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ISSN 2195-3171





Göttinger Predigten im Internet hg. von U. Nembach

Dia da Reforma, 31.10.2019

Predigt zu Mateus 10:26-33, verfasst von Hans Alfred Trein

Cara Comunidade Cristã,

Na sequência das celebrações dos 500 anos de Reforma Protestante, nossa igreja escolheu enfatizar por mais um ano o tema: “Igreja, Economia, Política.” Trata-se de uma decisão corajosa para dentro de uma realidade social e política extremamente polarizada, com alto grau de ódio sendo espargido pelas redes sociais, dividindo famílias, destruindo amizades, criando um clima contrário a conversas e reflexões mais profundas. Por isso, trazer esse tema para dentro desse contexto polarizado é uma ousadia, mas ao mesmo tempo, uma necessidade imprescindível. Temos que criar espaços, onde se possa refletir de maneira serena sobre igreja, economia e política, ouvindo o que nossos familiares, amigos e colegas de trabalho pensam, sem logo botar tudo dentro da caixinha de nossos pré-conceitos. Pois, não há nada oculto que não venha a ser revelado, nisso podemos confiar. A igreja das discípulas e discípulos de Jesus têm a ousadia de dizer à plena luz, o que Jesus disse às escuras ou por meio de parábolas, como está no evangelho, há pouco lido. Nossa igreja, a IECLB, se ampara na longa tradição da Reforma para não incorrer em superficialidades e argumentação rasa. Nesse sentido, vamos lembrar o que esses três âmbitos significam para a fé cristã dentro da compreensão da Reforma.

Para o Reformador, Martim Lutero, Igreja, Economia e Política são ordens da criação, instrumentos usados por Deus para mostrar Sua identidade e realizar a Sua vontade. Suas funções, em resumo, são as seguintes: a economia está aí para alimentar as criaturas, a política existe para organizar a vida social e proteger as criaturas, à igreja cabe ensinar. Segundo Lutero, esses são os três níveis do agir de Deus. Nenhuma dessas esferas é mais ou menos importante, mais santa ou mais espiritual do que a outra. Todas as pessoas cristãs vivem simultaneamente em todas as três esferas. Por isso, cada pessoa - e especialmente as pessoas cristãs - é chamada a atuar com Deus nessas três esferas da vida. 

Possivelmente isso soa um tanto estranho aos nossos ouvidos, pois fomos nos acostumando a departamentalizar a vida, separar essas três esferas, uma da outra. Deixamos a religião para as igrejas, a economia para os empresários, a política para os governos. Chegamos ao ponto de não ousarmos mais falar sobre igreja, economia e política, para evitar diferenças de opinião ou até mesmo desentendimentos e briga. Essa postura, por sua vez, é completamente estranha à Reforma. Lutero não entenderia a atitude de: primeiro, separar os âmbitos de igreja, economia e política; segundo, de não querer refletir esses âmbitos conjugados com a vontade de Deus manifesta na vida, pregação e atuação de Jesus Cristo. Com uma tal atitude, simplesmente estaremos excluindo a atuação de Deus - através da nossa cooperação - das três ordens da criação.

Agora vamos a cada uma dessas ordens da criação:

Igreja

Segundo Lutero, a igreja foi criada como a primeira esfera de vida. Muito antes de Cristo, no paraíso, sob a árvore da vida, Deus serve às pessoas com a Sua palavra e as pessoas respondem com louvor, gratidão e obediência. Esse fato distingue as pessoas de outras criaturas. A igreja é a primeira ordem da criação. A partir dela se originam as outras duas. A pessoa humana foi criada, para louvar a Deus e ouvir com muita atenção a Sua palavra aqui na terra.  Para poder realizar isso, as pessoas precisam o necessário para a sua Oikonomia,

Economia

Ela trata da produção, reprodução e dos cuidados com a vida. À economia pertencem o matrimônio, a família, as condições de produção que estão enraizadas no Oikos, na casa em que se mora. Matrimônio e família são para Lutero a base da economia. Portanto, para ele o quarto mandamento era o mais importante mandamento

referente à vida na terra. Em sua compreensão a forma ideal de igreja e economia era aquela do paraíso. As pessoas recebiam autonomia, para organizarem a sua vida. Mas, elas caíram em pecado. Produção e reprodução perderam seu espaço natural de vida e a economia também ficou pervertida. Com isso surgiu a necessidade de uma terceira ordem da criação: a política.

