1 Pedro 3.18-22

1 Pedro 3.18-22

Resiliência na Dor e Testemunho no mundo: o exemplo de Cristo para a caminhada quaresmal | 1 Pedro 3.18-22 |Felipe Gustavo Koch Buttelxli |

felipebuttelli@yahoo.com.br

IECLB Goiânia

Que a graça do nosso amigo e irmão de caminhada, Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito estejam com todas e todos vocês. Amém.

Cara irmã e caro irmão na fé.

Hoje inicia o tempo da quaresma. Muito se usa a metáfora do caminho e do caminhar para se referir à experiência cristã neste tempo. A fé cristã e o testemunho bíblico nos convidam a uma espiritualidade da caminhada comunitária. Assim como discípulas e discípulos caminharam com Jesus em direção ao calvário em Jerusalém, nós também compreendemos que caminhamos umas pessoas com as outras, com nossas dores e nos dramas de nossas vidas em direção à vivência da cruz e da Páscoa. O horizonte do nosso testemunho é a ressurreição de Cristo, que nos possibilita compreender as circunstâncias difíceis da vida a partir da esperança que a ressurreição de Cristo nos relega.

De certa maneira, o texto previsto para a pregação de hoje nos ajuda a compreender e aprofundar esta visão para o início da nossa caminhada quaresmal. Caminhada comunitária em solidariedade, empatia, abraçando nossas dores mutuamente, com vistas a Gólgota, mas na viva esperança da ressurreição. Pedro foi o grande apóstolo da fé cristã. Junto com Paulo, era uma das principais lideranças e seu testemunho tinha muita autoridade na igreja do primeiro século. Pedro provavelmente enviava sua carta a partir de Roma para as comunidades da Ásia Melhor, que viviam severa perseguição e decorrente sofrimento no final do primeiro século.  Basicamente, Pedro relega a aquelas comunidades as seguintes mensagens. 1) Assim como vocês estão sofrendo, Cristo sofreu até a morte por nós, e sua morte, em favor de pessoas más, nos levou a Deus. 2) Seu corpo morreu, mas seu Espírito permanece levando a esperança, assim como o fez desde os tempos de Noé, o faz até hoje entre nós. 3) O batismo nos insere nesta esperança. A salvação de Deus que abrange tudo e todas as pessoas chega até nós através do batismo. 4) O batismo e a esperança que recebemos pelo Espírito acerca da morte e ressurreição de Cristo, nos convidam a um testemunho ético, com consciência limpa diante da diáspora e da realidade do sofrimento.

As comunidades cristãs na Ásia menor viviam na diáspora, ou seja, eram minoria religiosa. Eram perseguidas por causa de seus costumes, de seus hábitos, de sua mensagem e vivência religiosa. Eram condenadas por seu testemunho ético contrário aos padrões daquela sociedade. E por isso sofriam. Mas, afirmava Pedro, não era um problema passar por este sofrimento, porque Cristo nos relegou a esperança de que a ressurreição é o horizonte da nossa fé e no batismo somos renovados e transformados nesta esperança, de modo que podemos continuar firmes no nosso testemunho de fé neste mundo hostil, apesar dos sofrimentos. Talvez assim possamos resumir a mensagem de Pedro àquelas comunidades, mas também sua inspiração teológica para a nossa caminhada de fé no tempo da quaresma: Permanecer firmes na esperança da ressurreição em nosso testemunho ético neste mundo, apesar das perseguições e dificuldades.

No entanto, podemos aprofundar aqui o questionamento e a nossa reflexão para os dias de hoje. Vivemos em uma diáspora? Somos uma minoria religiosa perseguida? Nosso testemunho cristão no mundo tem sido um estandarte da ética ensinada por Cristo? Temos encontrado na fé e na esperança da ressurreição o refúgio diante dos sofrimentos que vivemos neste mundo?

A minha resposta inicial, e talvez vocês possam concordar comigo, seria um sonoro “Não”! Não vivemos em uma diáspora, mas em um contexto de domínio cultural da fé cristã e da presença de igrejas, sobretudo no Brasil. A grande maioria da população brasileira se entende como cristã, sendo o Brasil um dos países com maior quantidade de igrejas. Não somos uma minoria religiosa, mas uma presença quase que normativa, que procura se impor atualmente através da ocupação dos espaços públicos e políticos. Igrejas e pessoas cristãs perseguem e violentam minorias religiosas muito mais do que são perseguidas. Ao menos no mundo ocidental. Nosso testemunho de fé público tem se espelhado no exemplo de Cristo e na ética que decorre do seu sacrifício vicário, como descrito por Pedro? Acredito que não. Pelo contrário. As igrejas, pastores, bispos e apóstolos têm sido investigados, presos, têm seus bens apreendidos. Notavelmente a sociedade olha para essas lideranças como abusivas e antiéticas. Eu, como pastor, por vezes, tenho vergonha de me identificar assim publicamente, tal é o constrangimento e a vergonha a que a maioria dos cristãos nos submete. Não, o testemunho ético cristão não é a marca da presença cristã no mundo hoje. Por último, temos encontrado a esperança para o nosso sofrimento no testemunho da ressurreição? Também aqui acredito que não. Nossa fé, no âmbito da cultura em que vivemos, não tem conseguido superar o consolo e a esperança que as pessoas encontram em outros valores. O consumo, a ganância na busca por bens, por poder, por dinheiro, o individualismo como refúgio que nos leva a fugir da solidariedade, da empatia e da busca por soluções coletivas e comunitárias para os sofrimentos da vida. São tantos valores tresloucados que nossa sociedade oferece, que nos perguntamos pelo real impacto da mensagem do evangelho na nossa vida.

