Mateus 21:1-11

Mateus 21:1-11

Mateus 21:1-11


Hosana ao Filho de Davi!

Com os anjo e arcanjos e com toda a companhia celeste louvamos e magnificamos o teu glorioso nome, exaltando-te sempre, dizendo: “Santo, santo, santo, bendito, hosana! (Da liturgia da Santa Ceia)

Uma e outra vez somos envolvidos por multidões em festa. Emoções incendiadas pelo fogo do entusiasmo são incontroláveis no seu poder de contágio. Os aplausos numa ópera bem apresentada, a vibração no estádio esportivo, e tantos outros momentos marcam a pessoa. Assim como marcados ficaram os discípulos de Jesus nesse dia. Assim como a igreja toda em todos os tempos que trouxe esse episódio da chamada entrada triunfal de Jesus em Jerusalém para marcar dois domingos no ano eclesiástico: Ramos e Advento.

Num primeiro momento, não importam as motivações que contagiaram a multidão nesse dia. Importa mesmo é que Jesus, aquele homem de Nazaré, foi dignamente festejado como cada cristão sente que gostaria de fazê-lo. A narrativa nos convida a juntarmos as vozes à multidão na exaltação daquele que veio, que vem e que virá.

Que multidão é essa? Será ela diferente de tantas multidões que já conhecemos ao longo da história? Multidões à beira do caminho reunidas pela esperança de que finalmente o seu destino se realizaria, suas esperanças mais legítimas sendo contempladas, seus anseios finalmente tornados realidade.

Conhecemos bem essa multidão. Talvez não a tenhamos visto gritando à beira do caminho. Mas certamente reconhecemos as esperanças e anseios que se refletem nos seus gestos de frustração, de revolta, de desalento. São as esperanças e anseios que também marcam a nossa própria caminhada nesse mesmo caminho. Olhamos para o lado ou não olhamos. Mas certamente identificamos os gestos ansiosos, às vezes nervosos, o torcer das mãos, o descair dos ombros, o braço estendido em busca de respostas intangíveis.

Jesus segue por esse caminho sem mostrar em momento algum qualquer contrariedade. Sim, porque a multidão sabe bem o que espera dele. Com que euforia receberam dele os pães e os peixes. Com que entusiasmo relatavam vezes sem conta a recente ressurreição de Lázaro. As histórias se multiplicavam, aumentando a expectativa que agora explode num entusiasmo sem limites. A multidão não lembra as palavras que desviam dessa sua expectativa: “Olhai os lírios do campo e as aves do céu. Procurem tesouros onde a traça e a ferrugem não corroem”

Expectativas vazias e inúteis povoam o imaginário das multidões que correm atrás de promessas. Mais triste ainda é o estado das multidões que já nada esperam, que desacreditaram de tudo, que olham para o caminho percorrido pela humanidade com a desilusão.

As motivações e anseios que são o conteúdo do canto da multidão são totalmente equivocados, como equivocado estava Pedro quando tentou demover Jesus da idéia do sofrimento e do sacrifício. Felizmente, o conteúdo e significado daquele canto e daquele entusiasmo não pertence àquela multidão. O que também poderíamos ou até devemos confessar do nosso próprio canto e das nossas orações que se elevam ao trono de Deus. “Não sabeis pedir”, dissera Jesus aos seus discípulos.

O que importa, e sempre será assim, é saber que o conteúdo do nosso canto e do nosso louvor está na pessoa daquele que entra humilde em Jerusalém. Aquela multidão saberá mais tarde o verdadeiro conteúdo e sentido daquele seu canto: Hosana! Bendito! A qualidade do Hosana não se afirma pela qualidade do canto ou da pessoa que canta, nem do que ela compreende do seu canto. A qualidade e o valor do canto está na pessoa para quem se canta. E naquele dia as pessoas cantaram para Jesus de Nazaré.

Quando a multidão de curiosos que vinham chegando perguntavam: Mas, para quem estamos cantando? A resposta vinha: “Jesus, de Nazaré.” (v.11) Quantos ainda tinham dúvidas, apesar de tudo que dele se dizia? “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” perguntara Natanael. (João 1.46) Mesmo tendo sido despertados pelos sinais e curas, a dúvida quanto à pessoa de Jesus continuava no ar. Quem é ele?

