1Tessalonicenses 4.13-18

1Tessalonicenses 4.13-18

Esperança para além do luto | PRÉDICA PARA O 24º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | 12.11.2023 | 1Tessalonicenses 4.13-18 | Alesandro Linhaus Binow e Antonio Carlos Oliveira |

A primeira carta aos Tessalonicenses é reconhecida como a carta mais antiga escrita pelo apóstolo Paulo (por volta do ano 50 d.C.) dentre as que estão no cânone bíblico. A comunidade de Tessalônica nasceu a partir de uma passagem e pregação do Evangelho pelo próprio Paulo em uma de suas viagens missionárias. Ao escrever a carta à comunidade, Paulo aproveita para reforçar assuntos com os quais a comunidade já estava ambientada, mas, também, para tentar elucidar dúvidas e questionamentos que surgiram no decorrer do tempo. Esse último aspecto parece ser o contexto da perícope em questão: havia uma inquietação sobre o que aconteceria com aquelas pessoas (membros da comunidade) que já morreram quando da volta de Cristo.

V.13 – Já neste primeiro versículo da perícope é possível perceber a provável inquietação mencionada anteriormente.  É totalmente possível, e até indispensável, pressupor que Paulo, em sua “evangelização” na cidade de Tessalônica, tenha pregado sobre a morte e ressurreição de Cristo. Uma das consequências desta mensagem é a dádiva da vida eterna concedida gratuitamente por Cristo aqueles e àquelas que nele creem. Parece que, com a morte de membros da comunidade, surgiram questionamentos se estas pessoas receberiam ou não os benefícios concedidos por Cristo, assim como os que estarão vivos no tempo da parusia. Paulo já inicia sua reflexão apontando para a “esperança”. É preciso conhecer, sim, a promessa de Cristo (“não sejais ignorantes”), mas, é preciso, principalmente, crer nesta promessa que traz esperança. Inclusive, se contrapõe à crença de que a morte física seria o final de tudo, o que traria um sentimento de angústia e tristeza. Um detalhe interessante neste versículo e em outros dois momentos da perícope é que Paulo, quando faz referência as pessoas que já morreram, utiliza, por exemplo, a palavra (κεκοιμημενων: que adormeceram). Isso mostra um viés pastoral da mensagem paulina. Ao invés de falar diretamente da morte, que carrega uma ideia de final, Paulo utiliza uma expressão consoladora e que abre espaço para uma continuação, como é a crença cristã. Afinal, aqueles e aquelas que dormem (em Cristo) serão ressuscitados e ressuscitadas por Ele e para Ele na sua parusia.

 V.14- O apóstolo Paulo reforça a mensagem da morte e ressurreição de Jesus e a necessidade da comunidade de crer nessa verdade. Crer na ressurreição de Cristo é o que permite crer que “os que dormem” (quem já morreu) serão ressuscitados e ressuscitadas em Cristo.

V.15- A partir desta parte da perícope, Paulo entra no campo da especulação de como será no dia da parusia. É importante salientar aqui que mesmo que Paulo descreva sua compreensão de como se procederá no dia da parusia, e é possível que ele acreditasse, em boa medida, que assim o seria, o próprio Cristo, no evangelho de Marcos 13.32, afirma que “a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe […] senão o Pai.” Dito isto, Paulo afirma que “nós, os vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor […]”, ou seja, fica explícita a certeza paulina da iminente volta de Cristo, afinal, ele, na sua afirmação, acredita que ainda estaria vivo quando ela acontecesse. A crença na iminente volta de Cristo é algo que perpassa todo o ministério paulino. Romanos 13.11 corrobora com tal afirmação. Já a ideia de que ele, Paulo, estivesse vivo no tempo da parusia parece ir mudando com o passar do tempo (em Filipenses 3.11, escrito mais tardio de Paulo, ele parece cogitar a possibilidade de que possa estar morto, pois, em Cristo, ele alcançaria a “ressurreição dentre os mortos”).

  1. 16 e 17 – Paulo descreve que na parusia: a) Jesus daria a ordem, b) voz do anjo, c) ressoada da trombeta, d) descida de Cristo (dos céus), e) mortos em Cristo ressuscitariam e f) juntos com os vivos seriam arrebatados (entre nuvens). Esta seria a compreensão e crença do apóstolo para a parusia. Pode-se discutir se Paulo estaria, aqui, tentando mesmo descrever alguns aspectos do processo no tempo da parusia. É plausível entender que ele realmente compreendesse tal descrição na literalidade. É uma herança da apocalíptica judaica. Daniel 7.13, por exemplo, menciona o “Filho do Homem” que “vinha com as nuvens do céu”. Marcos 13 é um texto extremamente apocalíptico. Interpretando este texto na sua literalidade ou na sua forma simbólica, é preciso aceitar que é especulação sobre algo que não se tem autonomia de decisão. Só cabe a Deus. E como o próprio Paulo diz em 1Co 13.12: “agora, vemos como em espelho, obscuramente;”
  2. 18 – Paulo termina com um “Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras.”. O último versículo leva a perceber a intensão pastoral desta passagem escrita aos tessalonicenses. Parece que a intenção de Paulo não é detalhar aspectos da parusia. Mas, sim, consolar e aliviar a angústia da comunidade com relação ao tema da morte. Crer na certeza da ressurreição de Cristo rompe com a angústia e preocupação com a morte humana, afinal, a ressurreição de Cristo é a promessa da ressurreição daquelas pessoas que já “adormeceram” no Senhor. “Lo importante es que tanto em la vida como em la muerte el cristiano está em Cristo, y esa es uma unión que nada puede romper.” (BARCLAY, 1973, p. 211).

