Isaías 58.1-12; Salmo 112

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Isaías 58.1-12; Salmo 112

Qual jejum que agrada ao Deus libertador? | PRÉDICA PARA O 5º DOMINGO APÓS EPIFANIA | 05.02.2023 | Isaías 58.1-12; Salmo 112 | Roberto Zwetsch |

Amigas e amigos da comunidade de fé,

Há um grito suspenso no ar. Ar poluído, contaminado, que exige o uso de máscaras e proteção para nos dar alento e o oxigênio que mantém a vida. Isto não só nas cidades populosas ou nas estradas entupidas de automóveis, caminhões, carros de guerra. Também nas florestas do Brasil, o ar e as águas estão cada dia mais poluídas pelo avanço do crime organizado, dos garimpos ilegais e seus venenos, em busca do ouro e outros metais. É o que o povo Yanomami, que vive nas fronteiras do Brasil com a Venezuela e sofre por décadas a invasão mais letal que se pode imaginar, chama de xawara.Davi Kopenáwa Yanomami, uma das principais lideranças e também um xamã respeitado, escreveu um livro, junto com o antropólogo Bruce Albert, A queda do céu, no qual ele narra com muitos detalhes a história de sua gente, das seis etnias que compõem esta nação indígena. Ele conta como desde os anos de 1970 seu território vem sendo invadido e destruído. É um verdadeiro milagre que ainda vivam 30 mil pessoas naquele vasto território que o governo brasileiro homologou para o povo Yanomami em 1992. A desgraça é que, mesmo legalmente protegida, a área sempre esteve na mira dos garimpos e buscadores de outro. A desgraça Yanomami é que debaixo de sua terra existe a xawara, o metal precioso, alvo da ganância do sistema capitalista e seus financistas, mas fonte das desgraças desse povo que apenas quer viver livre do seu jeito no interior da floresta que ele conhece muito bem. Naquela floresta os Yanomami vivem há séculos com saúde, alegria e com um sentido sagrado de ser! Eles costumam cantar que são o povo de OMAMI, o Criador.

Faço esta introdução para chegar à reflexão deste domingo. O profeta que escreveu o texto, da escola de Isaías, faz um alerta muito sério à comunidade de israelitas que provavelmente havia retornado do exílio babilônico e começara a reconstruir a cidade de Jerusalém e o templo na época do rei persa Ciro. Isto significa que este texto tem pelo menos 2.500 anos! E o profeta começa gritando! E ao grito se junta a voz como de uma trombeta. Trata-se de um momento crítico para o profeta e para o povo de sua comunidade, de sua cidade, de sua etnia.

Mais ainda: o motivo é anunciar não as palavras de consolação e esperança que seu colega havia dito antes (capítulos 40 a 55). Aqui se trata do anúncio da transgressão e dos pecados do povo, de suas autoridades, de seus líderes religiosos. O profeta de Deus não pode calar. E o motivo é que esse povo, essas lideranças praticam uma falsa piedade. Ora, o que mais exaspera o Deus vivo é a falsidade travestida de piedade religiosa, a hipocrisia, aliás, também combatida por Jesus em seu enfrentamento com piedosos judeus de sua época.

O tema da contenda é claro: trata-se da prática do jejum. O jejum era um rito muito conhecido no Oriente, não só praticado pelo povo judeu. Muitos povos praticavam o jejum como rito de adoração e de purificação. Mas o que o profeta Isaías aqui denuncia é que o jejum que ele via na cidade e no meio do povo era falso. Tratava-se de um rito com interesse próprio, portanto, uma forma de negociar com Deus e sua misericórdia. O profeta proclamou: “No dia em que vocês jejuam, cuidam apenas de seus próprios interesses, enquanto oprimem seus trabalhadores” (v. 3). Que fique claro: este tipo de jejum Deus não aceita. Aliás, ele condena terminantemente. Jejum piedoso, feito com saco de cinza e cabeça compungida, será este o jejum que agrada ao Deus vivo no dia aceitável do Senhor? (v. 5). Não, mil vezes NÂO! Chega de religião das aparências, da falsa humildade, da tentativa de enganar a Deus.

