João 20.26-31

João 20.26-31

PRÉDICA PARA O 2º DOMINGO DA PÁSCOA | 08.05.22 | João 20.26-31 | João Artur Müller da Silva |

Estimadas irmãs e irmãos da comunidade de Jesus Cristo, nosso Senhor!

Com frequência usamos definições e conceitos para enquadrar algum amigo ou alguma amiga ou até a nós próprios. Mas também acontece que desconhecemos ou nem sabemos corretamente o significado de um conceito que aplicamos em nossos amigos. E fazemos isso porque ouvimos em algum momento ou porque está na moda ou porque queremos mostrar que somos entendidos ou sabedores, buscando assim ocultar nossa ignorância, nosso desconhecimento.

Quem de nós, aqui presente, já se definiu como cético? Quem de nós, aqui presente, já chamou seu amigo, sua amiga, de cético? De cética? O que entendemos por ceticismo? 

Ceticismo é uma maneira, uma forma de duvidar de tudo, de não acreditar naquilo que se apresenta diante dos olhos. Uma pessoa cética caracteriza-se por ter predisposição constante para a dúvida, para a incredulidade.

Podemos, com segurança, afirmar que o ceticismo é uma doutrina do constante questionamento. A palavra – ceticismo – tem sua origem na língua grega e significa exame, análise. O fundador do ceticismo foi Pirro, no século IV a.C., e ele era um pintor que vivia na região do Peloponeso, na Grécia Antiga. Mas ele não deixou nenhum escrito sobre esta forma de pensamento, sobre esta maneira de se posicionar diante de fatos e narrativas. Foram seus interlocutores e contemporâneos que levaram adiante este pensamento e assim se desenvolveu o conceito sobre duvidar da verdade e de tudo que é dito ou apresentado por uma terceira pessoa, principalmente quando se trata de assuntos filosóficos, religiosos e dogmáticos.

Aos poucos estamos entendendo que quando usamos o conceito cético ou cética para definir uma pessoa das nossas relações ou outra qualquer, estamos querendo dizer que ela não acredita, de cara, em tudo que lhe é dito. Pois bem, o ceticismo, muitas vezes, é visto como uma atitude contrária à fé! Muito facilmente consideramos o ceticismo como um pensamento errado e condenável. Há situações em que a pessoa cética é ridicularizada e até achincalhada porque duvida das tradições da sua comunidade, da sua igreja, que questiona atitudes e valores cultivados nos ambientes das diversas religiões.

E assim, vamos nos aproximando do personagem bíblico que nos é apresentado pelo evangelista João na história que vamos ouvir neste momento. Quem quiser acompanhar a leitura do texto no qual esta prédica se baseia, pode abrir a sua Bíblia em João 20.26 a 31.

[Leitura do texto]

O cenário desta história é o segundo encontro de Jesus, após sua ressurreição, com os seus discípulos. No primeiro encontro dele com os discípulos, um deles não estava presente. Aliás, dois deles. Pois, é bom lembrar que Judas, após a traição, se suicidou tão logo soube que Jesus tinha sido preso. E também não esteve neste primeiro encontro após a Páscoa, o personagem da história que acabamos de ouvir, a saber, Tomé. Tomé,  não sabemos o motivo, não estava no primeiro encontro. E agora, ao entardecer daquele dia, uma semana depois do domingo da Páscoa, ele estava com seus companheiros, e Jesus após sua saudação — Que a paz esteja com vocês! –  falou diretamente para Tomé. Esta saudação é marca registrada do Cristo Ressurreto, pois ele é digno do título dado pelo profeta Isaías – Príncipe da Paz – em Isaías 9.6.

Ao se dirigir a Tomé, Jesus lhe ordena para tocar em suas mãos e feridas, dizendo: Ponha aqui o seu dedo e veja as minhas mãos. Estenda também a sua mão e ponha no meu lado. Não seja incrédulo, mas crente.

Tomé, também conhecido como Dídimo, entrou para a história da igreja como o discípulo descrente, incrédulo e cético. E não faltaram críticas a esta sua atitude, a este seu jeito de encarar fatos e situações. E por esta maneira de proceder, Tomé foi tido como exemplo a não ser seguido por pessoas cristãs, por membros da comunidade cristã. O personagem Tomé entrou para a história da igreja com esta marca na testa: ele duvidou do poder de Deus! Ele não acreditou na ressurreição!

Mas, vamos nos perguntar, este discípulo de Jesus sempre foi um cético? Sempre duvidou de tudo que Jesus dizia e ensinava? Tomé sempre tinha um pé atrás quando acompanhou Jesus em suas peregrinações e encontros com pessoas, com mulheres, com crianças?

O evangelista João relata na história sobre a morte de Lázaro (João 11) uma atitude bem diferente deste Tomé que hoje está no centro da nossa reflexão. Nessa história, para a surpresa dos seus companheiros, e certamente do próprio Mestre Jesus, Tomé afirma com convicção: Vamos também nós para morrer com o Mestre!  (João 11.16). Vocês percebem a diferença entre este Tomé, corajoso, destemido e o Tomé da história de hoje? Na história sobre a morte de Lázaro, o evangelista João nos apresenta um Tomé destemido, corajoso e pronto a seguir o Mestre até as últimas consequências do discipulado! Este Tomé, sim, é um exemplo de discípulo! Este Tomé, sim, precisa ser imitado por nós!

