Isaías 55.1-9

Isaías 55.1-9

PRÉDICA PARA O 3º DOMINGO NA QUARESMA | 20 DE MARÇO DE 2022 | Isaías 55.1-9 | Wilhelm Sell |

Que a graça e a paz do nosso senhor Jesus Cristo, o amor de Deus o Pai, e a comunhão do Espírito Santo seja com todos e todas nós! Amém!

Queridos irmãos, queridas irmãs, estamos no terceiro domingo da quaresma. É tempo de reflexão sobre o caminho de Jesus Cristo até a sua morte e ressurreição. É comum ouvirmos que antigamente esse tempo era tratado com mais reverência e respeito: no âmbito social não havia festas (incluindo casamentos), danças e música alta; no âmbito pessoal alguns também excluíam a ingestão de bebida alcoólica e/ou de alimentos como a carne vermelha. Eram pequenos sinais externos de empatia ao tempo da profunda e total afeição de Jesus Cristo com as pessoas e toda a criação. Mas mesmo que a prática desses sinais penitenciais externos esteja enfraquecida em nossos tempos, nós hoje somos chamados e chamadas a refletirmos sobre os sinais provenientes de nossa fé a partir do texto de Isaías 55. 1-9, tendo como auxílio o texto do Evangelho (Lucas 13.1-9) que já lemos.

Portanto, convido vocês para lermos juntos Isaías 55. 1-9 (NAA):

„Ah! Todos vocês que têm sede, venham às águas; e vocês que não têm dinheiro, venham, comprem e comam! Sim, venham e comprem, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite.

Por que vocês gastam o dinheiro naquilo que não é pão, e o seu suor, naquilo que não satisfaz? Ouçam com atenção o que eu digo, comam o que é bom e vocês irão saborear comidas deliciosas.

Deem ouvidos e venham a mim; escutem, e vocês viverão. Porque farei uma aliança eterna com vocês, que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi.

Eis que eu fiz dele uma testemunha aos povos, um príncipe e governador dos povos.

Eis que você chamará uma nação que você não conhece, e uma nação que nunca o conheceu virá correndo para junto de você, por causa do Senhor , seu Deus, e do Santo de Israel, porque este o glorificou.“

Busquem o Senhor enquanto ele pode ser encontrado; invoquem-no enquanto ele está perto.

Que o ímpio abandone o seu mau caminho, e o homem mau, os seus pensamentos; converta-se ao Senhor , que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar.

„Porque os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus caminhos“, diz o Senhor .

„Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos, e os meus pensamentos são mais altos do que os pensamentos de vocês.

Vocês conseguem imaginar um anúncio como este trazido pelo profeta Isaías nos dias de hoje? „Venham, comprem sem dinheiro, pois tudo está sem preço, é grátis!“ No mínimo ficaríamos bem desconfiados. Nós nos perguntaríamos qual a pegadinha que estaria por detrás. Afinal, o que em nossos dias é de graça? Talvez seja também por isso que o profeta aqui insiste e diz ainda mais: Sim, venham e comprem, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite! Uau(!), ele não está falando de sobras, mas daquilo que naquele tempo era sinal de prosperidade e boa vida, ter à mesa, à sua disposição, vinho e leite. Mas ele não para por aí, ele vai mais longe e garante que aquilo que ele está oferecendo é muito melhor do que aquilo que normalmente seus ouvintes conseguem adquirir, ele diz: por que vocês gastam dinheiro naquilo que não é pão, e o seu suor, naquilo que não satisfaz?  E mais uma vez insiste: Ouçam com atenção o que eu digo, comam o que é bom e deleitem seu ser (nefesh) com comidas deliciosas.

Após anunciar do que se trata aquilo que é oferecido, o profeta pede mais uma vez que seus ouvintes inclinem seus ouvidos, mas que, além de ouvir, também venham até a fonte dessa benção. A partir de então passamos a entender que o profeta não está falando literalmente de coisas materiais, ainda que estas estejam diretamente ligadas, mas a algo muito mais grandioso: a aliança com Deus, que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi.