Qual é então o “jejum” que agrada a Deus? Aí está a questão chave do profeta e que vale ainda hoje para nós, tantos séculos depois. Pois a opressão e a injustiça continua a ser a tônica do sistema em que vivemos. A maldição do ouro continua a contaminar a vida, a economia, as relações entre as pessoas e os povos. Os Yanomami do norte do Brasil são muito claros e objetivos nesse sentido. Eles afirmam que ninguém sobrevive comendo ouro. O vil metal é letal, com o perdão da rima pobre. O que contamina o ser humano não é o que ele come, mas o que sai dele como ganância, avidez por lucro e riqueza, sem medir as consequências. Por isso o profeta anuncia claramente o outro lado dessa contenda.

Qual é o “jejum” que agrada a Deus? É o que lemos nos v. 6 e 7, depois comentados em seguida até o v. 12. O Deus vivo afirma: “O jejum que escolhi, que me agrada é este:

  • que vocês quebrem as correntes da injustiça, desfaçam as ataduras da servidão, deixem livres os oprimidos, e acabem com todo tipo de servidão;
  • que vocês repartam o seu pão com quem passa fome [hoje no mundo são mais de 1 bilhão de pessoas; no Brasil 33 milhões e 120 milhões vivendo na insegurança alimentar]
  • que vocês recolham em casa os pobres desabrigados, vistam os que se encontram nus, e não voltem as costas ao seu semelhante.

Quando Jesus anunciou este mesmo discurso deixou irados os líderes religiosos e os estudiosos da Lei, sobretudo dos líderes mais importantes de Jerusalém. Sabemos qual foi a resposta que recebeu depois de percorrer aldeias e cidades e chegar à capital. Uma cruz – a cruz do Império – foi erguida para que sua voz fosse calada, sob o beneplácito das autoridades maiores do seu povo e a complacência criminosa da autoridade romana.

Jesus também questionou o falso jejum, a piedade hipócrita de pessoas que se julgavam mais puras e justas que as pessoas pobres e sem valor (Mateus 9.14ss; 11.2-15). Tanto na proclamação do início do seu ministério (Lucas 4.18ss – citação do mesmo profeta Isaías do nosso texto), como na parábola do juízo de Mateus 25.31ss [aliás, texto central da teologia latino-americana de libertação] a temática é a mesma. A falsa piedade é engano, ilusão, pecado. O que agrada ao Deus vivo é a fé que atua pelo amor, pela compaixão, que pratica a justiça e liberta as pessoas de todas as suas escravidões.

É somente assim que a nossa luz poderá brilhar no meio das pessoas e a cura de todos os males que nos afetam chegará (v. 8). E mesmo se a doença nos atingir, o Deus de toda a paz estará conosco para aliviar nossa dor. E ouvirá nosso pedido de socorro dizendo: Eis-me aqui, contem comigo. Eu estou com vocês!

O “jejum” verdadeiro, religioso ou não, tem a ver com a vida concreta do outro, do oprimido, de quem vive como escravo. O “jejum]’ que agrada a Deus não é algo intimista e individualista. Não! O “jejum” que Deus – o Deus de Jesus – pede a nós ainda hoje é este:

  • (v. 9ss) “Se tirarem do meio de vocês todo tipo de servidão, de escravidão, o dedo que ameaça e a linguagem que ofende,
  • Se abrirem o seu coração aos famintos e socorrerem os aflitos,

Então a LUZ de vocês nascerá nas trevas, e a escuridão em que vocês se encontram será como a luz do meio-dia. O Senhor guiará vocês de contínuo, dará de comer a vocês até em lugares áridos, e irá fortalecer os seus ossos. Vocês serão como um jardim regado e com um manancial, cujas águas nunca secam.

Como chegar a viver num mundo utópico como esse? Cada comunidade de fé vai precisar decidir em conjunto por este caminho e como caminhar por ele. O anúncio está dado. Agora se trata de seguir a palavra libertadora do Deus vivo e pôr em prática o jejum que agrada a Deus. Qualquer outro caminho é falso e será aniquilado, mais dia menos dia.

Que o Deus vivo, o Deus de Jesus de Nazaré nos guie, fortaleça e tenha piedade de nós. Amém.

Pastor Roberto E. Zwetsch

                                                                                      Pelotas, RS, Brasil.

                                                                                              rezwetsch@gmail.com

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