E agora? Como entender este Tomé corajoso e pronto para assumir o discipulado,  encarando de frente as consequências e entender este Tomé, cético, questionador e incrédulo? Pensem comigo, Tomé é como nós somos na vida! Como assim? Nós também oscilamos entre dúvidas e certezas, entre desconfianças e confiança, entre indecisões e decisões, entre hesitações e afirmações… Assim somos,  assim é a nossa natureza humana. E nenhum de nós pode afirmar que sempre é igual em todas as situações que a vida nos apresenta! Nós somos seres humanos que oscilam, vacilam e hesitam! Precisamos nos aceitar assim como somos! 

Voltamos, agora, para o encontro de Jesus com o discípulo Tomé na semana depois da Páscoa! Não sabemos, não temos informações se Tomé colocou a sua mão nas palmas das mãos de Jesus e na ferida no seu lado! O evangelista João não dá valor e importância para esse detalhe! O mais importante vem em seguida quando Tomé faz a confissão: Senhor meu e Deus meu!

Que sentido tem, para nós, essa confissão de Tomé? É uma confissão breve, mas que chama a atenção por um detalhe. Tomé, como discípulo, aqui neste confronto com o Jesus Ressurreto, não o chama de Mestre, mas sim, usa o título dado a Jesus – Kyrios, ou seja, Senhor! E complementa sua confissão com a palavra grega Theos, ou seja Deus! O que isso quer dizer? Que Tomé reconhece no Jesus humano o Jesus divino! Que Tomé reconhece neste seu Mestre, preso, torturado, morto e agora ressurreto, como Deus, filho do Todo-poderoso! Aquele que subjugou a morte e é o Senhor Vivo, Ressurreto! Cristo vive!

Ao confessar – Senhor meu e Deus meu! –Tomé afirma crer na ressurreição de Jesus, e agora, mais do que crer nele como Mestre, ele Tomé, que era cético, que duvidava, acredita na divindade de Jesus! Acredita no poder de Deus! 

Outro aspecto importante desta história narrada pelo evangelista João, e que talvez, tenha passado desapercebido na leitura deste trecho bíblico, é que Jesus não falou em particular com Tomé! Ele não o puxou para o lado e lhe cochichou no ouvido a ordem para colocar sua mão nas feridas dele. Tampouco, ele convidou Tomé para se dirigir a um outro cômodo da casa para lhe passar um sermão por ser um discípulo cético, incrédulo e que, nesta altura dos acontecimentos, duvidava do poder de Deus em ressuscitá-lo! Não! Jesus valoriza o encontro com sua comunidade! Os discípulos eram sua comunidade. E neste espaço comunitário ele ensinou e anunciou uma nova bem-aventurança: Você creu porque me viu? Bem-aventurados são os que não viram e creram.

É no espaço comunitário, na convivência em comunidade, nas celebrações comunitárias que encontramos alimento para a nossa fé, para a nossa confiança em Deus, para nossa esperança pela vida eterna, para o nosso serviço de solidariedade e diaconia! A pregação no culto, as meditações nos diferentes grupos comunitários, nos sacramentos (Batismo e Santa Ceia), recebemos apoio, consolo, alento e alimento para viver e atuar na realidade que nos cerca.

Situações como a de Tomé, de incredulidade, de ceticismo, de um pé atrás diante de algumas situações e narrativas, são também situações que vivemos hoje em nossas cidades, em nossas comunidades. Não é vergonhoso se identificar com Tomé, que entrou para a história da Igreja, como o incrédulo! Não podemos nos recriminar porque temos dúvidas, porque somos céticos perante algumas situações e narrativas em nossa comunidade ou igreja. Tampouco devemos condenar ou censurar irmãs e irmãos que vacilam na fé e no testemunho. Antes pelo contrário, vamos estender a mão e ajudar estas pessoas a confiar no Deus da Vida, no Deus que promove reconciliação, que ama suas criaturas e que sobre elas mantém sua graça e sua proteção. Essa não é uma tarefa fácil a ser exercida na comunidade, mas necessária e valiosa para quem está necessitando de apoio e orientação para não sucumbir diante de suas dúvidas ou de seus questionamentos!

Que possamos sair deste culto, hoje, tendo Tomé como um irmão que nos ensina a crer no Deus da Vida, no Cristo Ressurreto e no Espírito Santo que nos anima ao serviço de amor e paz no lugar onde vivemos! Que a nossa confissão de fé, seja ela em que situação for, possa ser como a confissão de Tomé: Senhor meu e Deus meu!

Amém!

___

P. em. João Artur Müller da Silva

São Leopoldo – RS (Brasil)

E-mail: jocadasilva@hotmail.com 

de_DEDeutsch