Jeremias 31.7-14

Jeremias 31.7-14

PRÉDICA PARA O SEGUNDO DOMINGO APÓS O NATAL – 2 de janeiro de 2022 | Texto bíblico: Jeremias 31.7-14 | Geraldo Graf |

Irmãos e irmãs em Cristo!

Examinando as Escrituras, nós descobrimos que, ao se manifestar e libertar (salvar) as pessoas, seja da escravidão que lhes foi imposta, seja do pecado por elas praticado, Deus não transporta (abduz) imediatamente seus escolhidos com benesses e privilégios para a Terra Prometida (ou para o céu), contornando os problemas. Aconteceu assim com o povo hebreu, durante a fuga da escravidão no Egito, no tempo de Moisés. Foi assim, no retorno do Cativeiro da Babilônia, no tempo dos profetas. Foi assim na vinda de Jesus Cristo e assim será na nossa derradeira peregrinação em direção ao reino de Deus. Nas duas situações descritas no Antigo Testamento (Êxodo e Exílio), o povo de Israel teve que enfrentar uma longa e dura peregrinação e, em chegando à Terra Prometida, teve que construir e reconstruir toda a sua vida familiar, religiosa e social a partir do zero. Mas tem um detalhe importante e fundamental, que é o centro da mensagem deste domingo, e contido no texto bíblico de Jeremias 31.7-14: Mesmo tendo que enfrentar uma dura caminhada e um penoso e sofrido recomeço, o povo não está sozinho. Deus sempre esteve, está e estará com o seu povo. Mesmo quando este se sente castigado e abandonado em terra estranha, Deus está lá, corrigindo o povo, manifestando seu amor e seu plano libertador e salvador. Deus liberta e acompanha seu povo em todo o processo de caminhada e de reconstrução. Deus acompanhou seu povo na saída do Egito e na travessia do deserto durante 40 anos (Êxodo 13.21-22). Deus transformou o penoso regresso do povo vindo da Babilônia em caminho esperançoso (Isaías 40.3). Foi assim na história do povo do Antigo Testamento. Foi assim na vinda de Jesus Cristo, que se colocou ao lado dos que precisam caminhar penosamente através dos sofrimentos, do sentimento de abandono, das doenças, da opressão, oferecendo-se, inclusive, como “O Caminho” (João 14.6). É assim também hoje, em nosso dia a dia, quando precisamos enfrentar as duras agruras da vida (cada um e cada uma de nós têm uma vasta experiência pessoal e relacional de sofrimentos, de temores, de abandono e de sentimento de culpa). É assim no princípio do novo ano, quando nós não sabemos o que virá, especialmente diante do surgimento de uma nova e perigosa variante do coronavírus e da infestação de uma nova gripe; diante da incerteza financeira em 2022 (desemprego, inflação, perda de renda, fome); diante do explosivo momento político em ano eleitoral, quando diariamente somos bombardeados por fake news e manifestações de ódio. O caminho nunca é fácil. Não somos abduzidos diretamente para 2023, pulando por cima de desafios, problemas, sofrimentos, culpas e sentimento de abandono. Mas uma coisa é certa, e isto nos é anunciado pela palavra de Deus: Deus é “Deus conosco”, que não nos abandona, mas vai junto no processo de travessia de tudo o que nos espera em 2022. Assim será também na derradeira caminhada, quando precisaremos enfrentar tudo o que envolve a morte. Deus lá estará! Jesus nos conduzirá para a casa paterna.

Em todos estes acontecimentos e enfrentamentos, não nos sintamos sozinhos. Deus é Deus Conosco, conforme ouvimos na mensagem do Natal. Ele não nos transporta automaticamente para o paraíso, para uma vida sem dores, passando longe dos desafios, sofrimentos e dificuldades da vida, mas vai conosco, enfrenta junto, dando-nos força e coragem para caminhar e enfrentar o que vier. Podemos ilustrar isto através de um exemplo: Quando uma criança vai para a casa dos avós e tem que enfrentar uma longa e penosa subida, passando por pedras, abismos e todo tipo de obstáculo, ela não esmorece, porque seu foco está naquilo que a espera – o acolhimento dos avós, as comidas gostosas, a presença do vovô, que vem ao encontro e a carrega no colo nos lugares mais difíceis.

O texto bíblico de Jeremias 31.7-14 remete a uma situação assim, vivida pelo povo do Antigo Testamento, e quer ser um testemunho e um incentivo que nos anima a enfrentar nossas dificuldades, nossos sofrimentos e nossos desafios, caminhando com fé e confiança, por nos sabermos bem acompanhados em nosso dia a dia, especialmente no princípio deste novo ano, o qual precisamos trilhar, cheios de dúvidas e incertezas.

