PRÉDICA PARA O 5º DOMINGO DA PÁSCOA | 28 de abril de 2024 | Texto bíblico: 1 João 4. 7-21 | Harald Malschitzky |

O personagem central da obra de Guimarães Rosa, Grandes Sertões Veredas, no contexto de uma longa e profunda reflexão (um texto magistral, aliás!) , afirma que todo mundo carece de religião.  Riobaldo, o personagem,  vê na religião uma ferramenta para desendoidecer, desdoidar, porque, segundo ele, todos somos doidos!  Se olharmos a história dos povos desde a ancestralidade sob esse ponto de vista, veremos que o ser humano sempre ou quase sempre buscou algum contato com forças e poderes que estão fora de seu alcance imediato, seja por medo ou seja para granjear seus favores. Existe uma antiga oração na qual são alinhados dezenas de nomes de divindades e de santos. No final, para que nenhum nome fique de fora, vem a frase: Ou qualquer que seja o seu nome. O Riobaldo, de Grande Sertões, aliás, envereda por muitos caminhos religiosos para “desdoidar”…

Hoje vivemos em um mundo supostamente secularizado. De fato,  a ciência,  em seu amplo espectro, desfez muita dessa religiosidade assim como levou muita gente a abandonar a religião, o que mostra entre outros, no número decrescente de membros das igrejas históricas. Mas nem por isso o mundo está despovoado de poderes ou supostos poderes fora do alcance humano.

Há dois mil anos como agora a mensagem bíblica causa – ou deveria causar! – estranheza justamente porque ela anuncia um Deus que – ele mesmo! – vem ao encontro do ser humano. Isso já se mostra no Velho Testamento e culmina na pessoa do Nazareno, filho de Deus, verbo que se fez carne.  Ele, por assim dizer, conquista o ser humano através de sua condescendência, seu amor., concedendo-lhe perdão dos pecados, isto é, da vida pecaminosa. Sabemos que no decorrer da história a tentativa de “negociar” com Deus para granjear os seus favores foi mais forte, culminando com indulgências e outras tantas maneiras de “boas ações” ou ações meritórias. O próprio Lutero, filho de seu tempo e da igreja de seu tempo, se perguntava: O que é que eu devo fazer para ter um Deus misericordioso” ; em alemão: Wie kriege ich einen gnädigen Gott?  A resposta que ele encontrou nas Escrituras do amor incondicional de Deus, mostrou que a pergunta estava errada, porque pressupunha algum mérito. O amor de Deus, aceito somente pela fé, causa uma reviravolta não apenas em pequenos gestos ou pequenas ações, mas na vida como um todo. O amor de Deus nos abre os olhos para os outros, também para os diferentes  em raça, cor, língua, costumes e tradições e posição política. Aliás, hoje parece que um dos pecados é ser de outra linha política do que a minha. O  amor de Deus não proíbe nem impede diferenças, mas condena  o ódio e o desprezo ´pelo diferente.  Para Lutero essa “descoberta” causou a virada de cujos frutos nós vivemos até hoje. O autor da carta vai longe na sua formulação: Aceitar esse amor é estar unido a Deus e é ter  Deus ao seu lado, consigo, unido. Isso significa que é uma aberração alguém dizer que num momento é cristão e em outro nem tanto, assim como é uma aberração pensar que se é cristão no culto ou na igreja, mas fora dela, no dia a dia, a coisa é outra. Mas vale um alerta: Isso nem sempre é fácil. Também essa foi experiência amarga de Lutero em desafios e em erros cometidos. Vai daí que ele formulou que o cristão é simultaneamente justo e pecador: Justo porque foi alcançado pelo amor de Deus em toda a sua abrangência, pecador porque na vida somos levados por muitos descaminhos que nos afastam de Deus. O preço é se dar conta deles e voltar aos braços do amor de Deus, quase que, para começar de novo. Acontece que o amor de Deus tem uma dimensão fantástica, que é o perdão que nos é concedido através do Cristo, dando-nos a chance de recomeçar, a chance da reconciliação…

Olhando o panorama cristão universal a gente se assusta. Em nome do mesmo Cristo e do mesmo amor de Deus nele revelado igrejas e grupos cristãos fecham questão em torno da própria posição. Um exemplo bem recente. No dia 1º de março celebramos ao redor do mundo o Dia Mundial de Oração. O material fora elaborado por mulheres cristãs palestinas. Todos os anos mulheres de um país o fazem. Agora, porém, por causa do conflito e guerra entre Israel e Hamas pessoas aqui em nossas paragens se negaram a participar porque identificaram todos os palestinos com o Hamas. Mas igrejas luteranas alemãs foram mais longe: passaram um pente fino nos textos para identificar expressões, frases, insinuações antisemitas e criaram outro cartaz em lugar do original que retrata mulheres cristãs palestinas. Isso rendeu uma enorme discussão em comunidades e  na imprensa! Duas observações bem simples: O material do Dia Mundial de Oração foi elaborado muito antes do conflito armado Israel x Hamas. Há um erro fatal, um preconceito imperdoável no nivelamento entre o grupo Hamas, violento sem dúvida, e palestinos e palestina em geral. Alguém viu as milhares de crianças mortas por armas ou inanição empunhando armas com o Hamas? Alguém viu as milhares de mães e mulheres trucidadas por armas e bombardeios empunhando bandeiras e armas em favor do Hamas?

“SE alguém diz: ‘Amo a Deus’, mas odeia seu irmão, é mentiroso. […] O mandamento que Cristo nos deu  é este: Quem ama a Deus, que ame também o seu irmão” (v. 20 e 21). O amor de Deus é incondicional: O que fazemos dele?

Amém

Harald Malschitzky, P. em.

São Leopoldo – Rio Grande do Sul (Brasilien)

Harald.malschitzky@gmail.com

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