6° Domingo após Pentecostes

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6° Domingo após Pentecostes

 Prédica para o 6° Domingo após Pentecostes – 12 de julho de 2020 | Texto da prédica: Isaías 55.10-13 | Eloir Weber |

Que a paz e a graça do Deus que é Pai/mãe, Filho e Espírito Santo se manifeste em nossa vida, nos encha de esperança e regue os nossos campos. Amém.

Você já ouviu falar da Lei do Retorno?

A Lei do Retorno está bastante difundida em nosso meio. Cresce cada vez mais o número de pessoas que defende essa forma de ver a vida. É comum ouvirmos pessoas dizendo: “a Lei do Retorno nunca falha”. Mas do que se trata? As pessoas que acreditam na Lei do Retorno, cultivam a ideia de que cada ação que fazemos se volta a nós mesmos. Elas acreditam que existe um mecanismo compensatório no universo para equilibrar as nossas ações em sociedade. Se formos pessoas boas, teremos coisas boas; se formos maus, atraímos coisas más. Recebemos de volta tudo aquilo que jogamos ao mundo.

Esse pensamento aplica a terceira lei da física de Newton – cada ação gera uma reação equivalente e oposta, de forma a criar um equilíbrio – para as relações humanas. Para essas pessoas, existe uma ligação real entre o que fazemos e uma balança equilibrista universal. Essa ideia, bastante generalizada em nosso meio, não está totalmente errada, mas precisa ser vista com muito cuidado e reflexão. A simplicidade com a qual se explica a existência humana a partir desse conceito, mostra o quanto estamos habituamos a pensar de forma superficial sobre a vida e a forma como a vivemos. Tudo se explica na frase “nós colhemos aquilo que plantamos”. Simples, fácil, direto e rápido.

Em verdade, esse tipo de pensamento se tornou popular através da infiltração de filosofias de vida orientais. A Lei do Retorno está na base de muitas linhas de pensamento e de muitas religiões. Ele tem no seu bojo a ideia de que a pessoa paga o que deve. Mas há algo de tirânico na Lei o Retorno. Pois a partir dela, é possível justificar todas as injustiças praticadas no mundo: as pessoas refugiadas, as que foram e são escravizadas, as miseráveis, doentes, subjugadas e pisoteadas mereceriam o sofrimento e o tratamento maldoso e desumano que recebem. Pela Lei do Retorno estão só recebendo de volta as injustiças cometidas. Assim, podem-se justificar todas injustiças. Sofrem porque fizeram por merecer. Em um tempo de Coronavírus essa ideia ganha um solo fértil, pois se pensa que o castigo vem em forma de doença.

Bem, do ponto de vista Cristão, qual é exatamente o problema, além do apontado acima, da Lei do Retorno? Vamos refletir sobre isso ao longo da pregação. Mas, para não deixar de responder, neste momento, a essa pergunta, começo dizendo que ela não conhece o perdão. O perdão está na essência da proposta do cristianismo e faz parte daquilo que há de genuíno na ação de Jesus Cristo por nós, na cruz. Não há espiritualidade cristã sem o perdão e não há Lei do Retorno que sobreviva àquilo que o perdão faz: ele quebra a roda viva do círculo vicioso que há entre a ação que gera a ferida e o desejo de vingança ou o pagamento por algum erro.  O perdão e a graça quebram com a lógica da Lei do Retorno. Logo, dentro do Cristianismo não há como encaixar a Lei do Retorno.

Estou falando desse tema porque a partir dele vamos nos aproximar do texto bíblico de hoje. A leitura bíblica, para a pregação, vem do Antigo Testamento, profeta Isaías 55.10-13. Passo a fazer a leitura.

Lindo, profundo e animador esse texto, não é mesmo? O capítulo 55 de Isaías é a parte final do profeta chamado de Deutero-Isaías. Ele compreende os capítulos 40 até 55 do livro de Isaías. O tema dominante nessa parte é a libertação e o retorno daquela parcela do povo de Israel que havia sido levada para o exílio na Babilônia. Os dois últimos capítulos – 54 e 55 – tratam do tempo da graça e da salvação, das bênçãos que serão concedidas por Deus ao povo, após a libertação do cativeiro.

O capítulo 55 inicia com um chamado ao povo para receber a graça de Deus: “Todos vocês que têm sede, venham às águas; e vocês que não têm dinheiro, venham, comprem e comam! Sim, venham e comprem, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite.” (v.1). Esse convite no início do capítulo dá a temática a partir da qual nos aproximamos do texto de hoje. Não se trata ali, da Lei do Retorno, conforme falamos no início da mensagem. Trata-se, antes de mais nada, da graça, do amor e da misericórdia de Deus, que nos dá com generosidade tudo o que precisamos. A comparação feita no texto traz a temática da ação, do efeito e da reação, mas o faz do ponto de vista da graça de Deus.

Nessa dimensão compreendemos o que é dito pelo profeta Isaías, que a chuva e neve não voltam ao céu sem antes regar, fecundar, fazer germinar e brotar, tornar-se semente e pão para saciar a fome. E que a Palavra que sai da boca de Deus não volta vazia a Ele, mas cumpre com aquilo que lhe foi designado. Novamente, não se trata de Lei do Retorno, mas se fala do ponto de vista da graça, da bênção de Deus.

Fantástica essa imagem criada pelo profeta. É poesia cheia de plasticidade. É leveza e profundidade típica da Palavra que nos enche de esperança e nos fecunda de nova vida e de brilho nos olhos. Nos dá esperança de estômago cheio e coração transbordante.

