Lucas 23.33-49

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Lucas 23.33-49

PRÉDICA PARA A SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO | 15 de abril de 2022 | Texto de prédica: Lucas 23.33-49 | Vitor Hugo Schell |

Salva-te e a nós também

Introdução:

O quadro pintado pelo texto indicado para a prédica da próxima sexta-feira, sexta da Paixão, tem como motivo principal a crucificação e as diversas reações de seus expectadores. Zombaria, escárnio, confissão, lamento e contemplação são ali retratados. O texto do profeta Oséias, indicado para a leitura bíblica, aponta para a obstinação do povo de Deus e para a cura por ele mesmo providenciada. Em foco estão o reconhecimento de culpa e a busca pela face do Senhor (cf. Os 5.15). A ferida feita é ferida que será sarada. No texto de prédica o ferido é o próprio Jesus, sobre quem se pergunta se seria, de fato, o Cristo de Deus. A ferida é assumida por ele no monte Calvário e nele está disponível a cura a todas as pessoas, em todos os tempos. Em Lucas misturam-se na cena aqueles que reconhecem sua própria culpa e enxergam na face do crucificado o próprio Senhor enquanto outros se negam a fazê-lo. Já o texto de Hebreus 4.14-16, também indicado para a leitura bíblica, convida, por sua vez, a chegarmo-nos junto ao trono da graça de Deus, onde se encontra o sacerdote que se compadece de nossas fraquezas (cf. Hb 4.16), o qual é Jesus, o Cristo de Deus sofredor, fraco, angustiado e tentado, que porém sem pecado e obediente no sofrimento, foi feito pelo próprio Deus “[a]utor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (cf. Hb 5.9). Convido a que leiamos o texto de Lucas 23.33-49.    

Leitura do Texto: Lucas 23.33-49

Jesus fora julgado de forma nada imparcial e condenado à cruz como criminoso. Com isso a multidão de Judeus e suas autoridades, aliada aos romanos, estava satisfeita. A opinião de Caifás, relatada pelo evangelista João, representa bem o pensamento da liderança judaica: “[N]em considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo, e que não venha a perecer toda a nação” (Jo 11.50). Levado ao Calvário e crucificado, Jesus morre, enfim, por conveniência. Ironicamente, Caifás acaba afirmando que a morte de Jesus aconteceria por toda a nação. Ainda que a preocupação de Caifás se limite ao momento político específico, o evangelista João faz o mesmo que o evangelista Lucas no texto da prédica: ambos olham para além, para o significado amplo e decisivo do que está acontecendo com Jesus. 

Expectativas frustradas

Lucas descreve a maneira como o evento é encarado por diversos grupos. Por detrás de zombaria e escárnio apresenta-se a pergunta decisiva: Poderia ser Jesus de Nazaré o Cristo, o ungido de Deus (cf. v. 35)? A pergunta pelas credenciais de Jesus permeia o relato dos quatro evangelhos. Como um malfeitor condenado e crucificado entre outros dois criminosos poderia ser o Cristo? Enfatizando o escárnio sofrido, o sorteio de suas vestes e a zombaria por parte das autoridades presentes, Lucas faz o leitor atento lembrar de que tudo isso já estava nos planos de Deus. Palavras do Antigo Testamento lançam luz sobre esses planos, concretizados no evento que agora é testemunhado. Claro que isso só enxergam os olhos da fé! As personagens presentes na hora da crucificação são descritas como senhores da situação e a ironia é que Lucas mostra que justamente na zombaria e no escárnio, fazem cumprir o plano de Deus. 

Como nos outros evangelhos, também em Lucas é preciso enxergar que Jesus não vai ao encontro de expectativas e interesses que limitam seu Reino à perspectiva humana imediatista, egoísta e utilitarista, para dizer o mínimo. Mas não são somente as autoridades judaicas e romanas que têm uma visão equivocada sobre o que Jesus deveria fazer. Vemos nos evangelhos que os próprios discípulos se mostram, por vezes, totalmente afastados dos propósitos de seu mestre. Ele parece frustrar suas expectativas! O evangelista Marcos, por exemplo, faz questão de mostrar quão insistentes eles são, a caminho de Jerusalém, em sua ânsia por poder político, domínio e benefícios para o agora (basta lermos com atenção os capítulos 8, 9 e 10 de Marcos) enquanto Jesus fala de sua morte e ressurreição. 

Para ser reconhecido como Cristo, Jesus deveria, então, salvar a si mesmo, seguindo a mesma lógica que governa este mundo. Não é a si mesmo, porém, que Jesus quer salvar. Sua lógica é a do Reino, da entrega e do serviço ao próximo (compare Lc 9.23ss.). Somente na sua entrega está a nossa salvação! 

