A cruz, a amizade com Deus …

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A cruz, a amizade com Deus …

A cruz, a amizade com Deus, o sentido e a beleza da vida | PRÉDICA PARA A SEXTA-FEIRA SANTA – 2 de abril de 2021 | Texto bíblico: Hebreus 10. 16-25 | Júlio Cézar Adam |

Estimada comunidade, como celebrar esta Sexta-Feira Santa, vivendo no dia-a-dia, há meses, uma realidade de sofrimento e morte?

Como ter esperança em uma realidade em que cada dia perdemos mais de duas mil pessoas apenas no Brasil?

Qual o sentido de tudo isso?

A Sexta-Feira Santa é um momento marcante na vida da pessoa e da comunidade, na vida de pessoas que creem em Cristo. É um dia de profundo silêncio, de escuta dos relatos da crucificação e da morte de Cristo, de contemplação da cruz, de lamento, como tão bem ouvimos no texto do Evangelho. É um dia em que morremos com Cristo, permitindo que ele ressuscite em nós no Domingo da Páscoa. Aprendi ainda quando criança, que este é um dia diferente, um dia de silêncio, jejum, de não comer carne vermelha, nem subir em árvore, maltratar os animais ou cavar a terra. Era dia de ir ao culto. Este era um jeito de marcar este evento fundamental da vida de fé!

Neste ano, tudo isso tem um caráter diferente. A vida do dia-a-dia se tornou uma permanente Sexta-Feira… Cruz, sofrimento e morte fazem parte da vida de quase todo mundo nestes dias! Lembremos pessoas conhecidas, familiares e amigas que perdemos… (se pode nomear as pessoas e silenciar). Diante destas perdas e da nossa dor imensa, contemplamos a morte de Cristo, lamentamos por sua morte e as tantas outras mortes que nos rodeiam. Extasiados nos damos conta que muitas pessoas, inclusive autoridades, parecem insensíveis diante de tantas perdas. A morte de Cristo na cruz não sensibiliza mais… A morte de milhares de pessoas não sensibiliza mais! Não adianta nos sensibilizarmos com a morte de Cristo, se não conseguimos nos sensibilizar com a morte de pessoas próximas, conhecidas ou não…

O texto para a pregação desta Sexta-Feira da Paixão é o de Hebreus 10. 16-25, texto que fala especialmente sobre a morte de Cristo e o significado do seu sacrifício definitivo. Que sentido tem esta morte para nós hoje?

Leitura do texto de Hebreus 10. 16-25

Trata-se de um trecho de uma carta escrita para uma comunidade, a comunidade dos hebreus. Não sabemos exatamente quem escreveu a carta e não sabemos muito sobre a comunidade. O que sabemos é que a comunidade recebeu a verdade fundamental a respeito de Cristo e que a comunidade foi eficiente no seguimento dessa verdade. A geração seguinte, porém, demonstra estar imobilizada, vulnerável a falsas doutrinas. O propósito do autor é, então, ajudar a comunidade a reencontrar o rumo.

O propósito da carta e do texto de reflexão é chamar a atenção de pessoas e da comunidade para aquilo que Cristo voluntariamente e por meio de grande sofrimento conquista para o ser humano: a libertação do pecado, a possibilidade de viver pela fé, na esperança e através do amor. Se para a comunidade de Hebreus esta compreensão estava esmorecendo, quanto mais para pessoas de hoje, séculos depois em um mundo complexo e em crise. Parece que a paixão de Cristo, como acesso a Deus e à libertação plena, tem perdido o seu significado nas nossas vidas. Tem ainda sentido para nossas vidas? Qual o sentido de lembrar esta morte em uma realidade marcada pela morte como a que estamos vivendo no Brasil e no mundo?

Entendo que nossa vida humana, mesmo quando abastecida de recursos materiais, sociais e emocionais, satisfação física e relacional, é uma vida marcada pela crise, a angústia e a insegurança. O sofrimento faz parte da vida ou está à espreita. Se não vivemos na pele tal sofrimento, nada garante que não venhamos a experimentá-lo. Pessoas ao nosso redor, conhecidas e desconhecidas, sofrem dores muito concretas ou padecem com falta de sentido para viver. Arrisco a dizer que grande parte das pessoas, senão a maioria, vivem em situações de crise. A pandemia da covid-19 tem nos arrastados todos para uma situação de permanente sofrimento, medo e grande insegurança.

Diante de tais situações, viver na presença de Deus é uma forma de experimentar um sentido maior, uma razão para trabalhar e lutar por dignidade, leveza e beleza. A vida humana encontra sentido somente em Deus, o criador da vida, porque carecemos de um sentido mais profundo para a viver, algo maior, mais profundo, mais verdadeiro, mais abrangente que nós mesmos.

