Romanos 7. 15-25ª

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Romanos 7. 15-25ª

PRÉDICA PARA O 6º DOMINGO DE PENTECOSTES | 9 DE JULHO DE 2023 | Romanos 7. 15-25ª | Elisandro Rheinheimer |

Simul justus et peccator

Quero iniciar com um belo conto do mundo das crianças que, em algum momento, todos nós já ouvimos:

Um lavrador costumava ir até a beira do rio e buscar água com dois jarros de barro, ambos pendurados em cada ponta de uma vara a qual ele carregava em cima dos ombros. Os jarros, porém, eram diferentes entre si. Um era perfeito e sempre chegava cheio de água até a casa do lavrador. Já o outro jarro tinha uma rachadura e chegava apenas com a metade da água em casa. Se sentindo orgulhoso por levar toda a água, o jarro perfeito começou a caçoar do jarro rachado, fazendo com que se sentisse ainda pior a cada gota derramada.

Um dia, sem aguentar a situação, o jarro rachado pediu ao lavrador que o jogasse no lixo pois ele não servia mais para nada. Para surpresa do jarro, o lavrador sorriu e perguntou: “você viu como está a estrada do rio até nossa casa?”. Então voltaram até a estrada e o jarro rachado se surpreendeu com a quantidade de flores que haviam crescido lá. “Está vendo estas flores? Foi a água que você deixou cair que irrigou todas elas” – disse o lavrador.

Estimados irmãos e irmãs!

Assim como no jarro havia uma rachadura, há uma rachadura neste mundo. Boas ideias falham. Boas pessoas decepcionam. Acreditávamos que aquela pessoa era um modelo a ser seguido – e de repente vemos que as brancas vestes tinham manchas escuras. Em quem ainda se pode confiar? Já foi a época em que nossas casas não tinham muros, agora, além dos muros, há cerca elétrica, quando não há arame farpado lembrando uma verdadeira prisão – até mesmo as igrejas estão precisando de cercas e muros. E as escolas? Ataques a crianças em escolas eram coisa distante, dos EUA, agora já os temos aqui. A maldade humana parece cada vez pior. Atacar, ferir e matar parecem as únicas saídas. Viver em paz e sossego já parece distante ao mundo de hoje. Isso sem falar em guerra na Ucrânia (mas não somente), na pregação armamentista para vencer o mal, fome e corrupção.

Assim como no jarro havia uma rachadura, há uma rachadura na igreja. Por que vamos à igreja ou por que pertencemos a uma igreja? Alguns vão por costume e tradição. Outros vão para alimentar a sua fé. E cada vez mais, diante de um estilo de vida onde o dinheiro fala mais alto e as coisas valem mais do que pessoas, muitos procuram as igrejas na busca por um sentido de vida e para não se sentirem sós, cansados, tristes e fracos. No entanto, se vivermos de fato, comunidade, humanamente falando, todos nós vamos perceber que a igreja não é o Reino de Deus – verdade! Aliás, por vezes a igreja pode ser um lugar terrível. Pois quando vivemos verdadeiramente uns com os/as outros/as, como uma grande família, nossas máscaras caem e aparecem as nossas dificuldades em nos comunicar, nossos ciúmes e frustrações, nossos ódios destrutivos, nosso egoísmo e até mesmo nossa sexualidade perturbada. Precisamos perder a ilusão de que na igreja tudo é luz, tudo é benção, tudo é perfeição. A igreja, segundo Lutero, é um grande hospital, e num hospital há doentes em busca de cura.

Assim como no jarro havia uma rachadura, há uma rachadura, acima de tudo, em mim e em você. Pense em tua família, que belo exemplo! Um lar é constituído por duas pessoas que se amam. Os filhos são esperados como verdadeiros príncipes e princesas. É no aconchego do lar e da família que nós podemos ser (e precisamos ser) quem nós realmente somos. Na família temos intimidade, mas é também nesse ninho de amor e aconchego que ocorrem os maiores atritos. As máscaras caem e é logo no início que um casal apaixonado percebe que precisa de muito mais do que atração física para formar um lar. É bem cedo que os príncipes e as princesas deixam todo sua realeza e de suas bocas saem gritos e os palavrões (!).

Já é hora de perceber que todos somos jarros rachados. Nós gostaríamos sempre de fazer o que é bom, justo e correto para nós mesmos, nossa família, nossos amigos o mundo ao nosso redor, mas nem sempre isso acontece. Acabamos fazendo a coisa errada. E quando não começa mal, termina mal. Paulo descreve esta rachadura do seguinte modo, no texto que lemos em Romanos: “Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto” (v.15) e “não faço o bem que eu quero, mas o mal que não quero, este faço” (v.19).

Você já teve a mesma experiência que Paulo? O que quero fazer eu não consigo fazer e acabo fazendo o que odeio ou não deveria fazer. Quantas vezes nós prometemos que não vamos errar mais, e erramos novamente! Quantas vezes prometemos cuidar bem de nossos familiares, mas fazemos o contrário, maltratando-os? Quantas vezes prometemos ajudar quem precisa de nossa ajuda, mas fazemos o contrário, virando a face? Quantas vezes prometemos ser fiéis ao nosso cônjuge em pensamentos, palavras e ações, mas fazemos o contrário? Quantas vezes prometemos não falar mentiras, mas fazemos o contrário, falando aquela mentirinha inocente?

