5º Domingo na Quaresma

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5º Domingo na Quaresma

Prédica sobre Ezequiel 37. 1-14 | por Harald Malschitzky |

 

Irmãs e irmãos em Cristo, comunidade do Senhor.

Uma visão assustadora essa descrita no texto: Ossos humanos secos por todos os lados. Uma visão concreta da morte e daquilo que a morte levou. Humanamente falando, é o fim da linha. E Deus quase que provoca o profeta em sua fé: Será que esses ossos podem ter vida de novo? E o profeta quase que devolve a pergunta, dizendo que o próprio Deus deveria saber disso. Deus manda o profeta falar e acontece movimento, acontece reconstituição naquela ossada – passo a passo até que aqueles ossos voltem a ser carne e osso. Mas falta o essencial: O sopro da vida como está descrito já no  ato da criação. Esse  sopro de vida deverá ser transformador – o povo derrotado por seus próprios pecados, ganha uma nova chance de vida e uma nova chance de se relacionar com seu criador. O cenário horrível das ossadas humanas é – humanamente uma contradição! – um cenário que redunda em esperança a partir das falas de Deus através de seu profeta. Trata-se de uma mensagem de esperança aos exilados em terra estranha, comandados por estranha gente. A visão do profeta indica esperança…

Há pouco foram lembrados os 75 anos de funcionamento total do campo de concentração de Auschwitz, o maior complexo de campos de concentração e extermínio do regime nazista. Eu tive oportunidade de visitar o campo de concentração de Dachau, no sul da Alemanha e o de Flossenbürg, também na Baviera. Nesse último foi executado, entre muitos, o pastor Dietrich Bonhoeffer, em 9 de abril de 1945. Esses campos de concentração mantêm o espaço original com demarcação das construções, algumas construções completas como elas eram, enormes câmaras de gás. Só isso já é horripilante… Uma enorme exposição de fotografias (Hitler e seus asseclas tinham o cuidado de documentar tudo!) excede muitíssimo a visão do profeta: Pessoas ainda vivas, mas já mais mortas do que vivas por fome e doenças, as filas caminhando para dentro das câmaras de gás, os cadáveres empilhados… Foram muitas horas de visitação e o nosso pequeno grupo, depois da visita cancelou outro compromisso e só tinha vontade de vomitar,  e entalado na garganta o grito de ódio, desespero, impotência. Faltaram os profetas para reverter a situação, aliás, muitos deles foram mortos com as pessoas que defendiam…Quantos milhões de vezes será que pessoas clamaram: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?  E quantos milhões será que amaldiçoaram a Deus, quem sabe com palavras de Jó e do profeta Jeremias: Maldito o dia  em que eu nasci…Por que eu nasci? Será que foi só para ter tristeza e dor e acabar minha vida na desgraça? Verdade que outros tantos recitaram salmos de lamento e de louvor a Deus.

Os cristãos em geral e as igrejas como um todo acordaram tarde para se dar conta do genocídio; os países, em seguida organizados na ONU, também chegaram tarde… Mas ainda pode não ser tarde demais. Os campos de concentração contam uma história inimaginável,  eles, porém,  o contam não apenas por contar, mas sim como voz profética ao mundo para que isso jamais se repita e para que governos, igrejas e pessoas não tolerem loucos no poder, loucos  que passam por cima de cadáveres para alcançar seus próprios objetivos e sua sede de poder. A experiência do Deus ausente precisa nos manter incomodados, furiosos e vigilantes para que, em seu nome, vivamos em justiça e retidão para servir no mundo!