E talvez aqui esteja a resposta para esta incoerência de vivermos tão longe da fé cristã e do Evangelho em uma cultura quase que totalmente cristianizada: vivemos em uma cultura cristianizada, em um mundo “igrejado”, mas longe do testemunho e da vivência verdadeira da fé cristã. Vivemos num mundo e numa sociedade que não quer ouvir o Evangelho! As igrejas não estão pregando o evangelho! Apesar de lerem a Bíblia, pregam um caldo cultural composto pelo espírito do mundo capitalista contemporâneo. Graça e prosperidade sem cruz; salvação sem o caminho e a vivência da quaresma; um Jesus glorioso que não passou por Gólgota. Um Deus que está no trono e que é posto a serviço de nossos desejos e projetos de conquista material nesta vida. Pastores são “coaches” que tornaram a fé em um discurso motivacional. Pregadores moralistas e hipócritas que transformaram o Evangelho num manual de conduta de normas morais que serve para julgar e condenar as pessoas. Ninguém entende mais a radicalidade da cruz, ninguém quer ouvir o evangelho, ninguém vai ao mundo comprometido com um testemunho ético.

A mensagem de Pedro serve plenamente para nós, se quisermos viver a Fé cristã e aprender com a vida e testemunho de Cristo em seu sacrifício vicário. Nós vivemos, sim, em uma diáspora em que o testemunho cristão não é aceito. Vivemos, sim, em um tempo em que a vivência da fé comunitária e o testemunho profético no mundo contrariam a cultura dominante, que ama e louva os valores deste mundo. Vivemos, sim, em um mundo em que é raro o testemunho ético por parte de pessoas cristãs e, quando existe e se expressa, as pessoas são condenadas e perseguidas por isso. Os exemplos são inúmeros: vão de Martin Luther King Jr. a Desmond Tutu e Nelson Mandela, de Dom Helder Câmara a Júlio Lancelotti. Todos condenados publicamente por sua atuação em favor dos pobres, contra as injustiças, contra o racismo e a desigualdade etc.

A mensagem de Pedro, caras irmãs e caros irmãos, é verdadeira inspiração para nós hoje. E eu quero resumi-la em duas palavras para inspirar o início da nossa jornada quaresmal: resiliência no sofrimento e testemunho ético corajoso. Resiliência e testemunho. Porque nós somos, em boa medida, muito parecidos com as comunidades cristãs da Ásia menor: vivemos em um mundo no qual viver o evangelho é hostilizado. Mas Pedro nos lembra que a nossa fé se baseia no exemplo de Cristo. Jesus foi resiliente no sofrimento. Não se acovardou diante dos desafios do mundo, mas manteve-se fiel e obediente até a morte e morte na cruz. Mas não fez isso para romantizar o sofrimento, mas para vencê-lo. Na quaresma, olhamos para o sofrimento da gente e do mundo com esperança na ressurreição, porque sabemos que a dor não prevalecerá e que podemos permanecer firmes na confiança, apesar de passarmos por um tempo difícil, seja em nossa vida pessoal ou em nossa caminhada conjunta como comunidade de fé.

Por último, somos lembradas e lembrados que no batismo somos inseridos nesta fé e neste testemunho de Cristo. E Pedro lembra: batismo não é lavar superficialmente o corpo, mas uma transformação moral e ética profunda. Uma nova consciência, fruto de um verdadeiro compromisso feito com Deus e com o mundo. Palavras pouco utilizadas hoje em dia nas igrejas: consciência, compromisso e testemunho ético. Sim, ser pessoa batizada nos convida a esta vida. O batismo nos lembra que, em Cristo somos uma nova criatura, em Jesus somos renovadas e renovados, empoderadas e empoderados pelo Espírito auxiliador, aquele que salvou os fiéis do dilúvio e que hoje nos resgata da nossa condição de sofrimento e nos projeta no mundo como testemunhas comprometidas para viver com consciência limpa no mundo corrompido em que vivemos.

Que o tempo da quaresma seja um tempo para caminharmos em conjunto, nos lembrando mutuamente desta esperança, nos lembrando do exemplo de Cristo e nos encorajando a uma vivência profética no testemunho ético como comunidades e indivíduos para que todo o mundo e toda a criação viva sob o poder daquele que ao lado direito de Deus “governa os anjos, as autoridades e os poderes do céu”.

“E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” Romanos 12:2

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