A chuva e a neve, que traduzem as sementes em alimento, comparados com a Palavra de Deus que não volta vazia, é uma imagem familiar. Aproxima a Palavra de Deus, a torna palpável e palatável. Podemos comparar o nosso coração, que, por natureza, é o que a terra seria sem as chuvas do céu: árida e estéril. Mas Deus, pela sua graça e seu amor, nos alcança com a sua Palavra, que, com o poder do Espírito Santo nos leva à fé em Jesus Cristo, produz um efeito semelhante ao que a chuva faz com a terra. A chuva nunca desce em vão – a Palavra de Deus nunca é vazia. A chuva torna a terra fértil, bonita e adorável. O mesmo acontece conosco a partir da ação da Palavra fértil e fecunda de Deus.

A simbologia da neve não é tão familiar para nós. Ela, no entanto, me leva a lembrar de uma viagem que fizemos à Mendoza/AR e Santiago/CH, lugares áridos na encosta da Cordilheira dos Andes e que produzem os melhores vinhos da América do Sul. O segredo é o clima e a sabedoria que vem dos ancestrais, que usa a água do degelo da neve das cordilheiras para irrigar as vinhas e produzir uvas de alta qualidade.

O profeta Isaías, neste texto, traça uma lógica muito bonita. Para pessoas saciadas de pão pela ação de Deus e com os corações transbordantes pela sua graça, é fácil festejar e alegrar-se. A palavra de Deus, que é como a chuva e neve, traz alegria e bom ânimo. Essa alegria nos guia pelos caminhos da paz, nos leva a romper em cânticos de adoração, libertação e gratidão, como está expresso nos versículos 12 e 13. A Palavra de Deus produz muitos efeitos. Mas a alegria de alguém que reconhece o poder transformador e libertador da Palavra, é contagiante.

O profeta Isaías está falando para um povo exilado. Esse povo não tem motivos de louvor e adoração visíveis aos seus olhos naquele momento. Mas o texto tem um convite, para saciar-se e romper a casca da letargia. Convida para transformar o desânimo em alegria; vontade de lutar e força para mudar a realidade e fermentar a libertação. Também nós, que vivemos no ano de 2020 precisamos ouvir palavras de ânimo e de coragem. Entre a realidade do povo exilado e nós, há um enorme abismo histórico, cultural e geográfico. E mais, nós, diferente do que na época de Isaías, temos a Palavra – o Verbo – que se fez carne e habitou e continua habitando entre nós: Cristo, o Messias, o Salvador, o libertador. Ele é a Palavra palpável de Deus, que rega e faz germinar a luta pela libertação em nosso meio.

Não cremos na Lei do Retorno, mas temos a graça manifesta em Cristo, a palavra viva da libertação. Também nós, assim como o povo exilado na Babilônia, precisamos lidar com tiranos, que não percebem o valor da vida humana. Além dos tiranos, para os quais uma vida humana é só um número na estatística, enfrentamos um inimigo invisível, que é o vírus denominado de Covid19. A insegurança e o medo, a fome e a sede de vida estão muito presentes em nossos corações. Necessitamos muito, em 2020, da Palavra fecunda e cheia de vida que vem manifestar a vontade, a graça, a libertação e o cuidado de Deus para conosco.

Fico pensando o que significa essa palavra para quem perdeu familiares e amigos para a Covid19? O que ela representa para quem perdeu o emprego por ocasião dessa crise? Para aquelas pessoas que já vem sofrendo com o trabalho informal e a luta pela sobrevivência nos últimos cinco anos aqui no Brasil? Para as pessoas que são obrigadas a lidar sem seguridade social, provocada pela informalidade trabalhista, neste tempo de absoluta falta de empatia na sociedade e nos governos? Há um mar de gente que em nosso país está exilada do direito à vida e à segurança mínima de um amanhã mais generoso. Sim, há vidas secas, sedentas e famintas da Palavra, que se transforma em pão. E, quem sabe, essa Palavra que se transforma em pão não é uma metáfora para abrirmos os nossos corações e dispensas para compartilhar e alimentar, assim como Cristo nos ensinou a fazer e a amar.

Enfim, a palavra bíblica do profeta Isaías é alento e chamado para a luta. É resistência ao poder que destrói a vida e é convite para semear a esperança. É uma palavra atual e necessária em nossos dias. Nenhum ser humano merece o sofrimento e a secura da vida sem esperança. Nenhum ser humano deveria morrer isolado e sozinho, vítima da negligência humana. Não é vontade de Deus. Não, Deus não pratica a Lei do Retorno. Deus estimula a prática da justiça, da paz, do perdão e da reconciliação. Ele não nos abandona secos e famintos. A secura e a fome não são vontades de Deus, antes são consequências da vida, da ganância e da falta de empatia que imperam em nosso meio. A Palavra fecunda de Deus nos leva a perceber que há uma luta pela libertação a ser lutada, e o inimigo não é só um vírus invisível, mas um sistema que tem apoio de uma religiosidade sem Deus, que não tem compaixão – é chuva ácida!

Para terminar, coloco essa imagem, que nos faz lembrar, de um lado, da graça de Deus e, do outro lado, do compromisso com a vida humana. Uma mão dando água para uma frágil plantinha. Vamos observar e pensar a respeito da graça e do compromisso?

 

Desejo que a Palavra de Deus seja fecunda em nossa vida. Que ela nos fortaleça na luta pela libertação e nos dê a alegria da graça e do perdão de Deus. Amém.

P.Eloir Weber

São Leopoldo – Rio grande do Sul, Brasilien

eloir@sinodal.com.br

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