Êxodo 34.29-35

Êxodo 34.29-35

PRÉDICA PARA O ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA | 27.02.2022 | Texto bíblico: Êxodo 34.29-35 | Ilmar Kieckhoefel |

‘Entre o escancarar e o resplandecer!’

1. Diz o ditado popular  que só o amor é capaz de nos fazer tão bem ao ponto de nos transformar e de deixar melhor, inclusive, a ‘aparência do nosso próprio rosto e da nossa pele’. Ou seja, irradiamos, externamos a luz que, internamente, nos habita.  Mal sabia Moisés de que seu rosto, ‘iluminado’, resplandecia, após o reencontro com o sagrado, com Deus!  As pessoas que nos veem, quando estamos tomadas/os pela ‘aura da felicidade’, nem sempre conseguem compreender ou identificar as razões do nosso ‘brilho’. Daí que não é difícil imaginar de que sejamos colocadas/os sob suspeita, até que, efetivamente, falemos e testemunhemos a respeito daquilo que em nós, de forma involuntária, transborda!

O ‘encontro com o inusitado’ chama à atenção, pois sua dinâmica traz à tona o fato de que Moisés, após falar às filhas e aos filhos de Israel sobre o que se lhe havia sido revelado ‘no alto do Monte Sinai’, cobrir o rosto. No entanto, ao voltar-se a Deus, o mesmo véu era retirado. A impressão que fica é que, diante dos seus semelhantes, repousa aí o resgate da sua autoridade sacerdotal, através da qual a fala de Moisés se confunde com a vontade divina. Já, diante de Deus, nenhum ‘artifício de aparência’ lhe é necessário e ele pode, deve ‘descobrir-se’ – Deus o vê tal qual ele, em sua humanidade, é!

2. Estamos no Último Domingo da Epifania e bem fomos lembradas/os, ao longo do referido período litúrgico, de que se tratava de ‘revelação’. Revelação, de acordo com o texto de hoje, também no Sinai! Revelação tem a ver com algo que nos surpreende! | Nos últimos dois anos, fomos surpreendidas/os com a Pandemia; até o início dela, era comum a brincadeira da pessoa amiga secreta que, no ‘dia da revelação’, tornava-se conhecida a todo o grupo e, então, poderia haver semblantes de alegria, bem como ‘resplandeceres’ de decepção.  O que está em questão é que, dificilmente, ‘a cara’ mente; nossas expressões faciais ‘nos escapam e nos entregam’…

Todavia, ao longo desses anos pandêmicos, mas também ao longo de toda nossa vida e da trajetória da história do Povo de Deus, sempre houve ‘encontros surpreendentes, momentos de epifania’ = oportunidades para a manifestação e a revelação do Amor de Deus! Detalhe importante: estes ‘encontros’, pelo menos no que tange à parte divina, não acontecem de forma enganosa ou burlada. Deus é fiel e mantém a Sua Palavra; cumpre os Seus propósitos, ainda que Sua revelação, por vezes, demore a manifestar-se e a ser entendida por nós.  Deus espera, pois, que nossa vida igualmente ‘respire e exale’ essa ‘transforma-ação’, resultante desses contínuos encontros!

3. Infelizmente, pertence ao entorno da narrativa em questão  que, na ausência do líder Moisés, em seu ‘Retiro no Morro’, o povo, impaciente, não confiante no tempo de Deus, cria para si uma nova verdade, um ‘deus fundido’, confuso, ‘falso|fake’; resultado de várias colagens de crenças, angústias, necessidades visuais e interpretações errôneas. Um ‘deus feito, customizado’ ao gosto do freguês, feito um ‘self-service’ no qual ‘coloco no meu prato’ somente aquilo que interessa ao meu ‘estômago’ e crivo.

Não há dúvidas de que a fé, a espiritualidade deva adaptar-se às necessidades dos novos tempos, seja na linguagem, na forma, etc. ‘Repaginar-se’, ‘resignificar-se’, sem perder a essência, é o grande desafio. A pergunta determinante, no entanto, parece residir nos cansativos e desnecessários ‘modismos de vibração, sem duração’; volúveis e facilmente substituíveis por novas ‘coleções ou tendências da moda’.  Evidentemente que, em assuntos tão complexos e delicados como esse, é justo que sejamos sensíveis e cuidadosas/os nas ‘análises’, a fim de não confundirmos e de ‘jogarmos fora com a água turva também a criança’ que pode nos redimir, salvar, modernizar, atualizar.

Pessoalmente, gosto da ideia da vida que se recria, também e especialmente no contexto religioso, até mesmo para sustentar o entendimento de que a Palavra de Deus, constantemente, se ‘reinventa’ (o Verbo se faz ‘carne’ ainda hoje, agora!) continuando sempre a mesma. Mas, verdade seja dita, há pessoas que imitam o povo dos tempos de Moisés e, ansiosamente, precipitam-se no constante criar de novos ‘bezerros de ouro’ ao próprio gosto; deuses mudos que precisam legitimar suas atitudes ou, então, justificá-las.  Lembremo-nos de que Deus tem voz própria e de que quem precisa ouvi-la e passar por transformação, e irradiar um novo semblante de entendimento, somos nós!

