Lucas 5. 1-11

Lucas 5. 1-11

PRÉDICA PARA O 5º DOMINGO APÓS EPIFANIA | 6 de fevereiro de 2022 | Texto bíblico: Lucas 5. 1-11 | Harald  Malschitzky |

Irmãs e irmãos em Cristo, comunidade do Senhor.

Como sabemos, a Bíblia não caiu do céu prontinha. Textos milenares e centenários são um testemunho da experiência de pessoas ou povos inteiros com Deus. Basta ler com atenção para ver que esses testemunhos nem sempre são ufanistas e festivos. Eles mostram também crises profundas no relacionamento entre Deus e suas criaturas, suas criaturas e Deus.

Uma das experiências marcantes que perpassa a Bíblia do início ao fim, é o convite, chamamento ou até convocação de Deus a pessoas para papeis determinados, sendo o principal deles o de anunciar a vontade de Deus e de denunciar os desvios dessa vontade. Vamos encontrar profetas que sofreram muito por causa de sua incumbência. Jeremias, por exemplo, não queria aceitar a incumbência de profetizar, usou diversas desculpas, mas Deus o enviou para uma empreitada espinhosa e sofrida. Podemos lembrar Moisés, muito tempo antes de Jeremias que também tentou se esquivar. Mas vamos encontrar o profeta Amós que, quando atacado, simplesmente diz que Deus o tirou de sua profissão de criador de gado e produtor de amoras. E temos uma cena imponente de chamamento que é Isaías 6. Isaías tem uma experiência no templo que simplesmente o derruba e quando ouve uma voz perguntando quem Deus deveria enviar ao povo, ele não hesita: Eis-me aqui, envia-me a mim. A sim, e tem o profeta Ezequiel que recebe a incumbência de profetizar e literalmente come as palavras que Deus manda dizer (cf. Ezequiel 2 e 3), palavras que lhe são doces como mel!

Dando um pulo para o Novo Testamento também vamos encontrar uma variedade de formas de Jesus convidar/convocar discípulos/as  bem como a diversidade de reações. Vamos ver, por exemplo, que o chamamento passa por relações muito humanas como uma palavra de atenção, uma cura, um cidadão encarapitado no galho de uma árvore. Duas observações me parecem importantes: 1) Qual a origem vivencial e social das pessoas chamadas? Quantas será que foram chamadas, só 12?

  1. Os poucos exemplos citados já mostram que não há um perfil padrão que justifique a vocação. O que observamos no Antigo Testamento, se repete no Novo: Os discípulos vêm de diversas famílias, de profissões distintas e até de profissões tidas como  não muito dignas. Se logo lembrarmos o apóstolo Paulo, ele era fariseu e perseguidor tenaz de cristãos;  tinha até carta branca para prendê-los!
  2. Sempre se fala dos doze discípulos. De fato os doze, o núcleo central,  por assim dizer, eram um número simbólico para as doze tribos de Israel. Os discípulos não eram representantes legais, mas apenas representativos, com o que se queria dizer que o movimento de Jesus era abrangente. Sabemos, porém que o número era bem maior, que havia mulheres discípulas e conhecemos a figura tardia de Paulo. Ele mesmo chega a dizer que nem merece ser chamado apóstolo, pois não conheceu Jesus pessoalmente (1 Coríntios 15. 8 e 9).

Assim como a diversidade das pessoas chamadas, eram também os meios, como já vimos alguns. Não há um padrão a ser obedecido para convocar alguém ao discipulado. O texto de hoje nos apresenta um grupo de pescadores; estavam na beira do lago lavando as redes, seguramente desacorçoados pela noite perdida sem nada pescar.  Jesus entra em uma canoa e a usa como “púlpito”. Era a canoa de Pedro. E, de repente, Jesus faz um desafio: Lancem as redes! Observação de Simão (Pedro): Gastamos toda a noite, quando é o bom momento de pescar, e as redes voltaram vazias. Se pode imaginar que pensamentos mais passaram pela cabeça de Simão e dos demais! Esse cara não entende de pescaria! É muita ingenuidade lançar as redes à luz do dia. No entanto, o desafio foi aceito e aí tem uma observação muito importante: …”mas sob a tua palavra lançarei as redes”.  Parece que Pedro suspeitava de que a palavra de Jesus era mais do que nossas palavras comuns, que se tratava de uma palavra  que tinha poder. O resultado de lançar as redes foi surpreendente: Tanto peixe que as redes começaram a se romper, tanto que os colegas foram chamados a ajudar. Quem estava por ali ficou estupefato e muitos se deram conta de que esse Jesus era mais do que um simples andarilho que passava! Pedro se sentiu tão pequeno que pediu que Jesus dele se retirasse, pois era mero pescador! Em seguida a grande pescaria dá lugar a outra realidade: Os pescadores que antes tinham sido desafiados a atirar as redes, agora recebem um convite, desafio, convocação para serem pescadores de seres humanos, tarefa que se revelaria mais complicada do que sua profissão de pescadores.

      O nosso mundo, de lá pra cá, mudou muito, também para a “pescaria”! E o punhado de pessoas que aceitou o desafio de serem pescadores de seres humanos cresceu muito e se espalhou mundo afora.  Verdade que esse crescimento nem sempre correspondeu à vontade de Deus e àquilo que o Cristo viveu e ensinou. Resta muita penitência por fazer! Mas os bons frutos de pescar seres humanos também estão espalhados pelo mundo e a atividade de “pescar seres humanos” continua necessária para que se tente e insista em dar ao mundo a imagem de Deus. Quem bom que também hoje não há uma casta ou uma linhagem que tenha o privilégio do chamamento específico. Basta olhar a origem de nossas ministras e ministros para constatá-lo. Muito antes do chamamento para o ministério específico, porém, acontece o chamado no nosso batismo. Somos abraçados por Deus, somos integrados em seu povo e somos enviados . Lá adiante acontece o chamamento, a vocação para o ministério específico sem que para isso seja necessário fazer parte de uma linhagem ou – como tanto tempo se pensou! –  de família de pastores/as. O que determina a vocação não é a nossa procedência, mas sim a palavra de Jesus e o seu envio. Esses dois elementos, sim, são determinantes. É muito bom que chamadas e chamadas são tão diferentes uns dos outros e que, com origem diferente, com dons diferentes possamos seguir as pegadas de Jesus, assumindo as alegrias e também os riscos, deixando para trás sonhos e planos que talvez tenham existido. Seguir as pegadas de Jesus para divulgar o seu reino não é uma profissão entre outras: se exige o investimento da vida!

      Finalmente, o chamado precisa ser ouvido sempre de novo, porque na caminhada cansamos, talvez nos deixemos fascinar por outras vozes e porque critério e conteúdo do chamado não estão em nosso poder, mas em poder da palavra forte do mestre.

      Que a paz de Deus, que excede todo o entendimento, cuide de nossos corações e pensamentos. Amém

P. em. Harald Malschitzky

São Leopoldo – Rio Grande do Sul (Brasilien)

harald.malschitzky@gmail.com.br

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