Política

Antes da queda e expulsão do paraíso não havia uma organização política, pois ela não era necessária. A política, segundo Lutero, serve para curar a natureza humana desobediente e pretensiosa de querer ser Deus. Eu sei, isso nos soa muito estranho, pois estamos justamente vivendo tempos em que a própria política está pervertida! Como é que a política vai sanar ou curar a natureza humana pervertida?! Lutero está falando de uma política como ordem de criação de Deus, como um âmbito que se guia pelos valores da retidão, da honestidade, da justiça e da solidariedade. Depois da queda, a liberdade humana se transformou num poder ameaçador da vida. Por esta razão Deus instituiu a política, como uma disposição de emergência. O Estado detém o monopólio da violência, para manter a ordem e proteger a sociedade da corrupção. O que será que Lutero diria hoje, quando tivesse que observar a política como sendo um empreendimento corrompido de alto a baixo. 

Obviamente a nossa sociedade é diferente e mais dinâmica do que a sociedade medieval. A base da economia é outra, a política é republicana, busca modelos de democracia. Por mais que, de momento, estejamos impedidos de ver a política de modo positivo, a política é essencialmente uma coisa positiva e necessária, continua sendo uma ordem da criação! Sem política se instala o caos total. Que a política tenha sido pervertida em sua nobre função, não é problema da política, mas sim dos políticos. E quantos políticos conhecemos que entraram na política com as mais nobres intenções e acabaram se ajustando ao sistema de pequenas e grandes corrupções?! Entretanto, os desafios éticos permanecem, e nós, ainda hoje, poderíamos afirmar: a igreja ensina a Palavra de Deus, a economia mantém a vida, a política protege a vida.

Não se pode negar que as três ordens da criação se distanciaram enormemente de seu ideal original. As ordens da criação foram corrompidas pela pecaminosidade humana. Mesmo assim, elas permanecem como esferas, nas quais Deus atua com suas promessas. Por isso, como seguidores e seguidoras de Cristo, nós somos solicitados a continuar ativos e ativas com Deus em todas essas três esferas.

Em tempo nenhum houve riqueza material que não tenha resultado inexoravelmente em pobreza material. O que mudou foram apenas os mecanismos. Eles se tornaram mais refinados; tornaram-se mais sutis; tornaram-se mais impessoais; não é mais possível constatá-los claramente, como isso era possível no tempo da escravidão ou dos senhores feudais; há uma tendência pecaminosa de naturalizar o que é resultado da ação humana. Por isso, é tão difícil a gente nomear claramente as injustiças em nossa sociedade. As injustiças são encobertas por crenças equivocadas e ideias mal-intencionadas. Existe todo um ideário que tem a função precípua de encobrir e falsear a realidade verdadeira.

Vivemos numa sociedade, em que as desigualdades são ocultadas ou escamoteadas por mentiras travestidas de verdades. Mas, como diz o evangelho, não há nada oculto que não venha a ser conhecido. E cabe a nós como cristãos e cristãs cooperar com Deus nos três âmbitos da criação, para não deixar que o mal prolifere e continue a aprofundar as desigualdades a ponto de criar espaço para uma guerra civil. Quando o ronco do estômago se fizer ouvir com força, não há mais nenhuma lei maior, do que satisfazer essa necessidade básica, como nos ensinam as migrações e os saques a caminhões de alimentos e supermercados. Essa é uma questão econômica, mas também política. Cabe à igreja ensinar a boa notícia de Deus que quer que todas as pessoas tenham vida, e vida em abundância.

