2º DOMINGO NA QUARESMA

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2º DOMINGO NA QUARESMA

Marcos 8.31-38 | 28 de fevereiro de 2021 | Teobaldo Witter |

Texto bíblico: Marcos 8.31-38

E disse-lhes Jesus: ‘tende fé em Deus’ (Mc 11.22b).

Estava tudo muito bom. Bem, estava ótimo. É o pensamento geral entre os discípulos. Jesus andou com seus de vila em vila. Pregou em sua terra, Nazaré. Havia um estranhamento entre Jesus e pessoas de sua vila (Mc 6.1s). Mas vai adiante, nas aldeias das circunvizinhanças para ensinar. Envia os discípulos de dois a dois para missão. Percebe que não será fácil. O amigo João Batista é, interesseiramente, assassinado por gente do palácio (Mc 6.27). É um alerta para o grupo. Mas Jesus e o seus continuam na caminhada. No encontro com famintos, há multiplicação e partilha dos alimentos. Para chegar ao outro lado do mar, há turbulências. Naufrágio? O medo é uma realidade entre dos discípulos.  No entanto, Jesus caminha sob as águas. E a paz voltou no barco (Mc 6.41, 48).

Em Genesaré, apesar de uma e outra discussão com anciãos, escribas e fariseus, a situação continua sob controle, na visão dos discípulos. Nas terras de Tiro e Sidom, aconteceram encontros com doentes (mulher, surdo, gago). Jesus qualificou a missão. Ensinou e curou. Os discípulos se animaram. Os fariseus reapareceram. Pediram um sinal do céu (Mc 7.11). Mas Jesus não lhes deu sinal. E afirmou que “esta geração não terá nenhum sinal”, Mc 8.12. Jesus alertou os seus sobre o fermento dos fariseus. Os fariseus e os saduceus viviam em torno de Jesus, não para aprender os seus ensinamentos, mas para terem uma oportunidade de acusar, prender e condená-lo. Parece que Jesus se refere ao fermento da hipocrisia. Foi para Betsaida. Encontrou um cego que implorou que lhe tocasse. Atendido, Jesus recomendou que ele não entrasse na aldeia, mas fosse para sua casa.

No caminho para as aldeias de Cesareia, Jesus faz uma pesquisa de opinião. Pergunta sobre as narrativas populares:  “Que dizem as pessoas que sou eu?”. Mc 8.27. As respostas dos discípulos são: “João Batista, Elias, um dos profetas”.  E Jesus faz a pergunta derradeira: “E vocês, quem vocês dizem que sou eu? Resposta de Pedro: “Tu és o Cristo? ”, Mc. 8.29. Tudo estava bem, sob controle. Na zona de conforte.  Assim, junto a Jesus poderoso e glorioso, os discípulos nada temem. E estão bem satisfeitos.

No entanto, não haviam entendido que essa segurança que viviam não estava na dimensão de Deus. No caminho para Jerusalém, Jesus informa e ensina. Narra sobre sua prisão, rejeição, sofrimento, morte e ressurreição.  No entendimento dos discípulos, Jesus estaria mudando a narrativa. Ele teria condições para não permitir que isso aconteça, isto é, “… que o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que, depois de três dias, ressuscitasse” (Mc 8.31). A narrativa não está de acordo com suas pretensões de poder. Nesse momento Pedro, o líder do grupo, se indigna. E adverte Jesus. Chamando-o à parte, ao lado, o repreende. Diz que isso não vai lhe acontecer. “Tenha compaixão de ti, Senhor. Isso de modo nenhum vai te acontecer” (Mt 16.22). Talvez os discípulos nem estivessem preocupados com conforto, uma vida estável. Mas pensavam que Jesus não teria necessidade de passar por sofrimentos, dores e morte.  No entanto, Jesus reprova, categoricamente, seus discípulos. As palavras de Jesus contra a Pedro são duras: “Arreda, Satanás. Tu não cogitas das coisas de Deus, mas das dos homens” (Mc 8.33). Pedro foi o pacato amigo de Jesus. Ele apresentava passividade e indiferença em relação às dores e sofrimentos. Expressa-se assim: por que o que caminho da cruz, se tu podes curar doentes, saciar a fome, desarmar teus adversários com bons argumentos? Tudo podes tu. Não caiam nesse caminho da cruz”.  Porém, Jesus tem outro entendimento.