Nós podemos localizar as palavras de Jeremias após 587 a. C., data em que boa parte do povo de Jerusalém foi levado cativo para a Babilônia, durante a invasão do exército do rei Nabucodonosor. O período anterior à invasão foi marcado por duras críticas de Jeremias à corrupção e ao apego ao poder por parte da elite e dos governantes de Israel, e à falsa e fingida religiosidade do povo, alertando que nada disso garantiria sua segurança nem impediria o consequente castigo de Deus. Contrariando a pregação dos assim chamados falsos profetas, que tranquilizavam o povo, dizendo que tudo estava bem e que Deus não permitiria que seu povo fosse escravizado novamente, Jeremias proferiu palavras duras contra a forma de vida distanciada dos mandamentos e do respeito a Deus. Jeremias criticou a falsa segurança das pessoas e convocou-as para a conversão, à meia volta. Elas não lhe deram ouvidos, perseguiram-no e o prenderam, ameaçando-o de morte. E o desastre aconteceu.

Novamente, o povo experimentou as agruras de cativeiro e a sensação de abandono por parte de Deus. O povo sentiu o gosto amargo das consequências da desobediência aos mandamentos divinos, das falsas escolhas e da ilusória segurança fundamentada no poder, no prestígio e na riqueza. Com certeza, o povo exilado desesperançou e não tinha mais perspectivas de retorno à Terra Prometida, Israel. Foram 70 anos de exílio na Babilônia. Foi ali que o povo se deu conta do pecado e percebeu que o exílio em terra estranha foi consequência da sua desobediência a Deus e não do seu abandono. As pessoas se deram conta que não haviam levado a sério o chamado de Jeremias à conversão. Boa parte do livro do profeta Jeremias trata desse assunto.

Já o capítulo 31ss., especialmente os versículos 7 a 14, refletem um novo momento, posterior, quando o profeta muda o tom de suas palavras e convida o povo sofrido e desesperançado a esperar em Deus, a confiar na presença do Senhor ao lado de seu povo, mesmo e sobretudo em meio aos sofrimentos e às agruras da vida. Ele convida a confiar que Deus, como um bom Pai, conduzirá seu povo de volta à pátria, assim como um pastor conduz suas ovelhas desgarradas de volta ao rebanho. Jeremias não promete um caminho fácil, uma abdução, uma viagem a jato, mas um longo e penoso percurso, um processo de retorno, tal qual outrora acontecera com o povo na saída do Egito. Trata-se de um novo êxodo. Por mais dura que a caminhada possa parecer e ser, os passos se tornam mais firmes e corajosos, quando se tem o alvo diante dos olhos e se sabe quem vai com a gente. Não se temem mais os obstáculos. Eles são enfrentados com fé e coragem. O povo que retornou do Exílio não teve um caminho fácil, nem encontrou tudo pronto na chegada. Os livros de Esdras e Neemias nos relatam sobre as imensas dificuldades enfrentadas. Mas uma coisa é certa naquilo que Jeremias profetizou: Deus não abandonou seu povo. É o próprio Deus faz parecer a areia do deserto e as pedras do caminho como uma estrada reta. Ele transforma a dura caminhada e a penosa reconstrução em um processo de confiança e fé, em uma manifestação de esperança no futuro, que há de vir.

Os outros dois textos bíblicos lidos neste domingo, João 1.10-18 e Efésios 1.3-14, também apontam para este agir amoroso de Deus na nossa história, revelando-se através de Jesus Cristo. Jesus é a manifestação amorosa do plano salvífico de Deus.  Ele nos convida a confiar e permitir que ele nos aponte o caminho a ser seguido. Por mais penoso que o caminho possa parecer, sempre será caminho de Deus conosco, que não nos abandona na dificuldade e na dor, no pecado e na morte, mas vai conosco e assume nossa aflição por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador e guia. A nossa salvação faz parte do plano eterno de Deus. Cabe-nos confiar nele e não fundamentar nossa vida sobre falsos alicerces, que só conduzem à perdição. O caminho pode ser difícil, cheio de obstáculos, de sofrimentos e de ameaças à vida, como tem sido durante a pandemia do coronavírus. Mas é caminho de Deus Conosco. Reconhecer isto e se apegar nisto é o que nos encoraja a caminhar.

Está diante de nós um novo ano. O que será, o que podemos esperar dele? As notícias sobre novas variantes do coronavírus e da chegada de uma nova gripe nos assustam e nos enchem de dúvidas quanto à retomada da assim chamada normalidade de vida. Ao olharmos para trás, sobretudo para os dois últimos anos, anos que consideramos perdidos, constatamos que foi tempo em que sentimos muito medo, tempo em que perdemos pessoas queridas para a doença, tempo em que vimos nosso emprego e nossa sobrevivência ameaçados e perdidos. E 2022? Qual é a nossa perspectiva de futuro? O profeta Jeremias, o mesmo que alerta para o pecado que nos afasta de Deus, é o mesmo que nos traz palavras de esperança, de alento, de encorajamento: Deus não nos abandona. Ele enfrenta conosco o novo ano. Ele dá especial atenção para as pessoas mais fracas e ameaçadas (Jr 31.8). Confiantes na presença e no cuidado de Deus, enfrentemos este novo ano, aconteça o que acontecer, pois temos a certeza de que Deus transformará as pesadas pedras de obstáculo em caminho suave. As pedras continuarão lá, mas nosso caminhar será diferente, pois temos a certeza de que Deus irá conosco. Amém.

Pastor em. Geraldo Graf

g.graf@uol.com.br

São José do Rio Preto – São Paulo (Brasilien)

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