Jó 19. 23-27a

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Jó 19. 23-27a

Prédica para o 22°domingo após pentecostes | 6 de novembro de 2022 | Texto bíblico: Jó 19. 23-27a | Harald Malschitzky |

Irmãs e irmãos em Cristo, comunidade reunida.

É conhecida a expressão “paciência de Jó”. Com ela se designam pessoas que têm paciência em todos os momentos e situações e que suportam todas as dores, perdas e sofrimentos. De fato esse traço de paciência é forte no livro que leva o seu nome. Quando vai perdendo gradativamente todo o seu patrimônio ele se conforma dizendo que “Deus o deu, Deus o tirou, bendito o nome do Senhor”. Também diante da morte de filhos a postura é a mesma. Sua esposa, já não suportando a desgraça e, sobretudo a fidelidade de fé do marido, o aconselha a amaldiçoar o seu Deus e a morrer! Jó tenta entender sua esposa. E aí vêm três amigos – o encontro com estes e suas falas ocupam a maior parte do livro – com conselhos bons e também estapafúrdios baseados em sua experiência e no que conhecem da tradição. Aí nem sempre a falada paciência de Jó se sustenta. Em dado momento de sua trajetória de desgraças, Jó amaldiçoa o dia de seu nascimento com palavras contundentes, talvez uma das orações mais fortes que se tem e que se encontra também no livro do profeta Jeremias.

“Pereça o dia em que eu nasci e a noite em que se disse: Foi concebido um homem […] Por que não morri eu na madre? Por que não expirei ao sair dela? Por que peitos, para que eu mamasse? Porque já agora repousaria tranquilo, dormiria e, então, haveria para mim descanso” (3. 3; 11-13). É um grito de desespero resultando te um sofrimento inimaginável!

Neste momento vale um alerta quanto ao uso de certas passagens de Jó, principalmente em sepultamentos… “o Senhor o deu, o Senhor o tirou, bendito o nome do Senhor”, muitas vezes usadas para encobrir a dor. O livro de Jó, assim como os Salmos e outras passagens nos ensinam e nos libertam para o protesto contra o sofrimento e a perda de entes queridos por morte. O próprio Jesus, na cruz, recita um Salmo: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Essa exclamação tem dois momentos importantes que vamos encontrar também em Jó. Um deles é o clamor por causa do sofrimento e da sensação de abandono, outro é a quem se dirige o clamor.

Todos nós temos dificuldades maiores ou menores para suportar sofrimento de qualquer ordem. Uma das perguntas que nos vem é logo: O que eu fiz para merecer isso? Que “pecados” eu cometi para ter que pagar com essa moeda? Por que isso acontece logo comigo? Em todo o capítulo 19, do qual são tirados os versículos para a nossa reflexão de hoje, Jó coloca em palavras a sua situação que reflete também o relacionamento que as pessoas lhe dão. Vamos lembrar que a teologia praticada por muitos estudiosos do povo de Israel

associava também a doença com pecados supostamente cometidos, numa relação de causa e efeito. Jesus, em determinado momento, se encontrou com um enfermo e os fariseus lhe fizeram a pergunta: Quem será que pecou: O doente, algum familiar, ou quem? Jesus responde que o doente está aí para que ele demonstre o poder e o amor de Deus. Jesus não concorda com essa lógica de causa e efeito. Pois bem, o capítulo todo de onde sai a nossa passagem é essa pergunta que não recebe resposta. De repente Jó tem seu olhar desviado para Deus e ele descobre que, independente dessa resposta, Deus é o seu Redentor! Essa certeza – assim Jó – precisa ser lembrada e gravada em letras perenes, esculpidas na rocha. Se lermos o livro adiante nós encontramos falas do próprio Deus em “discussão”com Jó e este ser convencido do poder e da presença de Deus, diante do que só lhe resta calar. Jó entende que o centro da vida e do universo não era ele e nem o seu sofrimento, mas que, de qualquer forma, Deus estava com ele.

Poderíamos dizer que o livro de Jó é um espelho do ser humano crente. Temos momentos de euforia, temos momentos de dor e sofrimento, temos momentos de negação (!), sentimos pena de nós mesmos e ficamos decepcionados se os outros não nos veem assim. A tentação de olharmos para nós mesmos e de universalizarmos o nosso sofrimento sempre está aí. Jó não é um exemplo de paciência, mas um ser humano que tem paciência e que também a perde, amaldiçoando o dia de sua concepção e nascimento; que ouve disparates de seus amigos, que “discute” com Deus e termina na certeza de Deus estar ao seu lado. Em quantos cenários de Jó nós nos encontramos? Até que ponto nossa fé suporta também os reveses da vida? Se ficarmos olhando só para nós mesmos, ela certamente não resistirá, mas resistirá sim se dirigirmos nosso olhar e toda a nossa vida para o Cristo crucificado que já andou esse caminho por nós.

Dietrich Bonhoeffer, quando na prisão, por mais de uma vez fez as perguntas que fazemos.

Em um poema entitulado Quem sou eu ele afirma no final: “Quem sou eu? O solitário perguntar zomba de mim. Quem quer que eu seja, ó Deus, tu me conheces, sou teu. Amém.”


P.em. Harald Malschitzky
São Leopoldo – Rio Grande do Sul (Brasilien) Harald.malschnitzky@gmail.com.

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