Bem anterior ao texto de hoje, fica evidente  que Deus é o que é (“Sou o que Sou!”) e que não compactua com determinadas associações que se deseja lhE atribuir; nem outrora, nem nos tempos atuais. Moisés, no mesmo viés de interpretação, ao confrontar-se com a tal festa em torno do ‘deus inventado (medicamento sem comprovação?!)’, extremamente inconformado, chateado, quebra as ‘Tábuas do Testemunho’, já que, àquela distância, não alcançava o ‘deus criado’ pelas mãos do povo…  Todavia, aqui cabe um prudente alerta: em tempos de recorrente e lamentável intolerância religiosa, é justo que se redobre o cuidado, para não transferir apressadas e equivocadas justificativas para esse ‘imbróglio’ todo.

4. O povo, cansado da vida no deserto e frustrado com a falta de carne que havia nas panelas egípcias, também andava revoltoso com Moisés, cuja função de liderança havia sido entregue a Arão. E, francamente, não era por acaso que o povo estava desconfiado de Moisés. Afinal, numa atitude raivosa e agressiva, Moisés destruiu as Tábuas da Lei e, mais tarde “pegou o bezerro que haviam feito, queimou-o no fogo e o moeu até virar pó e espalhou o pó na água. Em seguida, mandou que o povo de Israel bebesse aquela água…” (Êx 32.18-20)

5. Graças a Deus, após experiências frustrantes, há novas chances restauradoras e curadoras: Desta vez, Moisés se encontra novamente com Deus e, surpreendentemente, ocorre algo diferente (que é o assunto do texto de hoje!), e seu rosto brilha. Tomado por essa imersão na fé e, talvez, dessa nova oportunidade, Moisés, tocado pelo Espírito (!), transmite às demais pessoas, através do seu estado pessoal não forjado (nem antes, nem agora!), a respeito da mensagem de ‘restauração da sorte’ através das ‘Novas Tábuas’.

Atualizando: é imprescindível que reconheçamos as manifestações do Amor de Deus, em nossa vida pessoal, também estampada no nosso tempo vivencial maior, no coletivo, em comunidade, em sociedade e que isso ocorra naturalmente, sem muitos rodeios ou delírios. É desejável que percebamos e encontremos ‘o divino’ a perpassar ‘invisivelmente ou nitidamente’ nossa contraditória e limitada condição humana.

6. As Novas Tábuas são provas que ratificam a autenticidade da Nova Lei, que é a lei da ‘pedagogia do amor, revelada em Jesus’; por isso entre o ‘deslize’ e o escancarar de nossa própria humanidade, a possibilidade do resplandecer de uma ‘nova criatura’ que, na sua fragilidade, retoma sua honra de ser porta-voz da divindade.

Talvez aí resida o outro grande ensinamento: somente na autenticidade de nossas emoções, e no equilibrar delas (!) é que conquistamos ‘respeitabilidade’; não no aparentar, no fingir. Porque, além do encontro que Moisés teve com Deus no Sinai, a intimidade com Deus, as orações e as longas conversas com Deus continuaram lapidando ele, depois, dele ter voltado à planície da vida, no dia-a-dia. Forma usada por Deus para ‘lapidar’, através de Moisés, através de nós – para Si! – para o melhor do próprio povo, para nós mesmas/os.

Na humildade, na autenticidade e no reconhecimento, direto ou indireto de pontos fortes e de tropeços, tanto da parte do povo quanto de suas lideranças, é que é possível encontrar a verdadeira força de transformação e o sentido do esplendor da Palavra de Deus.  Lamentavelmente, muitas vezes, falta-nos maturidade espiritual e amor compassivo que transformam semblantes envergonhados e frustrados em ‘faces de luminosidade’, outra vez.  Deus tire de nós toda pretensão arrogante e desdenhosa.

7. As manifestações do amor de Deus estão por toda parte! Assim como também a negação deste amor. Entre rancores e horrores, descubramos ‘epifanias reveladoras’ de Novas Tábuas, de outras possibilidades de escrita de histórias de vida que a Deus agradam, e que nos salvam de nós mesmas/os. Deus tem por nós ‘pensamentos de paz e não de mal’. | Portanto, se a graça divina permitir, que consigamos reluzir, irradiar novos caminhos de esperança, com estratégias de vida e de superação do mal… Sejamos uma ‘face vistosa’ de Deus no mundo!

Rm 12.2: “Não se conformem com este século, mas transformem-se pela renovação de suas mentes, para que possam experimentar qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.”

Cl 3.12: “Revistam-se como pessoas eleitas de Deus, santas e amadas, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade…”

‘Entre o escancarar e o resplandecer!’ – ajudemo-nos mutuamente em caminhos de superação, e que Deus nos abençoe. Amém.

P. Ilmar Kieckhoefel

Sapiranga – Rio Grande do Sul (Brasilien)

ilmarkieckhoefel@gmail.com

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