Lucas 12:20-21

Lucas 12:20-21

LOUCOS?

Mas Deus lhe disse: louco, esta noite te pedirão a tua alma;
e o que tens preparado, para quem sera? Assim é o que entesoura
para sí mesmo e não é rico para com Deus. Lucas
12: 20 & 21

Está todo mundo louco! É uma expressão comum que
na verdade faz sentido! Há muitas formas de loucura no mundo.
O texto do Evangelho desta semana nos aponta para uma forma de loucura
muito comum, que normalmente nem é percebida ou aceita por aqueles
que se encontram nesta trágica situação. Isso porque
a loucura de que trata o texto bíblico não está
na área do tratamento mental, psiquiátrico, da medicina,
mas na esfera espiritual do relacionamento da criatura humana com o
seu Criador. Deus define como louco aquele que tem como princípio
e valor máximo da vida os seus bens materiais.

A questão da posse de bens materiais afeta básicamente
a todas as pessoas, em diferentes níveis e aspectos, independentemente
de cultura, classe social, ideologia política, religião,
etc. A triste realidade da desigualdade social no mundo mostra as consequências
do apêgo das pessoas aos bens materiais. Na raíz desta
triste realidade está a condição da natureza humana
caída em pecado. Em nenhuma sociedade ou ideologia implantada
no mundo as consequências da avareza foram eliminadas. Nas tribos,
nas sociedades capitalistas, socialistas, comunistas há os que
tem mais e os que tem menos, os que são mais ou menos iguais,
e a busca pelo poder e a riqueza como um sintoma comum.

O Evangelho deste domingo, bem como as leituras do Antigo Testamento
e da Epístola se complementam no tema dos valores fundamentais
da vida, apontando a transitoriedade dos bens materiais em contraste
com o valor dos bens espirituais que permanecem eternamente. Jesus conta
uma parábola para definir e estabelecer a diferença entre
os tesouros terrenos e os celestiais, bem como para apontar o prioritário
e eterno em contraste com o muitas vezes “urgente” e terreno,
que é transitório. Jesus define como loucura a prioridade
e o valor absolute dado aos bens materiais.

O homem louco da parábola não reconhece de onde provém
a sua riqueza e a sua própria vida. Ele não vê além
de sí mesmo e de seus próprios horizontes. Ele credita
à sua inteligência e capacidade o sucesso de seus negócios
e de sua vida neste mundo. Atrelado ao aqui e agora ele não percebe
que a vida não termina no cemitério e que está
negligenciando a vida eterna ao colocar os seus bens materiais como
prioridade absoluta em sua vida. Isso tem um resultado trágico,
de consequências irreparáveis – de condenação
eterna. Por isso Jesus o chama de insensato, louco.

 

Nosso mundo está cheio de loucos como o descrito nesta parábola.
O vírus desta loucura pode facilmente nos afetar e certamente
é um dos maiores perigos para a nossa fé e a nossa vida
como cristãos neste mundo. Jesus chama a atenção
para a importância de se ter cuidado e de guardar-se de toda e
qualquer avareza. Como cristãos não estamos livres das
tentações do diabo, do mundo e da nossa própria
carne, como definiu muito bem Lutero, ao se referir à nossa condição
simultânea de santos (redimidos por Cristo) e pecadores. Vivemos
numa sociedade onde o ter significa mais do que o ser, onde as aparência
é mais valorizada do que a essência, onde os bens materiais
são mais importantes do que os bens espirituais. Nós facilmente
podemos entrar no rol dos loucos da parábola. Por isso a advertência
de Jesus: Cuidado! Guardem-se da avareza!
“A vida de um homem não consiste na abundância de
bens que ele possui,” adverte Jesus. Ele o faz porque sabe que
seus discípulos seriam tentados na inversão deste princípio.
Quantas vêzes nós somos tentados a ver ou encontrar significado,
valor, segurança, felicidade na abundância das coisas materiais,
colocando-as numa ordem prioritária às coisas do Reino
de Deus, às “coisas lá do alto?” Facilmente
investimos naquilo que parece ser “muito importante” para
o nosso futuro e a segurança da nossa família, enquanto
temos dificuldades para ofertar e investir “nossos” recursos
na expansão do Reino de Deus. Facilmente racionalizamos e temos
“bons argumentos” para o pecado da avareza. Jesus não
contemporiza, mas chama isso de loucura, de insensatez!

Apropriadas são as palavras da oração de Agur,
em Provérbios 30:7-9: “Duas coisas te peço; não
mas negues, antes que eu morra: Afasta de mim a falsidade e a mentira;
não me dês nem a pobreza, nem a riqueza: Dá-me o
pão que me for necessário; para não suceder que,
estando eu farto, te negue e diga: Quem é o Senhor? Ou empobrecido,
não venha a furtar, e profane o nome de Deus.”

No mundo materialista e imediatista em que vivemos, a preocupação
para com a fé e a vida eterna é facilmente atropelada
pelos valores materiais. Em Mateus 16:26 Jesus compara o valor da alma
humana com o mundo: “Q que aproveitará o homem se ganhar
o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca
de sua alma?” É interessante se observar que ao mesmo tempo
em que o nosso mundo se “materializa” cada vez mais em dimensão
global, a “espiritualidade” se torna mais e mais comum na
aceitação e no crescimento de religiões, crenças
e ritos não cristãos. Como cristãos e filhos de
Deus somos chamados a confrontar esta realidade do mundo com a mensagem
do Evangelho de Cristo, que é loucura para os que se perdem,
mas poder e salvação para os que crêem, conforme
disse o apóstolo Paulo.

A vida é uma dádiva de Deus e nenhum empreendimento humano
pode extendê-la ou dar sentido a ela. A mensagem central de Jesus
na parábola está relacionada com a dádiva da vida
e dos bens que recebemos de Deus e de como os usamos e administramos.
Como pecadores redimidos por Cristo, temos valores e perspectivas de
vida diferentes dos do mundo. Somos ricos para com Deus não por
nossos méricos ou posses, mas pela graça e misericórdia
de Deus em Jesus Cristo, nosso Salvador. Bens materiais passam a ser
vistos como bênçãos a serem usados e repartidos.

A vida e as coisas deste mundo tem uma dimensão transitória
para nós cristãos. Temos a percepção de
que as coisas terrenas são limitadas e passageiras. Nosso presente
e nosso futuro não dependem de grandes celeiros cheios e nem
de bens em depósito. Nossa esperança está na certeza
da vida eterna que temos em Jesus Cristo. A vida neste mundo não
consiste na abundância dos bens que possuímos, mas sim
na relação com Deus através de Cristo. Se não
fosse por isso – pela graciosa misericórdia de Deus –
seríamos considerados loucos também.

Jesus nos ensina através desta parábola que a dádiva
da vida e os bens que recebemos de Deus não são para ser
guardados, escondidos, usados egoísticamente, mas são
dádivas para serem compartilhadas. É trágica a
inversão de valores estabelecidos por Deus para a nossa vida.
Que desafio o de alcançar os loucos do nosso tempo com a mensagem
transformadora e salvadora do Evangelho!

 

Nilo L. Figur
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Concordia University, Professor
Austin, Texas, USA
Nilo.Figur@concordia.edu

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