Lucas 15:1-10

Lucas 15:1-10

Lc 15. 1-10
A parábola da ovelha perdida
Tema: A alegria de Deus

Perder e achar, angústia e alegria.
Crianças pequenas facilmente desviam-se dos pais em aglomerações
públicas. Quem já não ouviu avisos passados
pelo sistema de som de algum centro comercial ou grande supermercado
nesse sentido? Entretanto, quem já passou pela experiência
de perder alguém ou algo que lhe é precioso, não
recorda com alegria a angústia que tais momentos acarretam.

A angústia da perda parece dimensionar-se na razão
inversa do sentimento de alegria que toma conta de quem encontra
aquilo que perdeu. Paradoxalmente, as maiores alegrias que lembramos
estão ligadas a momentos de grandes angústias.

Assim Jesus revela aos fariseus que estão diante dele aquilo
que ele, Jesus, sente no seu íntimo enquanto eles o recriminam
naquilo que vem fazendo. Falando dessa maneira Jesus também
parece indicar a dimensão que o separa dos fariseus e dos
escribas. Jesus revela nessa seqüência de parábolas
aquilo que motiva a mais plena alegria em Deus, aquilo que deixa
Deus plenamente satisfeito.

Responsabilidade da perda.

É importante notar o contexto que Lucas recorda para as
parábolas que se seguem. Os fariseus e os escribas detêm
o ensino bíblico da religião em Jerusalém para
todo o povo. A sua prática pastoral estava bem definida e
era criteriosamente aplicada. Eles faziam tudo e mais alguma coisa
para dar a Deus motivos de estar plenamente feliz com aquilo que
faziam e ensinavam.

Não era Deus a fonte de todas as coisas boas? Não
merecia Deus o melhor culto, a mais perfeita obediência, a
mais dedicada adoração por tudo que faz pelos seus
crentes e também por todas as pessoas?

Por essa razão examinavam e expunham as Escrituras cuidadosamente.
Dedicavam suas vidas a ensinar ao povo suas descobertas de como
se deve viver para que Deus possa ter plena satisfação
e alegria pelos seus crentes. Não somente ensinavam. Suas
vidas eram coerentes com o seu ensino. Cumpriam com zelo extremo
aquilo que ensinavam.

Com o mesmo zelo repudiavam aquelas pessoas cujas vidas contrariavam
o ensino da igreja. Pessoas essas cuja vida pessoal denegria e manchava
a imagem da religião que deveria ser exemplar. Obviamente
lhes causava pena ver pessoas não estarem à altura
daquilo que delas se podia esperar minimamente. Mas era necessário
e para o bem dessas pessoas que elas fossem afastadas do convívio
daquelas que eram fiéis aos princípios e mantinham
vida exemplar.

Ultimamente os escribas e fariseus estavam perturbados. Um Rabí,
de nome Jesus, estava indo ao encontro dessas pessoas. E mais. Ele
as acolhia sem restrições, contrariando frontalmente
a prática deles. Inaceitável. Era o mínimo
que se podia dizer dessa prática de Jesus. Lucas registra
essa contrariedade. E indica que as parábolas que seguem
são a resposta de Jesus à contrariedade dos fariseus.

Uma vez que Lucas nos mostra esses pressupostos, podemos ver o
que a parábola estabelece.

A ovelha não tem como retornar se alguém não
procurar indefinidamente até achá-la, não importa
o tempo e os esforços que isso demande. O pastor não
está contrariado com a ovelha. A ovelha não está
com o rebanho. Ela, então, é a prioridade absoluta
e a preocupação de toda a aldeia. Todos sentem a angústia
da perda. Todos estão comprometidos em trazê-la de
volta. Ninguém está indiferente ao que possa estar
acontecendo.

A indiferença dos fariseus em relação à
situação em que se encontram aqueles que eles declararam
perdidos é o foco da parábola. Não me parece
fora de propósito lançar sobre as igrejas de hoje
e sobre nós, mestres e pastores na igreja, a pergunta que
queima: Em que contexto estamos nós? Com que atitude tomamos
conhecimento que pessoas estão sendo contadas como desgarradas
do rebanho, enredadas em situações condenáveis?
Esse fato nos afasta ou nos aproxima dessas pessoas?