Humanamente uma relação com Deus não é possível, devido a uma separação profunda entre o ser humano e Deus. Não é possível estabelecer uma relação com Deus por nossos meios e nossos recursos, por melhor e mais eficientes que sejam. Não conseguimos chegar até Deus, fonte do sentido da existência. Jesus, através do seu sacrifício, cria este acesso. Jesus de forma voluntária, radical e única permite que a relação seja estabelecida. Ou seja, a relação com a fonte de sentido é agora possível. A passagem para o sentido mais profundo da vida está assegurada por Cristo.

Segundo nosso texto, esta relação garantida por Cristo não é uma aquisição automática ou algo que eu acesso como pesquisando um assunto na internet. É uma relação vivencial, concreta, que nos afeta, como uma amizade profunda e verdadeira. É algo que nos transforma, nos modifica, nos faz perceber a vida com outros olhos. Isso o texto de Hebreus expressa com os termos fé, esperança e amor.

A relação com Deus dá sentido para vida, um sentido profundo, vivencial, empolgante e transformador. Esta relação com Deus, base para uma vida de sentido e com beleza, não é algo que nós conseguimos construir, por mais que a gente se esforce ou por mais recursos materiais ou tecnológicos que tenhamos.

A Sexta-Feira da Paixão é o dia de se dar conta disso e receber de forma compenetrada e extasiada esta grande dádiva. Agora podemos viver com sentido, com inteireza, com leveza e com beleza. Nossa vida passa a ser mais do que apenas os anos que vivemos, as pessoas com quem convivemos ou o mundo que desfrutamos. Há uma razão maior para tudo que somos e temos. Este sentido está tão somente em Deus, o criador da vida. Para receber este grande benefício de Cristo, nada precisamos fazer. Apenas crer e viver! A fé nos abre para uma vida de esperança e de prática voluntária do amor.

Ou seja, viver o livre acesso ao Santo dos Santos, viver em relação com Deus, possibilita viver diferente.

Como viver diferente?

Sugiro duas ideias para refletirmos e praticarmos: 1. Viver na amizade e 2. O fim dos sacrifícios.

Viver na amizade. Todos nós sabemos o valor de uma amizade. Viver perto de Deus é como viver e curtir uma amizade bonita. Sacrifícios já não são necessários, a gente simplesmente crê, a gente se joga na relação. Isso nos permite criar esperança não só na amizade, mas ter esperança na vida, nas possibilidades de dias melhores, com mais sentido. Além disso, por causa da fé e da esperança, o amor transformador passa ser uma realidade.

Na amizade vivemos um relacionamento que nos faz bem e nos desafia a crescer, a compartilhar, rir e chorar. Amizade faz sentido e dá sentido à vida. É pura dádiva, sem sacrifício, apenas confiança, troca, relação. A cruz nos dá acesso a uma amizade livre e boa com Deus e, como consequência, a uma amizade gratificante e bonita com as pessoas ao redor. A Sexta-Feira da Paixão é o dia para se dar conta disso.

O fim dos sacrifícios. Por causa desse novo sentido conquistado por Cristo, não precisamos de sacrifícios para uma vida boa e com sentido. A boa amizade não exige sacrifícios! O sacrifício de Cristo basta! Isso significa, que o Deus deseja que vivamos bem, com fé, esperança e amor. Isso significa também, que Deus não deseja novos sacrifícios.

Basta de sacrifícios. Somos convidados a refletir nesta Sexta-Feira da Paixão. Deus não quer a pandemia. Deus não quer mais cruzes. Deus não quer o sofrimento. Chega de sacrifícios! Mesmo assim, milhares de pessoas sofrem uma realidade diária em forma de abuso, abandono, descaso e crueldade. Na pandemia, milhares estão sendo sacrificadas pela falta de cuidado de outros e de si próprias. O sacrifício de Cristo na Cruz é um claro protesto, o protesto de Deus, contra o sofrimento presente.

Isso nos compromete como pessoas de fé, a protegermos a vida, zelarmos pela vida, lamentarmos profundamente cada perda de cada pessoa conhecida ou não. Cada pessoa que morre é um pedaço da morte de Cristo que hoje nós lembramos.

Meu filho, quando pequeno, brincava muito com bonecos de super-heróis. Quando os bonecos quebravam, ele nos procurava para consertar. Muita fita adesiva foi usada para deixar os bonecos inteiros novamente. Bonecos consertados, a brincadeira continuava com o mesmo entusiasmo e envolvimento. O sacrifício de Cristo reata a relação com Deus, de forma que podemos brincar com entusiasmo e inteireza, podemos viver de forma digna, leve, bela e livre, apesar do sofrimento e das crises que nos acompanham na jornada. Ou, como diz a carta aos Hebreus, podemos viver com fé, esperança e amor, mesmo quando a vida quebra. Cristo conserta a vida sempre de novo.

Celebrar esta Sexta-feira da Paixão é portanto celebrar a amizade com Deus e nos comprometermos pela fé a lutar em prol da vida e contra todo sacrifício.

Que o Deus da Vida nos ampare nesta fé.

Amém.

P.Dr. Júlio Cezar Adam

São Leopoldo – Rio Grande do Sul, Brasilien

julio3@est.edu.br

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