No fundo este é o problema: nós achamos que somos jarros perfeitos. Nós temos dificuldade em reconhecer que somos jarros rachados. Nós olhamos para o mundo à nossa volta em estado de choque – mas é o meu e o seu mundo, o mundo pelo qual todos somos responsáveis; nós olhamos chocados para nossa igreja – mas é a minha e a tua igreja, a igreja na qual todos vivemos. E como olhamos para dentro do nosso coração? Vemos as rachaduras ou simplesmente nos auto enganamos dizendo: “você precisa acreditar em você. Se você acreditar do fundo do coração, então vai acontecer e você vai conseguir!”. E se cremos assim, o que acontece quando vasculharmos o nosso coração e encontrarmos ali depressão, desespero, egoísmo, orgulho, violência, desamor, mágoa, entre outros?. E daí?

E daí que é assim que começam as guerras, as injustiças, a fome, as pandemias, as polarizações políticas etc. Ao olharmos para este aparente caos ainda perguntamos: por que o Deus todo-poderoso permite tanta dor? E a resposta a esta pergunta é: Não era para ser assim. O Deus que confessamos dominicalmente no Credo Apostólico como Criador, em Gênesis 1 e 2, descreve a criação como sendo muito boa. Nesse contexto não havia guerras, injustiças, fome, pandemias, destruição da criação e morte. Porém, a o ser humano, cuja matriz foram Adão e Eva, conforme descrito em Gênesis 3, se rebelou contra o Criador, “rachou o jarro” (lembrando do conto inicial), empurrando a humanidade e toda a criação para a escravidão do pecado, ou seja: tudo e todos voltados para si mesmos, para o seu próprio coração! É dali que advém todo o caos que experimentamos no mundo, na igreja e nós mesmos.

Dessa forma, com o apóstolo Paulo podemos afirmar “Que miseráveis seres humanos que somos!” e ainda clamar: “Quem nos livrará do corpo desta morte?” (v.24). E a resposta, também com Paulo, será: “Graças a Deus por Jesus Cristo”!

Por nossa própria força não conseguimos mudar nada. Mas quando percebemos do que o nosso pecado, ou o pecado do ser humano, é capaz, nós abrimos espaço para o Espírito Santo de Deus agir em nosso coração e nos levar a Jesus Cristo. Esta dor de consciência que nos leva a dizer com Paulo “Miserável homem que sou!” nada mais é do que o toque do Espírito Santo. Como assim, pastor? Lembra de João Batista? Ele disse: “convém que ele [Jesus] cresça e eu diminua” (João 3.30). Lembra ainda da parábola de Jesus sobre o fariseu e o publicano? O fariseu, no caso, orgulhoso, se achava perfeito, e o publicano, se enxergava como pobre e pecador. E Jesus conclui dizendo que quem teve paz com Deus era o publicano. Ou seja: quem se acha jarro perfeito já está com a consciência calcificada e quem se percebe como jarro rachado, assume essa fragilidade, terá sensibilidade para o agir do Espírito Santo em sua vida, vai permitir a transformação do seu coração, vai ouvir o sussurro do Espírito Santo no coração apontando o pecado e iluminando para ações na luz de Cristo, fazendo o que agrada a Deus.

Repito: por nossa própria força não conseguimos mudar o mundo, a igreja e nós mesmos. Não eu, nem você e nenhum político construiremos o Reino de justiça, paz e abundância, mas Jesus. Por isso é imprescindível que eu e você assumamos a nossa condição: somos pecadores, somos jarro rachado. Esta é marca de Adão e Eva em nós. Pessoas que não reconhecem sua condição de jarro rachado são chatas. Nada pior do que falar com uma pessoa que tem razão em tudo, que é uma sabe-tudo e nunca erra. Além de chata, tal pessoa é mentirosa, e pior: pessoas que não reconhecem que são jarros rachados, que não reconhecem que pecam, são perigosas e malvadas. Por quê, pastor? Quem não reconhece que pode pecar, mesmo querendo acertar e fazer o melhor, é capaz de matar em nome de Deus e achar que está fazendo um bem para a humanidade. Aliás, quem não reconhece que pode errar e pecar, mesmo querendo acertar, se declara maior, até mesmo, que o apóstolo Paulo.

No entanto, igualmente imprescindível é afirmarmos com veemência maior  a marca de Jesus em nós, recebida no batismo e assumida em fé: Jesus morreu pelos nossos pecados, por “nossas rachaduras”. Tudo que é nosso e não presta foi colocado com Jesus na cruz. A dívida de nosso pecado, aquilo que deveríamos fazer e não fizemos ou fazemos, está paga na cruz. Então não precisamos mais ficar perdendo tempo e nos preocupando com o inferno que, de fato, merecíamos, mas podemos livremente viver neste mundo colocando sinais do Reino de Deus (fique claro que nós não construímos o Reino) e assim poderemos viver neste mundo a esperança que o pastor Lindolfo Weingaertner nos ensinou a cantar: “Há sinais de paz e de graça neste mundo que ainda é de Deus, em meio aos poderes das trevas, manifestam-se as forças dos céus”. Somos pecadores até o dia de nossa morte, mas com os pecados apagados, justos e salvos, por causa do que Cristo fez por nós. Somos justos e pecadores, simul justus et peccator, conforme Lutero, à espera do Reino definitivo de nosso Senhor.

Portanto, voltando ao início desta pregação, o jarro rachado é aquele que regou as flores pelo caminho. O jarro perfeito, sem rachadura, foi o jarro que nada regou. O jarro perfeito se tornou imperfeito e o jarro imperfeito se tornou perfeito. Eis o milagre do Evangelho, loucura para a humanidade, como diria Paulo. Qual jarro você é? Eu espero que você assuma tua condição de jarro rachado diante de Deus, pois através de ti, Deus quer fazer fluir água da vida a regar as pessoas e toda a sua criação. Pense nisso, Deus te abençoe!


P. Elisandro Rheinheimer

Cuiabá – Mato Grosso (Brasiien)

p.elisandro@outlook.com

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