Só mais um crucificado

Deixando de lado a multidão e os diversos grupos de espectadores por um momento, Lucas procura mostrar nos vv. 39-43 de que maneira o acontecimento torna-se em um confronto pessoal que leva inevitavelmente a um posicionamento de fé. Também um dos ladrões ao lado de Jesus é deflagrado em sua visão equivocada sobre o Messias. A resposta à pergunta pela identidade de Jesus marca também a hora final dos dois criminosos crucificados ao seu lado. É preciso perceber que o serviço prestado por Jesus não é como qualquer favor que possamos, de alguma forma prestar a alguém. Discípulos de Jesus servem porque foram servidos por Ele, que sendo Deus serviu em primeiro lugar (compare Fp 2.6-7). Discípulos e discípulas de Jesus são como o criminoso perdoado ao lado de Jesus. A diferença é que tiveram tempo para viver um pouco mais e que, no tempo que lhes resta, vivem em gratidão a quem lhes salvou.  

O serviço feito por Jesus na cruz não pode ser substituído por nenhum outro pois Jesus é o Cristo, o ungido de Deus. A sentença que desgraça a vida do criminoso na cruz ao lado não é por si só o que lhe serve como força propulsora para o favorecimento, como uma espécie de “purgatório”, que o isenta da necessidade do que apenas o Messias pode lhe oferecer. Sofrer como pecador é resultado óbvio! O que não é obvio é que o justo sofra daquela forma (veja o v. 41). E é essa a injustiça que Jesus encara. Jesus de Nazaré não é apenas mais um crucificado entre tantos outros crucificados do mundo e isso precisa ser reconhecido. Ele é o Messias, o Filho de Deus. A partir disso é necessário dizer que também quem não tem mais a esperança de “descer da cruz” para poder realizar qualquer serviço, quem não tem mais tempo para qualquer boa obra que “limpe sua barra” diante dos seus e da sociedade, tem seu destino decidido pelo confronto pessoal com o Jesus crucificado, em quem os olhos da fé podem enxergar o ungido de Deus, o caminho para estar “hoje mesmo” no paraíso. 

O evento decisivo

Por fim, o relato aponta para o significado do evento da cruz bem para além de opiniões pessoais. Certo é que o “espetáculo” assistido não  trata de um evento isolado, resultante apenas de mais uma arbitrariedade do governo romano em parceria com as lideranças judaicas, nem de um evento meramente íntimo, que faz diferença apenas no coração de um criminoso arrependido que na hora final, sem outra alternativa, investe todas as suas fichas no mestre Jesus. Lucas relata a consternação e o lamento dos espectadores, os sinais no cosmos e no Templo, que acompanham a crucificação de Jesus e apontam para sua abrangência e centralidade na história da salvação de Deus.

No v. 46 lemos que Jesus entrega-se inteiramente nas mãos do Pai. Sua obra está realizada. Ainda antes o sol se escurece e o véu do santuário se rompe. Existe algo a mais, para além da esfera de domínio daqueles que se pensam no controle da situação. Lucas relata um fato que convida à fé. Responder positivamente ao convite significa colocar-se em sintonia com os planos de Deus que acontecerão, por fim, quer queiram ou não. Não é a aceitação em fé da pessoa de Jesus por parte de alguns ou a zombaria e descrença por parte de outros que torna o evento relevante, como se a fé produzisse um sentimento bonito que faz ver algo onde nada existe. Para Lucas os eventos fazem parte da história universal e seu testemunho é relato do ponto alto da história da salvação de Deus que acontece no Calvário e confronta a todas as pessoas. Para ele não é assim que “fé cada um tem a sua e sobre religião a gente não discute!” 

Conclusão

O relato nos chama a um posicionamento frente ao que acontece com o Cristo de Deus, o salvador dos pecadores, o médico que veio para os que estão doentes (compare Lc 5.31-32) e que assume a morte sobre si mesmo. O posicionamento frente à sua pessoa, a confissão de que ele é o Cristo (compare 1Jo 2.22) decide tanto de que forma viveremos adiante “hoje mesmo” quanto se, ao findar nossa vida por aqui, estaremos ou não com ele no paraíso. Jesus não deixa o criminoso confesso (veja o v. 41), o pecador que sobre ele coloca sua confiança sem sua palavra de esperança, sem sua promessa que faz olhar adiante! Jesus não deixa aquele dia de trevas e pavor sem apontar para o que viria pela frente. Na sexta-feira de sua paixão Jesus aponta para o terceiro dia, para o Domingo, para a ressurreição. Que o Espírito Santo nos conduza à fé em Jesus, a um posicionamento claro de fé “hoje mesmo” e à esperança na promessa da vida da ressurreição. Amém. 

P. Dr. Vitor Hugo Schell

São Bento do Sul – Santa Catarina (Brasilien)

vitor.schell@flt.edu.br

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