Salmo 67

Salmo 67

PRÉDICA PARA O  6º DOMINGO DE PÁSCOA | 22 de maio de 2022 | Texto da prédica: Salmo 67 | Stéfani Niewöhner |

O salmo 67 é um pequeno poema que nasce a partir da experiência da lida do campo. O salmista fala de gratidão pela colheita, um sinal da bênção de Deus que se estende também aos outros povos. 

O primeiro versículo soa familiar: “Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto” (ARA). Sim. São ecos da conhecida bênção sacerdotal (Nm 6.24-26), a mais tradicional bênção do povo hebreu. O que lá era anunciado pelos sacerdotes, aqui se democratiza num plural coletivo “nós”. O que lá era estritamente israelita, aqui se universaliza.

Os versículos 3 e 5 que se repetem e funcionam como um refrão, como o estribilho em um hino: “Louvem-te os povos, ó Deus; louvem-te os povos todos”. A primeira parte da frase (Louvem-te os povos, ó Deus) completa a segunda parte (louvem-te os povos todos). As frases são praticamente idênticas, a não ser por um detalhe. A ênfase está no termo “todos”, que antes não aparece. O salmista quer destacar que TODOS os povos vão adorar e celebrar a Deus. 

Este salmo é classificado como uma expressão ativa e inclusiva de ação de graças e louvor por uma boa colheita. Naquele tempo, uma boa colheita significava que o povo teria o que comer e ainda poderia vender ou usar parte da produção como “moeda” de troca, para adquirir aquilo que não conseguiam produzir em sua terra. Uma boa colheita dependia do trabalho árduo, de conhecimento e ainda, da boa ação da natureza – de sol e chuva em tempo e na medida certa, além do controle de pragas e, obviamente, do agir, da bênção e da proteção de Deus, que “é gracioso, nos abençoa e faz resplandecer sobre nós o seu rosto” (primeiro verso do poema, v.1). Por isso, era comum que o povo orasse a Deus pedindo pela abundância das colheitas, e depois, também agradecesse quando essa bênção fosse alcançada. O povo fazia isso através de orações e cânticos, como esse salmo. Hoje em dia, a tecnologia avançou muito, mas, ainda assim, uma boa colheita  depende muito do trabalho árduo do agricultor e da natureza,  trazendo sol e chuva no tempo e na medida certa, especialmente quando se pensa em agricultura familiar.

O versículo 6, pode ser traduzido como uma ação passada, completada: “A terra deu o seu fruto, e Deus, o nosso Deus, nos abençoa” (conforme a ARA – Almeida Revista e Atualizada), o que se torna agora motivo de gratidão. Mas também pode ser traduzido como uma ação futura: “então a terra dará o seu fruto; e Deus, o nosso Deus, nos abençoará” (conforme a ACF – Almeida Corrigida e Fiel) ou ainda “que a terra dê seu fruto” (entendendo o verbo “dar” no perfeito como precativo, e o verbo seguinte “nos abençoe!” no jussivo), como uma oração, um pedido para que Deus cuide da colheita que acontecerá em breve. Essa ambiguidade na tradução ocorre porque os verbos na língua hebraica têm um funcionamento diferente dos verbos na língua portuguesa. De qualquer forma, essas diferentes possibilidades de tradução não nos atrapalham. Na verdade, nos ajudam em muito. Pois na vida da gente acontece algo muito semelhante. O/A agricultor/a que planta este ano provavelmente irá plantar novamente no ano seguinte. O/A trabalhador/a de qualquer outra área provavelmente irá seguir trabalhando (ou até será promovido/a) no ano que vem. As pessoas que trabalham sabem que precisam do plantio, da colheita e do trabalho para ter uma vida justa, adequada ao seu contexto. Portanto, confiante e agradecida, a pessoa ora a Deus pedindo por bênçãos no trabalho todos os anos. Em todos os contextos, a vida tem seus ciclos e Deus segue conosco em todos os ciclos da vida, eis o motivo maior de nossa gratidão. Por isso, tal expressão ativa de louvor e gratidão não se limita à realidade rural, campesina, agrícola, mas também ao contexto urbano, abarcando todas as profissões. E se aplica também em nossa vida pessoal, relacional, familiar, social, ambiental e comunitária. 

Além disso, a colheita não acontece no dia seguinte à semeadura, é preciso esperar, agir e confiar. Assim também é com a oração. Algumas bênçãos também precisam primeiro crescer e amadurecer para, então, florescer. Fé ativamente grata, exige paciência, confiança, perseverança, louvor e gratidão, é o que vemos neste salmo.

Nesta perspectiva, aprendemos com o salmo 67 que podemos orar a Deus pedindo por aquilo que nos preocupa, pelas coisas que estão em nosso futuro. E quando esse futuro se torna presente, agradecemos por ele, com orações e cantos, assim como fazia o povo daquela época. E quando vierem novas preocupações (e elas sempre vêm), novamente podemos orar e cantar, pedindo a Deus por sua bênção e ação em nosso benefício. 

            Outro ensinamento importante deste salmo, é que Israel não se vê sozinho no mundo. O povo se vê cercado de outros povos irmãos, também abençoados por Deus. Já no primeiro versículo, a mais tradicional bênção do povo hebreu agora ressoa estendida a todos os povos. Ser abençoado por Deus não é exclusividade de uma única pessoa, povo ou país. A bênção de Deus não vê fronteiras. Deus é juiz e guia sobre toda a Terra, o que nos ajuda a melhor refletir e compreender como Deus quer que nos relacionemos com pessoas de outros povos e culturas, com os imigrantes e refugiados, por exemplo.

Enfim, desse salmo muito aprendemos e também somos animados/as a entregar às mãos de Deus tudo aquilo que carregamos conosco. Quais são as coisas que nos preocupam, pelas quais precisamos interceder? E quais são as coisas que nos alegram, pelas quais precisamos agradecer? Ainda existem muitas pedras, aridez e infecundidade nos caminhos da vida, sobre as quais ainda iremos orar e lutar muito: fome, guerra, ódio, desrespeito, violência, preconceito, exclusão, opressão, ganância… Mas também existem muitas flores e fecundidade pelas quais precisamos agradecer a Deus: o ar que respiramos, o alimento em nossa mesa, a família e os amigos que nos cercam, o trabalho que nos dá o sustento e o lazer que nos revigora, a comunidade cristã, as portas que se abrem ao diferente…

Que inspirados neste salmo, possamos olhar para o passado e nos lembrar da importância de agradecer a Deus por tudo o que temos e somos, reconhecendo o agir de Deus em nossa vida e na vida das pessoas a nossa volta; e também olhar para o futuro com os olhos fecundos da esperança que Deus plantou e quer cultivar em nós. Amém.

Pa. Stéfani Niewoehner

Barranco – São Lourenço do Sul – Rio Grande do Sul (Brasilien)

stefaniniewohner@gmail.com

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