É sempre difícil entender a posição de pessoas, como a de Pedro, diante das dores e dos sofrimentos.  Ele foi o principal presbítero de Jesus. A decepção com ele foi profunda ao ponto de Jesus ver nas suas palavras cogitação de satanás. Diante dessa notícia, o mesmo Pedro que pouco antes, com clareza e convicção, confessara que Jesus era o enviado Filho de Deus, contraria o Cristo. Esse mesmo Pedro, após ouvir de Jesus o anúncio de sua morte e ressurreição e como sofreria nas mãos das lideranças religiosas e dos romanos, chamou Jesus para o lado e o repreendeu pela declaração feita. Buscou convencê-lo do contrário. O apóstolo colocou em dúvida a declaração de Jesus e os propósitos de Deus para o Filho amado e a humanidade. A manifestação de Pedro representa, aos seus olhos, uma espécie de consolo e encorajamento. Era um incentivo para que Jesus prosseguisse, indefinidamente, o seu ministério bem-sucedido, vitorioso, apesar da oposição. O apóstolo havia se acostumado tanto com a presença preciosa de Jesus que se achou na condição de lhe sugerir um novo posicionamento ministerial. Porém, o caminho da cruz era necessário. Pedro queria vitória sem sofrimento. Por todo o bem que havia feito, o Senhor Jesus não merecia terminar os seus dias desse modo. Pedro estava na contramão das Escrituras. Ele não entendeu, nem compreendeu as dores humanas e as de Jesus. A maioria das pessoas exclui o sofrimento de suas vidas com pensamento positivo, achando que sempre se pode dar um jeito. É um jeitinho que Pedro cogita para Jesus.  Segundo Bonhoeffer  “[…] há uma espantosa incapacidade da maioria das pessoas para uma ação preventiva de qualquer tipo – cada uma continua acreditando que vai escapar do perigo até que acaba sendo tarde demais; e há uma enorme insensibilidade diante do sofrimento alheio”[1]. A recusa de Pedro em aceitar o caminho da cruz de Jesus Cristo, significa, também, em se negar a se capacitar para ser solidário com as pessoas que sofrem. Em outras palavras, não amar, incondicionalmente, a Deus e às outras pessoas.

Jesus diz à multidão que se candidatava para ser discípulo: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8.34b).  Seguir a Jesus, ser seu discípulo, requer visão de vida, visão do sofrimento, amor, trilhar o difícil caminho da cruz. Este é o convite que Jesus nos faz. Cabe a nós aceitá-lo ou rejeitá-lo. Se reconhecermos que Jesus é o “O Cristo (Mc 8.29b)”, então ele deve ocupar lugar em nossa vida, mente e coração. Nosso pensar e agir devem estar focado nele. E de seus substitutos na sociedade, ou seja, “[…] os pequenos irmãos[..]” (Mt 25.40b) de Jesus Cristo, ou seja, o povo que sofre.   É para isso que Ele indica, quando afirma: “ Quem quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida por mim e do Evangelho salvá-la-á” (Mc 8.35). Mais: “O que adianta alguém ganhar o mundo inteiro, mas perder a vida? ” (Marcos 8.36). Qual é o valor da vida? Dias mais, dias menos nos confrontaremos com essa pergunta. E qual será a resposta que daremos? Tentaremos valorizá-la com as nossas conquistas? Pode ser que tenhamos sucesso em nossos empreendimentos, mas o vazio existencial provocado pela tragédia do pecado que nos afastou de Deus e do próximo não será preenchido. Talvez até lá tenha se ido o nosso tempo, a família, a saúde e ficado apenas o amargo sentimento de que o tempo passou e desgastou da vida.