O profeta chama os seus ouvintes para uma conversão, ou seja,  uma mudança de vida e de perspectiva, a pararem de gastar tempo e os frutos do suor com aquilo que não faz bem e não traz completa saciabilidade para o ser (alma=nefesh), = para a vida. Ele chama os seus ouvintes a viverem a partir da aliança que Deus estabelece. Essa aliança não depende das pessoas, com todas suas contradições, seus altos e baixos, erros e acertos, mas da misericórdia de Deus (= da compaixão do seu coração), e, por isso mesmo, ela é estável, permanente, ampla e eterna. É GRAÇA que está firmada naquilo que Ele próprio concretiza por meio de Davi, pela sua semente – Jesus Cristo (Cf. Salmo 89. 34-36), também em direção a pessoas que não fazem parte do povo de Israel. É o meio pelo qual Deus restaura a condição perdida por causa da queda e do pecado, a qual inclina o ser humano a gastar tempo e os frutos do suor com o que não traz saciedade para a vida, a tentar buscar sua justiça por meio de suas obras.

Mas além de viverem a aliança, os ouvintes do profeta são chamados a assumir a liderança em direção ao outro. Seu chamado é de compartilhar e chamar aqueles e aquelas que ainda não conhecem para que possam viver a partir dessa Graça. Deus assim não se mostra indiferente, inacessível e distante das pessoas, mas próximo, acessível e super interessado. Por isso, o profeta conclama: buscai ao Senhor enquanto Ele pode ser encontrado; invocai-o enquanto ele está perto. São dois verbos que no hebraico estão no imperativo: buscar e invocar. Eles expressam a necessária resposta humana ao agir do Senhor, a viverem a partir da graça enquanto conteúdo dessa aliança. Ou seja, Deus está se dando ao encontro, por isso, busquem-no e o invoquem enquanto é possível. Quem busca o Senhor lhe é assegurado a vida: “Buscai-me e vivei” (Amós 5.4-6).

O povo de Deus é convidado a viver a partir daquilo que Deus realiza, a partir de sua aliança e da decorrente justiça da obra de Jesus Cristo, ou seja, a se servir do banquete da salvação. O caminho que Deus propõe está para além daquilo que nós, enquanto pessoas pecadoras, conseguimos compreender por nós mesmos. A maneira de Deus pensar não é a nossa, por isso também os nossos reinos e o nosso ser precisam ceder ao Reino de Deus e à sua justiça.

Para entendermos isso melhor, voltemos à leitura que fizemos do Evangelho. Ali encontramos a reflexão de Jesus Cristo sobre duas notícias trágicas. A primeira, o assassinato de alguns galileus peregrinos, a mando de Herodes, enquanto esses imolavam seus sacrifícios. Alguns religiosos afirmam se tratar do juízo de Deus sobre aqueles que haviam sido mortos, pois seriam demasiadamente pecadores. A segunda notícia, as dezoito vidas que se perderam com o desabamento da torre de Siloé, também estes não pereceram por causa de algum juízo de Deus. Jesus Cristo afirma que o juízo de Deus está sobre toda a nação judaica, sobre toda pessoa que não se arrepende.

A fim de exemplificar a situação do povo, Jesus conta então a parábola da figueira estéril (versículos 6 a 9). Compara Israel como uma árvore que não estava produzindo frutos. Para o dono da terra, ela deveria ser arrancada para dar lugar a outra, sadia e frutífera. Mas o vinicultor intercedeu e, por isso, o proprietário estava disposto a dar uma nova chance para que, bem adubada, ela tivesse nova chance de produzir frutos. Jesus Cristo indica assim que também Deus estaria disposto a dar uma nova chance às pessoas para se arrependerem.