É um povo em busca de salvação. Cantam as palavras certas para a pessoa certa: O Filho de Deus. Mas, muito provavelmente, desconhecem a pessoa e o canto. Entretanto, Jesus segue, no ritmo do animal que monta, a marcha sem retorno para que aquela multidão possa usufruir muito mais do que aquilo que entendem e cantam. Deles é o Reino. Ele é Senhor do destino de cada um como Cordeiro de Deus. Todos vão ser chamados a crer nele, numa reviravolta de expectativas jamais esperada pela multidão.

O olhar de Jesus sobre a multidão não se modificou desde aquele dia em os viu “como ovelhas sem pastor”. Compaixão e misericórdia são o que impelem Jesus a prosseguir. Ao mesmo tempo, seu coração se alegra com o canto, porque esse mesmo canto será mantido pela sua igreja ao longo dos tempos pontuando a marcha dos peregrinos em direção à outra Jerusalém. Ao longo dos tempos a igreja levantou os olhos da fé para o altar, onde na simplicidade do pão e do vinho, viu mais do que sua compreensão é capaz de absorver e compreender. Viu a oferta preciosa de Deus vindo ao seu encontro na pessoa deste Cordeiro que se oferece e ao seu povo e marcha com o seu povo na direção da realidade preparada pela misericórdia eterna.

Ao nos aproximarmos do altar entoando os Hosanas e os Benditos somos a igreja de todos os tempos que olha para a Jerusalém tanto da da cruz e da graça como a Jerusalém do trono da glória em Cristo.

Jesus ouve o louvor imperfeito do povo e se agrada dele por que ele dignifica esse louvor com a sua obra redentora. Esse é talvez seja esse um dos aspectos mais difíceis de aceitar. Freqüentes vezes o canto dessa multidão tem sido desqualificado e taxado de leviano e interesseiro pelo fato de logo adiante essa mesma multidão gritar: Crucifica-o! Pobres de nós se pensamos dessa maneira. O que diremos do nosso próprio canto? Em que ele poderia ser melhor, menos culpado e menos culpável do que o canto daquela multidão. Não somos, na verdade, todo mendigos da graça, como uma vez Lutero expressou? Não somos todos sempre os mesmos que “desejando fazer o bem, acabam fazendo o mal, como expressa o apóstolo Paulo? O diferencial não está na dignidade do canto, nem de quem canta. O diferencial está naquele a quem rendemos louvores enquanto procuramos salvação.

Buscar o sacramento é não perder essa perspectiva. Nele Cristo renova a sua presença junto de nós enquanto peregrinamos para a Jerusalém celeste, consolados pela palavra da cruz. Somos uma multidão marchando ao lado daqueles que conosco lavam as suas consciências no sangue do cordeiro.

É a peregrinação dos desiludidos desse mundo. Perderam a fé nas promessas que produziram pobreza, miséria, opressão dos povos, agressão, guerra e solidão. É a peregrinação daqueles que uniram suas vozes aos gritos de tantos que louvaram o ouro, o mamon, as sedas e os marfins. Daqueles que cantaram louvores aos exércitos e às armas. E que chegaram ao fim daquelas marchas com bandeiras de personagens criados para a ilusão que esconde intenções de enganos e mentiras.

Mas que finalmente ao cantar para aquele Jesus, viram todas as ilusões expostas na cruz e na vergonha. E dessa cruz vir o olhar de uma vida nova que não é mais desse mundo, feita de compaixão, perdão e solidariedade com o pecado e a morte que se lhe agrega.

É a peregrinação daqueles que lavam as suas vestes no sangue desse que está na cruz. É a peregrinação e o canto que João vê e ouve aproximando-se do trono daquele que morreu e ressuscitou.


Paulo P. Weirich
weirich@ulbranet.com.br
Universidade Luterana do Brasil/Seminário Concórdia
São Leopoldo, RS
Brasil

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