O sofrimento e as dores não são periféricos ou ignorados por Jesus. Para Bonhoeffer, o tema do sofrimento é centro da missão e a prática teológica. “Temos de aprender a olhar as pessoas menos pelo que fazem e deixam de fazer e mais pelo que sofrem. A única relação fecunda com as pessoas- e especialmente com as fracas – é o amor, isto é, a vontade de ter comunhão com elas. O próprio Deus não desprezou os seres humanos, mas tornou-se ser humano por causa delas”.[2] Então, por amor à humanidade caída Jesus Cristo foi conduzido à cruz, sofreu calúnias,  foi preso e morto. Foi por amor que Deus ressuscitou-o entre os mortos. Por amor, Deus deseja contar conosco e com os outras e as outras no seu governo de perdão, vida e salvação.

O fermento dos fariseus sempre ronda a comunidade (Mc 8.15). E faz estragos profundos. Veja a história: bem antigamente, numa vila pouco habitada, um cachorro estava amarrado com uma corda numa árvore. Então, veio o tentador, qual Pedro se aproximou de Jesus (Mc 8.32b). Ele era amigo do dono do cachorro.  E soltou o canino. O mesmo saiu a caminhar pelas estradas. Entrou num cercado onde havia galinhas poedeiras. Atacou e matou as galinhas. Comeu os ovos.  A mulher do sítio, vendo tudo destruído, pegou a arma e matou o cachorro. O dono do cachorro, quando chegou em casa, vendo o animal morto, matou a mulher do sítio. O marido dela, quando chegou em casa, matou o dono do cachorro. Os filhos do dono do cachorro se uniram, queimaram a casa e os cercados onde estavam os animais da família. Então, chegou alguém e disse ao tentador que soltou o cachorro: viu o que você fez? Mas ele respondeu: A culpa não é minha. Eu não fiz nada. Eu somente soltei o cachorro. O resto foi a maldade humana que fez. E assim, o tentador seduz para matar e destruir, mas não assume seus erros.

Neste tempo na quaresma, Deus quer nos libertar da indiferença, da negligência, da vingança. O sofrimento de Cristo se encontra com o sofrimento humano. Em tempos recentes as dores humanas são provocadas pela pandemia com milhões de pessoas infectadas. E também, milhões de mortos. Aumenta o abismo entre ricos e pobres. Aumenta o consumismo. Aumenta a indiferença em relação às dores do mundo. A violência contra mulheres, crianças, jovens, especialmente, negros expressam a morte e a indiferença em relação à vida.  A crise sanitária nos educa para a percepção da fragilidade humana, da natureza, das águas, das coisas, das relações, do amor. Onde estamos? Quem somos? Onde queremos ir? Onde chegaremos?

No tempo da quaresma, propõe-se jejum. É o amor que significa a vontade de lutar junto com quem está sofrendo e apoiando em solidariedade os povos empobrecidos, doentes, idosos, crianças. O jejum que Deus espera é praticar a solidariedade, o amor, o cuidado dos sofredores e das sofredoras, a justiça.  São as coisas de Deus que estamos sendo chamados para cogitar. Nesse tempo, estamos sendo colocados diante da realidade do sofrimento. Até onde o amor nos conduz? Decisivo para a vida, fé e esperança é o chamado de Deus. No amor, na quaresma nos encontramos com Deus e o povo na Páscoa de Jesus.

A seguir, veio uma nuvem que os envolveu; e dela uma voz dizia: Este é meu Filho amado; a Ele ouvi (Mc 9.7). Amém.

Pas. Teobaldo Witter

Cuiabá-Mato Grosso, Brasilien

maninha.pancinha@hotmail.com

[1] BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão: Cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo, RS: Sinodal&EST, 2003, p. 39.

[2] BONHOEFFER, 2003, p.35.

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