Queridos irmãos, queridas irmãs, vivemos em tempos complicados. Somos ensinados que precisamos dar conta de nossas vidas de maneira que concretizamos valores que a nossa cultura diz ser o caminho para termos uma vida digna, feliz e com sentido. Esse caminho é marcado pela necessidade de ter para ser. Quanto mais bens, dinheiro, poder, influência, beleza, conquistas e realizações tivermos, tanto mais nossa vida terá valor, e tanto mais seremos pessoas felizes e realizadas. A vida é uma corrida! Facilmente acreditamos que nossa dignidade depende disso. Criamos estruturas que oprimem pessoas, geram desigualdade social e com isso insegurança, pobreza de bens e de espírito. Não é por acaso que tantas e tantas pessoas sofrem de ansiedade. A estimativa é que ao menos 20 milhões de pessoas sofram desse mal no Brasil. De igual forma não é à toa que alguns modelos econômicos tanto agradam os ouvidos de pessoas ávidas em ter mais e mais. Grande parte das pessoas se tornaram seus próprios carrascos, como zumbis se auto exploram a fim de ter uma chance nessa corrida, onde muito pouco se olha para o lado ou para trás. Não é à toa que no Brasil temos 80 milhões de pessoas que estão em nível de insegurança alimentar e quase 25 milhões sem ter o que comer. Aquilo que sobra para uns, falta no prato de outros. A avidez da busca por se alimentar com aquilo que não satisfaz e não faz bem, da qual o profeta acusava as pessoas de seu tempo, também está aí hoje.

O profeta nos pergunta também: Por que vocês gastam o dinheiro naquilo que não é pão, e o seu suor, naquilo que não satisfaz? Ouçam com atenção o que eu digo, comam o que é bom e vocês irão saborear comidas deliciosas. Deem ouvidos e venham a mim; escutem, e vocês viverão.

Jesus Cristo é a nossa justiça. Nossa dignidade e valor não dependem daquilo que temos, mas de quem somos em Cristo Jesus: amados por Deus. Essa é a boa notícia, o evangelho pelo qual estamos num novo caminho, convidados a viver em nova perspectiva, a olhar para aquilo que podemos ter em nossas mãos sob outra ótica e com liberdade. As coisas não nos prendem mais, pois a lei de Deus nos levou ao arrependimento, aos braços de Deus e à conversão. Assim, os valores do seu Reino se tornaram nossos valores. Passamos a olhar para trás e para o lado, e estendemos a mão ao nosso próximo. Lutamos e insistimos por justiça, igualdade, equidade e paz. Não corremos, mas caminhamos, juntos e juntas, experimentando a graça que  irrompeu na morte e ressurreição de Jesus Cristo e que nos abraçou. Não precisamos mais nos justificar por meio de coisas, mas justificados somos por meio da obra de Jesus Cristo. Isso é maravilhoso! É motivo de grande alegria! Como Deus é misericordioso! É um banquete com o seu melhor. Podemos descansar em sua aliança e viver livres e reconciliados com Ele, com a outra pessoa e com a criação. E surgem então frutos dessa nova realidade.

Por isso, no fim de nossa reflexão, neste tempo de quaresma, precisamos nos perguntar, para autoanálise: os frutos do Reino de Deus estão presentes na sua e na minha vida? Ou também estamos correndo impulsionados por valores de nosso tempo que não trazem saciedade e que, muito menos, produzem frutos, e que tem nos deixado também estéreis? Percebemos o nosso chamado, enquanto membros e igreja, a irmos em direção ao outro com os frutos do Reino de Deus?

Meus queridos irmãos, minhas queridas irmãs, hoje, nesse exato momento, Deus, por meio de sua palavra e pela ação do Espírito Santo, mais uma vez aduba as nossas vidas, para que bem adubados/as com a justiça de Jesus Cristo, tenhamos nova chance de produzir frutos neste mundo que tanto anseia e tem fome e sede de justiça. Devemos lembrar que o que realmente importa neste tempo de quaresma é a nossa revisão de vida, a fim de que surjam frutos dignos de nosso novo ser em Cristo. „Portanto, buscai ao Senhor enquanto Ele pode ser encontrado; invocai-o enquanto Ele está perto.“ Amém!

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  1. Dr. Wilhelm Sell

Palhoça – Santa Catarina (Brasilien)

wilhelmsell@luteranos.com.br

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