Gênesis 18. 20-32

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Gênesis 18. 20-32

PRÉDICA PARA O 7º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | 24 de julho de 2022 | Texto bíblico: Gênesis 18. 20-32 | Harald Malschitzky |

Irmãs e irmãos, comunidade do Cristo.

Quando eu era criança me foi transmitida uma imagem de um Deus que gosta é de castigar. Pais e superiores afiançavam que a qualquer momento, por qualquer ”desobedienenciazinha”, Deus poderia castigar. Na verdade, invocava-se Deus como ajuda invisível de disciplina ou daquilo que se imaginava ser a boa disciplina: Obedecer sem contestar, não fazer perguntas indiscretas, não mentir – claro -, não dizer palavrões = nomes feios (embora os adultos os usassem!). Hoje, se damos uma espiada em certos programas religiosos na televisão, vamos encontrar a mesma imagem do deus que castiga os seus inimigos, o que inclui  adversários políticos. Isso se cristalizou no discurso oficial de que os amigos, seguidores, correligionários são DO BEM, ao passo que a oposição – qualquer que seja – só quer o mal, portanto, é DO MAL.

É interessante que na Bíblia não encontramos essa dicotomia, essa divisão apriorística de dois lados, segundo a qual basta pertencer a um dos lados para ser do bem ou do mal, não como sendo vontade de Deus. O Deus bíblico é justo não porque dá razão a esse ou aquele lado, mas porque julga tanto uns como os outros para ver se o seu agir se coaduna com sua vontade para os seres humanos, para a criação e para o universo. Deus avalia, pergunta. Lá no nas primeiras páginas da Bíblia, por exemplo, Deus pergunta a Adão o que havia acontecido. Quando da construção da torre de Babel, Deus desce para ver o que está acontecendo; ele se dá o trabalho de dar uma lição pedagógica em seu profeta cabeçudo Jonas em  vez de simplesmente  destruí-lo. Não esqueçamos dos diálogos de Deus com os profetas, incentivando-os a continuar profetizando mesmo e justamente em situações adversas.

O texto bíblico previsto para nossa reflexão de hoje é um diálogo, quase uma negociação para que Deus não destruísse Sodoma e Gomorra. Ouçamos a passagem de Gênesis 18. 20-32.

Por causa de muitos mal-entendidos ligados a Sodoma e Gomorra é preciso fazer uma observação: A realidade das duas cidades era caótica, começando com questões de justiça, ou seja, de sua falta, o que trouxe consigo muitos outros males, também no terreno das relações entre as pessoas. O erro de leitura que se fez e se faz é concentrar todos os males em desmandos na área  da sexualidade. Exemplo: De Sodoma se deriva a sodomia.

Segundo o texto, que retrata um diálogo, de certa forma, sofrido para Abraão, o critério é JUSTIÇA. “Se houver, porventura,  cinquenta justos…cinquenta menos cinco…quarenta…trinta…vinte…dez…” E o amor de Deus vai se rendendo a números sempre menores de justos, aceitando poupar também  os injustos. Deus, por assim dizer, se curva aos incessantes pedidos de seu eleito Abraão. Se lemos adiante somos informados de que as cidades foram totalmente destruídas, restando apenas Ló e suas duas filhas. A esposa, desobedecendo a ordem de ir embora sem olhar para trás, vira estátua de sal.

Os caminhos da humanidade através de séculos e milênios mostram reiteradamente a maldade que toma conta da humanidade, a ponto de o salmista escrever: “Do céu o  Senhor olha para os filhos dos homens, para ver se há quem tenha entendimento, se há quem busque a Deus. Todos se desviaram e juntamente se corromperam; não há quem faça  o bem, não há um sequer” (Sl 14. 2-3). Mas o fio vermelho do enorme amor de Deus, de sua condescendência em buscar sua criatura corrompida,  acompanha a mesma história e culmina em se encarnar nesse mundo na pessoa de Jesus de Nazaré, permitindo que ele tome sobre si os pecados dos descaminhos da humanidade na cruz do calvário, abrindo novos horizontes para a humanidade na perspectiva da eternidade. Jesus, em sua pregação e vida, radicaliza o amor de Deus, um amor que é capaz de amar até inimigos, um amor que não tem lugar para preconceitos ou espaços pré-fabricados de vida, um amor que inclui as pessoas desprezadas e marginalizadas, que o são  por sua origem, ou por sua saúde, ou por sua crença. O critério para a caminhada com Jesus é justiça no mais amplo sentido da palavra, uma justiça que, antes de qualquer coisa, respeita o ser humano como criatura de Deus, amada por Deus, uma justiça que quer a vida e não a morte.  Mas dentro desse espaço do amor gratuito de Deus é preciso admoestar e corrigir quem usa o amor de Deus e o seu nome em vão. Quem sabe, é preciso dialogar incessantemente com Deus para que, passo a passo, se manifeste  a sua justiça,  que é sinônimo de vida plena. Num mundo polarizado, onde o nome de Deus e o seu amor tanto são usados em vão, quem sabe tenhamos que usar Abraão como exemplo para implorar e interceder pela  humanidade como um todo. Ou será que já estamos cansados e nada mais queremos do que salvar a própria pele… Encerro com um pequeno poema que quer  nos provocar:

Ainda gritamos? Gememos por aquilo que se nos tornou muito pesado? – nós permitimos que a injustiça crescesse dentro de nós e em torno de nós;  embrutecemos, não damos atenção, fechamos nossos ouvidos, nos ensurdecemos reciprocamente, não paramos, não queremos perceber; nós voltamos, mas não nos convertemos, com a nossa falta de  vergonha na cara confiamos tudo a  Abraão e seu descaramento diante de Deus. (Astrid Albrecht-Heide)

Que Deus nos dê a teimosia de Abraão para insistir com Deus e nos dê a coragem de viver o amor e a justiça de Deus para que sobreviva a criação. Amém.


P.em. Harald Malschitzky

São Leopoldo – Rio Grande do Sul (Brasilien)

harald.malschitzky@gmail.com

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