E em outro tempo e outro lugar também vamos encontrar a violência do poder. Jesus de Nazaré viveu aquele tempo, quando os romanos mandavam e desmandavam. Com seu jeito de viver e com sua pregação ele se indispôs com muitos de seus compatriotas e se tornou um elemento incômodo para os poderosos romanos. Em lances de favorecimento, de traição e mentiras, finalmente ele foi preso e condenado à morte num monte conhecido por execuções sumárias: Gólgota, monte semelhante a uma caveira ou monte construído em cima de uma montanha de caveiras. Já o caminho até o lugar da execução era uma humilhação só. Crucificado – era uma prática comum –  junto com mais dois delinquentes. E, de repente, o grito: Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste? E mais adiante: está consumado. Um soldado romano, um de seus executores, reconheceu           que ali se tratava do filho de Deus. Ao redor, além dos soldados, alguns curiosos e algumas mulheres do grupo de Jesus. Um amigo, que não pertencia ao grupo dos doze,  pediu às autoridades a licença de tirar o corpo da cruz e de sepultá-lo. Ele o fez às próprias expensas. Aparentemente Deus não ouvira os gritos. No domingo pela manhã amigas de Jesus foram prestar homenagens usuais junto ao túmulo e foram surpreendidas: Deus ressuscitara aquele que fora executado como numa tosca cruz… E elas, frágeis profetisas, foram anunciar que Deus não se ausentara do mundo e da história, o anúncio que ecoaria até os nossos dias.

Desse acontecimento resultou uma reviravolta e o recado de que os seguidores do nazareno ressurreto deveriam ir mundo afora para anunciar o evangelho, novidade de vida para alma e  coração, mas de forma indissolúvel também para o corpo, para a vida aqui e agora.

Hoje o Vale dos ossos secos é de perder de vista; são ossos que teimam em viver na extrema miséria porque neste mundo de Deus (ela ainda é de Deus!) poucos têm demais e muitos têm de menos ou nada. É nesses vales que cristãos e suas igrejas são chamados a dizer a palavra profética da vida em nome de Deus, mas é também na outra ponta, onde riquezas e ganhos se acumulam e onde se criam e se mantém leis de privilégios, que somos chamados a dizer a palavra profética em nome de Deus para deixar claro que isso é pecado –  e para aqueles que não gostam de falar em pecado – que isso é uma imoralidade criminosa que clama aos céus.

E agora estamos diante de um Vale dos ossos secos de dimensões mundiais. Perigo e medo não rondam apenas os outros, mas a todos nós e ninguém consegue precisar os limites e o término. Será que Deus está ausente? Ou será que ele se quer fazer presente por profetas e profetizas? Sim, há milhares de sinais, gestos e ações que revelam a presença de Deus, mas há também aqueles grupos que, em nome de Deus, desafiam o próprio Deus minimizando o vale dos ossos! Aquela ordem do ressurreto de levar a boa nova de vida plena e digna mundo afora agora tem nova roupagem que começa com a pergunta: O que eu, o que nós, dentro das condições possíveis e responsáveis, podemos fazer… Quem sabe um abraço virtual, ou pessoas mais jovens, buscando cuidar dos idosos, grande faixa de alto risco? E em nossas orações, em horários determinados ou não, intercedendo pelas pessoas? Buscando fortalecer a nós  aos outros na palavra de Deus? É preciso dizer: Há coisas bonitas acontecendo também para além dos muros das igrejas; há gestos de solidariedade que emocionam… Mas a dimensão da tormenta que  se arma sobre nossas cabeças é desconhecida. Seguramente haverá momentos em nós e o mundo reclamará a ausência de Deus – é ouvir esses clamores e ser solidários sem frases feitas e piedosas. E haverá momentos da presença quase palpável de Deus – agradeçamos por eles.

Mas juntos vai ser preciso perguntar se dessa crise não será possível criar uma nova ordem no mundo, uma ordem em que todos os ossos do vale tenham chance de uma vida digna e justa; se de dentro de contaminações, medos, quarentenas e até mortes nos fala a voz de Deus para novas formas de vida e convivência.

Que Deus não silencie e que nós ouçamos a sua voz e não apenas as nossas próprias vozes. Que ele coloque em nós a respiração da vida para que nossas vidas se pautem pelo crucificado e ressurreto. Que ele seja o bom pastor que nos ouve e nos acarinha quando nós começamos a desfalecer.

Oração: Senhor, Deus Pai e Salvador nosso em Cristo. Que não cesses de falar conosco, também  de forma dura se necessário. Coloca-nos no caminho da vida plena que tem olhos e coração para os outros e para o mundo que criaste. E neste momento de tanta apreensão ao redor do mundo, fortalece e consola a todos. Por Cristo. Amém.

 

Harald Malschitzky, P. em.

São Leopoldo – Rio Grande do Sul, Brasilien

harald.malschitzky@gmail.com

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