A parábola tem o seu eixo determinado pelo fato de a ovelha
estar perdida. Esse fato instala uma situação de crise
aguda. Assim como a mãe ou o pai larga tudo quando perde
de vista um filho na multidão, a aldeia e o pastor largam
tudo que não concorra para o esforço de encontrar
e trazer de volta a ovelha.

Os fariseus e escribas estavam engessados nos seus rituais de religião,
com regras fixas de execução dos mesmos, regras fixas
sobre o perfil e do papel de cada um nesse ritual. Não havia
espaço para quem se aproximasse sem estar enquadrado, sem
o perfil para estar nesses rituais elaborados e fixados através
dos séculos.

A criança perdida, a ovelha perdida, a pessoa que está
fora do raio de ação e proteção, essa
é a regra. E não existe outra regra. Ela é
o eixo da religião tal como Jesus a entende e pratica.

Não praticar essa regra, não sentir essa angústia
da perda, estar fixado sobre um eixo que não contemple essa
realidade, acaba por deixar Jesus na oposição e os
fariseus a recriminá-lo. Jesus assume essa oposição
pela angústia que o domina de ver alguém afastado
e nada sendo feito a favor dele.

O último aspecto que quero ressaltar na parábola
é o da culpa.

Quando um pai ou uma mãe perde de vista um filho ou filha
no shopping, o sentimento mais difícil de suportar é
o da culpa. Quando o pastor de ovelhas se dá conta de que
uma ovelha está perdida, é inevitável a sua
responsabilização. Ele é o responsável.
Não foi a ovelha que se perdeu. Foi o pastor que perdeu a
ovelha.

Se os fariseus sentiam alguma responsabilidade pelos perdidos,
certamente não aceitariam a responsabilidade que a parábola
indicava. Alguma responsabilidade, sim. Mas não aquela que
seria atribuída a um pastor de ovelhas. Era para eles inconcebível
que se esperasse deles que assumissem nesse grau a responsabilidade
pelos perdidos. Isso significaria assumir uma culpa que eles não
podiam reconhecer, nem admitir.

Em função disso não podiam compreender, nem
aceitar como vindo de Deus essa „promiscuidade“ que acusavam
em Jesus: Ele recebe pecadores e come com eles. Eles, ao contrário,
tinham de manter sua própria pureza como contraste e modelo
para os pecadores.

A parábola termina em festa. A aldeia vive em função
da celebração de cada um que foi trazido. A aldeia
não admite viver e festejar sem os seus perdidos. Eles são
o motivo da festa. Resta aos fariseus entenderem que eles não
estão realizando culto a Deus. O culto que realizam é
o culto a si próprios. O culto de Deus e o culto a Deus é
aquele que faz novas todas as regras, que renova suas estruturas
para incluir, receber e acolher os de fora.

Ainda hoje é grande o número de pessoas que estão
à margem e nas periferias das igrejas. Essas pessoas, no
tempo de Jesus, se sentiam estranhas e até indignas de se
aproximarem do templo. Mas não se sentiam intimidadas na
presença daquele Mestre, que se punha à disposição
delas. Sentiam-se acolhidas sem quaisquer restrições
como se o seu passado e suas culpas não mais pesassem contra
elas.

Essa é a alegria na aldeia. A palavra vai de boca em boca
e só faz sentido para os perdidos. Somente eles estão
à espera de uma palavra de salvação, da voa
que acolhe e recebe. Do braço que carrega os que estão
ainda frágeis demais para andar. A alegria na aldeia é
comum a todos, na medida em que a ovelha perdida é a metáfora
para pessoas que se alegram porque a salvação que
veio até elas, incluiu mais uma ovelha.

Ao nos reunirmos para um culto, a festa se renova para nós,
para lembrarmos com renovada alegria o dia em que fomos acolhidos
e celebramos que essa salvação seja permanente em
nossas vidas. O som dessa festa é a palavra que anuncia para
fora que a salvação é para todos.

Paulo Proske Weirich
weirich@ulbranet.com.br

 

 

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