar. A boa reforma busca substituir o que já não mais serve por algo melhor. Para tanto necessita de proposta, a exemplo da justiça social quando se trata de projeto político. Deverá ser concretizado nas condições da atualidade. A proposta da Igreja é o evangelho, a palavra que tem em Jesus Cristo sua origem e sua raiz. Esta palavra é vida e verdade. Os discípulos, convidados por Jesus a permanecerem no que lhes falou, recebem a promessa de conhecer a verdade. E a verdade os libertará.

Verdade, uma palavra fantástica, quase demais. Desde aquela célebre pergunta de Pilatos está onerada com suspeitas. Verdade, isto realmente existe? Se existe, existe antes no plural, em forma de verdades. Pois cada qual têm o direito à sua própria verdade, não é assim? Parece ser esta a lei da sociedade multicultural que sanciona o pluralismo e já não mais consegue formular normatividade. Basta olhar nossas telenovelas. Será tudo permitido? A Reforma do século 16 queria trazer à luz a verdade, a verdade cristã, a verdade de Deus. E esta pode ser apenas uma. Como e em que sentido? Se fôssemos perguntar Martim Lutero, ele teria uma resposta pronta, inequívoca, terminante. Diria ele: Verdade é que Deus é misericordioso. É esta a verdade fundamental. Foi a sua descoberta reformatória, feita na Bíblia, descoberta esta que, como confessou, o transferiu ao paraíso. Em vez de condenar, em vez de se vingar no pecador, em vez de lançá-lo no inferno, Deus lhe perdoa as dívidas, justificando-o por graça somente e acolhendo-o como um pai acolhe seu filho e sua filha. Deus é amor, assim o lemos na primeira carta de João. Esta é a verdade. E por ser assim, o amor também é o supremo mandamento.

Como consigo um Deus misericordioso? Essa pergunta de Lutero não nasceu de uma consciência doentiamente angustiada, não. É esta a pergunta decisiva da humanidade. Poder-se-ia reagir, dizendo ser mais importante perguntar como conseguir uma sociedade misericordiosa, um mundo mais humano. E com efeito, é forte o anseio por paz, justiça, por um futuro sustentável em nossos dias. As pessoas sofrem sob a brutalidade do dia-a-dia, sob a violência, o desemprego, o apartheid social. A pergunta por um Deus misericordioso parece ser secundária. Mas não é. Pois uma coisa não se consegue sem a outra. Sem um Deus misericordioso, um mundo humano é ilusão. Onde é que o ateísmo poderia aprender misericórdia? Inversamente, também fervor religioso não é nenhuma garantia de bondade. Muito pelo contrário. Todo fundamentalismo é violento. Crimes hediondos são cometidos em nome de Deus. Que horror! Por isto não é indiferente, qual o Deus no qual nós cremos. Somente um Deus misericordioso vai trazer luz às nossas trevas. Um Deus que legitima o ódio, que o provoca e o estimula, um tal deus não é apenas supérfluo, ele é perigoso.

O Deus de Jesus Cristo tem coração. Tem compaixão. Liberta de pecado, liberta para a prática do amor. Os interlocutores de Jesus se admiram que ele lhes promete a liberdade. Acham que como membros do povo de Deus, filhos de Abraão, sejam livres por natureza, mesmo que tivessem que suportar domínio estrangeiro durante séculos. Estão enganados. Pois livre é somente a pessoa que experimentou misericórdia da parte de Deus e aprendeu a ser grata. Livre é quem se inspira nessa misericórdia e a traduz em amor ao próximo. Tais pessoas irão rebelar-se contra o “pecado” neste mundo, contra a corrupção e a exploração. Elas terão a coragem de protestar contra a injustiça e a transformar o combate ao terror no combate ao ódio. Somente o amor é capaz de vencer o ódio. Livre é quem sabe desistir da vingança e subordinar seus interesses egoístas ao bem comum. A verdade nos libertará para o culto a Deus e o serviço ao próximo.

A Reforma tem sido um gigantesco movimento libertador, movido pela certeza de a salvação ter sua fonte no amor de Deus e em nada mais. Libertou as pessoas de dependências eclesiásticas e políticas e lembrou a cristandade de sua origem. A Reforma teve o seu tempo. O dia comemorativo pretende manter vivos os impulsos de que se nutriu. Sob tal perspectiva o 31 de outubro quer encorajar para uma nova arrancada, não só de luteranos e reformados, como da Igreja de Deus em sua integralidade, espalhada por todo o mundo. Voltar às raízes e partir para um novo ataque à realidade do mal, é isto com o que a Reforma compromete. O dia em que a comemoramos se reveste, por isto, da mais alta relevância.

Amém

P. Professor Dr. Gottfried Brakemeier
Nova Petrópolis, RS, Brasilien
gbrakemeier@gmx.net


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