Segundo o calendário litúrgico esta pregação está prevista para dois domingos após o dia de finados. É possível que as lembranças e sentimentos relacionados ao luto por familiares falecidos ainda esteja presente no coração e mente das pessoas que estarão no culto. O texto da pregação traz a oportunidade de refletir sobre o tema da consolação e do apoio às pessoas e famílias enlutadas.

O luto é vivido por ocasião da morte de alguém por quem se tem um sentimento de estima, em geral familiares e pessoas amigas. Mas o luto também pode se manifestar diante de outras perdas presentes na vida pessoal, como uma separação, a demissão do emprego, a mudança de uma escola para outra, etc. Sentimentos de incompreensão e vazio existencial vêm à tona e desencadeiam um processo de reflexão a caminho da reestruturação, ressignificação e superação. Um luto é entendido como “luto difícil” quando as pessoas apresentam um quadro depressivo acentuado e extenso, devendo nesses casos ter o acompanhamento de profissionais para o tratamento psicológico. O aconselhamento pastoral também é recomendado e de maneira especial reflete sobre questões relacionadas ao ambiente religioso, aspectos da doutrina e da espiritualidade. Questões chaves por vezes surgem no diálogo, por exemplo, culpa, castigo, medo, solidão, desamparo, descrença. Este espaço oportunizado pela conversação pastoral é lugar para trabalhar, entre outros conteúdos, o perdão, a fé, o acolhimento, a autoestima, a resiliência.

A ciência das religiões aponta que as primeiras manifestações religiosas da humanidade possivelmente surgiram por ocasião dos cultos aos ancestrais falecidos no período paleolítico. A própria religião cristã surge acompanhada da vivência do luto por Jesus Cristo e do sofrimento pelo martírio dos apóstolos. O que nos dá a dimensão de que esse sentimento de vazio presente no luto é um dos grandes temas desde sempre na história da humanidade. Fato é que a experiência de acompanhar a morte e o sepultamento de alguém, principalmente alguém próximo, traz às pessoas um sentimento de impossibilidade diante da realidade da morte. Desejamos a vida, queremos viver, mas nós nos deparamos com o morrer e a inevitabilidade da morte. Nossos conhecimentos chegam apenas até esta fronteira, a partir dela nada sabemos senão aquilo de que nos fala a crença religiosa.

Na vida em comunidade, volte e meia, ocorre o falecimento de alguma pessoa membro. É tarefa do ministro, da ministra, bem como de lideranças da comunidade consolar as famílias e as pessoas em um sepultamento. Cabe à pessoa encarregada do ofício lembrar as pessoas enlutadas que os entes queridos, que já partiram desta vida, agora descansam nos braços do Deus criador, “dormindo o sono da morte” até o dia da ressurreição dos mortos. Vivenciar esse momento e render louvor a Deus é testemunho de fé no Cristo ressuscitado, que vive e reina eternamente, que vence a cruz, vence a morte e que, segundo a sua misericórdia, dará nova vida em seu reino de paz e justiça.

O apóstolo Paulo diz que estas palavras que ele escreve são para consolar e para trazer esperança ao coração. Era sabido que a igreja de tessalonicenses estava passando por muita tristeza, porque algumas pessoas haviam falecido e existiam dúvidas no que aconteceria depois da morte. Nesse sentido, também para nós, que vivemos nos dias atuais, é igualmente necessário palavras de consolo e esperança. Pois, devido à pandemia de coronavírus, conflitos, guerras e crise econômica, enfrentamos uma época de muito desamparo e desesperança. O sofrimento e o luto fazem parte da realidade de muitas pessoas.

O texto bíblico nos desafia a ter esperança diante da morte. A morte não tem a última palavra, ela não é a última etapa das nossas vidas. Pois nossa fé em Jesus Cristo, o ressurreto, é portadora da promessa de que também nós, segundo a graça, receberemos a ressurreição para a glória do reino eterno de Deus. Em 1 Coríntios 15.19 ao tratar sobre a ressureição de Jesus Cristo o apóstolo Paulo escreve: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos as pessoas mais infelizes deste mundo”.  O que nos leva a entender que a pessoa cristã não deve temer a morte, pois mesmo ela sendo uma realidade da qual não se possa escapar não é ela que decreta a conclusão ou fim da nossa vida. Ou seja, devemos olhar para a morte como descanso e repouso, como silencioso aguardo em Deus na confiante espera do dia do Senhor. Como afirmou Jesus, segundo João 14.2-3, “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu já lhes teria dito. Pois vou preparar um lugar para vocês. E, quando eu for e preparar um lugar, voltarei e os receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, vocês estejam também”.

Antonio Carlos de Oliveira

Novo Hamburgo – Rio Grande do Sul (Brasilien)

E-Mail: antonio.ieclb@gmail.com

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