Por fim, o desafio do texto mexe fundo com a nossa atitude de contemporizar e evitar os conflitos. Ainda em outubro do ano passado, num texto de leitura do profeta Amós, se lia uma palavra que parecia escrita para o nosso tempo: “Quem for prudente ficará em silêncio, pois o tempo é mau”! Entretanto, há uma série de ditos populares que precisam de revisão. “Em briga de marido e mulher não se mete a colher”! Se mete a colher sim! Pois não se pode querer cumplicidade por omissão diante do número crescente de assassinatos de mulheres. Outro dito popular: “Sobre religião e política não se discute”! É um dito muito sábio e baseado em longa experiência dentro de um contexto que trata desses assuntos, como se fosse comparável à torcida de

futebol. Entretanto, dentro de um clima de achologias rasas espalhadas por qualquer pessoa com ganas de aparecer  ou testar seu poder de influência, repetido e repercutido inclusive por máquinas, para dar a impressão de que muita gente pensa assim, é necessário, sim, refletir sobre a fé e sobre a boa política, com abertura e humildade de ouvir, escutar e tentar compreender as outras pessoas, antes de falar.

O nosso evangelho de hoje diz para não temermos os que matam o corpo e não podem matar a alma... Está falando do tipo de coragem para declarar as verdades evangélicas da justiça e da solidariedade, sem medo de ser perseguido ou criticado. Nenhum pardal perde a vida, sem que Deus o permita. Nenhum fio de cabelo cairá, sem que Deus saiba e permita. Então, não há porque ter medo! 

O evangelho termina dizendo: aquele que me confessar diante dos homens, Jesus também confessará diante do Pai. Homologésein é o verbo no original grego, para confessar. De homologésein vem a palavra portuguesa, homologar, ser homólogo. Portanto, poderia se traduzir: todo aquele que é homólogo a mim diante dos homens, eu também serei homólogo a ele diante do meu Pai que está nos céus. Portanto, hoje, seria mais apropriado traduzir: aquele que se identificar comigo diante dos homens, com este eu também me identificarei diante do meu Pai que está nos céus. Confessar a Jesus Cristo, nesse contexto, significa posicionar-se com a mesma postura de Cristo: humilde, mas firme na defesa dos injustiçados e empobrecidos por uma economia desregrada e produtora de desigualdade, por uma política pervertida. Confessar Jesus Cristo não é ficar repetindo seu nome, sem comprometer-se como ele se comprometeu, pois nem todo aquele que disser “Senhor, Senhor...” entrará no Reino dos Céus, mas aquele que fizer a vontade de meu Pai... Confessar a Cristo significa em nosso evangelho, não temer a morte do corpo, como Jesus também não a temeu. Isso vai nas nossas raízes. Será que nos vemos em condições de assumir essa postura? A grotesca agressividade nas mídias sociais não pode ser enfrentada com a lacrimosa repulsa ao ódio e com apelos infantilizados à civilidade. O mundo em que vivemos é brutal para a grande maioria das pessoas. Ele precisa ser enfrentado com ousadia e destemor.

Que Deus nos dê - a mim e a ti, a nós como comunidade de Jesus Cristo - a coragem e a serenidade, que nos dê a humildade de ouvir as outras pessoas, sem, no entanto, nos deixar seduzir por facilidades e superficialidades enganosas. Com o evangelho de Jesus Cristo na mente e no coração, continuemos firmes nas três ordens da criação. Vamos enxergar tudo o que hoje vemos e ouvimos como um processo de reflexão que precisa o seu tempo para amadurecer o nosso entendimento. 

Amém



P. Me. Hans Alfred Trein
São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil
E-Mail: hansatrein@gmail.com

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