Mateus 28.1-10

Mateus 28.1-10

Prédica para o Domingo de Páscoa | 09.04.2023 | Mateus 28.1-10 | Hans Alfred Trein |

Querida Comunidade, Corpo de Cristo,

Nenhum dos evangelhos narra a ressurreição propriamente dita. Não são reportagens jornalísticas. Ninguém assistiu ao evento! São testemunhos de fé. A fé é a certeza das coisas que não se veem. Os evangelhos nos trazem 4 testemunhos de fé distintos sobre a ressurreição de Jesus. Todos, no entanto, afirmam a ressurreição, baseados no sepulcro vazio, na aparição dos anjos, na aparição do próprio Jesus. A mensagem central é: os poderosos queriam calar Jesus, eliminá-lo, mas nem a morte pôde segurar Jesus. Os poderes da morte não prevaleceram! Sem a Páscoa poderia até haver Natal, mas provavelmente não haveria igreja cristã, muito menos esperança no Reino de Deus!

As mulheres foram ao túmulo para realizar um último gesto de carinho, pois foram impedidas de velar o corpo de seu amado mestre, chorar a sua morte. A pandemia escancarou essa mesma dor, o mesmo sentimento de algo incompleto, de abandono que sentiram todas as pessoas que não puderam despedir-se de seus entes queridos na pandemia.

Mas, as narrativas dos evangelhos são muito diferentes.

Esse relato de Mateus é o mais espetacular. Certamente, seria o escolhido, por algum cineasta, pelos detalhes cênicos épicos e fantásticos que apresenta: o terremoto, o anjo descendo do céu como um relâmpago e removendo a grande pedra da entrada, os guardas paralisados… Um terremoto já fora reportado por ocasião da morte de Jesus, rasgando o véu do Santo dos Santos no templo, eliminando a diferença entre o sagrado e o profano. A partir daí, todo o lugar desta terra é sagrado para Deus. E se olharmos o texto com atenção, o terremoto, o anjo com aspecto de relâmpago vieram remover a pedra. Será que a ressurreição já tinha ocorrido? Por outro lado, também se pode entender que o evento da ressurreição estava acontecendo naquele momento, mas ficou oculto à visão das mulheres, como teria ficado oculto à visão de qualquer pessoa humana. O anjo com aquele aspecto de relâmpago, dizendo que Jesus crucificado não está ali, que ressuscitou, que não tivessem medo, que fossem depressa dizê-lo aos discípulos, que Jesus iria encontra-los na Galileia. Em seguida, Jesus já lhes vai ao encontro – a iniciativa é sempre de Deus – saúda-as, e elas abraçam seus pés e o adoram. Jesus lhes diz que não tenham medo e que avisem os irmãos para se dirigirem à Galileia.

Marcos traz o relato mais breve, objetivo e sóbrio; a pesquisa bíblica diz que é o mais antigo. Mateus e Lucas basearam-se nele, para escrever as suas narrativas. Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé (!) foram ao sepulcro. A pedra já estava removida, entrando no sepulcro havia ali um jovem vestido de branco que as abordou, dizendo que Jesus crucificado não estava ali e que elas fossem comunica-lo aos discípulos. Elas, porém, fugiram apavoradas e não contaram nada a ninguém.

Em Lucas, a pedra também já está removida, são dois os varões com vestes resplandecentes que lhes dizem que Jesus não está ali, lembram às mulheres que Jesus tinha predito sua morte e ressurreição, retornam e contam tudo aos onze e aos demais. São mencionados os nomes das mulheres: Maria Madalena, Joana (!) e Maria, mãe de Tiago. Os discípulos não acreditaram nelas. Pedro foi conferir no túmulo e não achou nada. Ficou maravilhado.

No relato de João, Maria Madalena foi sozinha ao túmulo, vendo a pedra removida, voltou correndo, para dizer a Pedro e ao discípulo que Jesus amava, que tinham sumido com o corpo de Jesus. Pedro e João saíram correndo, João chegou primeiro, viu os lençóis de linho, mas não entrou. Pedro entrou no sepulcro, viu os lençóis e o lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus, num lugar à parte. O relato termina dizendo que eles ainda não tinham compreendido a Escritura que era necessário Jesus ressuscitar dentre os mortos. E voltaram pra casa. Nesse relato há um zelo especial em dizer quem chegou primeiro, quem entrou primeiro no sepulcro, quem viu os lençóis primeiro…

E então, os céticos perguntam: qual é o relato verdadeiro? A terceira mulher foi Salomé ou foi Joana? Havia um ou dois anjos? Ou era só um jovem vestido de branco? Jesus apareceu aos discípulos na Galiléia ou já em Jerusalém? As perguntas são pertinentes, mas focam detalhes da diversidade de tradições que não tangem o cerne da mensagem: Jesus ressuscitou!

Muitas pessoas se encasquetam com a Bíblia, pois lhe fazem perguntas equivocadas. Igrejas erram e daí surgem terraplanistas e outros fanatizados que consideram a Bíblia como literalmente igual à Palavra de Deus, ou provocam um conflito inexistente entre Bíblia e ciência. A Bíblia contém a Palavra de Deus, mas ela não é a Palavra de Deus!

Em geral comete-se dois erros no trato com a Bíblia:

  • A leitura fundamentalista que considera o texto como expressão atemporal, exata e imutável da Palavra de Deus, mesmo que nela coelhos sejam classificados como ruminantes e a terra seja considerada o centro do universo. E a gente deve perguntar: qual das pelo menos 11 diferentes traduções da Bíblia para o português, então, seria a exata e imutável Palavra de Deus?
  • A leitura cética que desacredita os testemunhos de fé, por sua diversidade, diferenças e contradições, por não terem comprovação verificável, por inconsistências de concordância (as mulheres foram ao sepulcro no findar do sábado ou na madrugada de domingo?), ou por informações cientificamente ultrapassadas.

As narrativas dos evangelhos são testemunhos dentro de seu respectivo tempo histórico que passaram por pelo menos uma geração de transmissão oral e só foram escritos mais de uma geração mais tarde. Seus acentos diversos referem-se à diversidade de comunidades a que se destinaram essas narrativas. Para a comunidade judaico-cristã de Mateus era importante ter manifestações climáticas extraordinárias, para sinalizar Deus em ação, assim como eram suas aparições no Antigo Testamento: terremoto, relâmpago, fumaça, fogo… quando Deus se mostra dá medo e euforia ao mesmo tempo.

Mesmo com os testemunhos de acentos diferentes, uma afirmação lhes é comum: Jesus não está mais no sepulcro, ressuscitou! Jesus não só enganou a morte, ele quebrou o poder absoluto da morte. Mostrou ao império romano e às lideranças religiosas que o Reino de Deus não pode ser parado, matando seu anunciador e realizador. A ressurreição é uma afirmação da vida e da salvação que reside no projeto de Justiça e Paz do Criador. E, Jesus não permanece onde a morte aparentemente venceu. Ele vai adiante para encontrar vocês na Galileia, lá onde curou os enfermos, defendeu as mulheres, enfatizou a partilha, anunciou o Reino de Deus, chamou pescadores para o seu movimento, se solidarizou com as pessoas que sofrem. Lá para onde a igreja, Corpo de Cristo, também deve ir! A política da morte não tem a última palavra; não adianta matar o corpo, a força do amor não deixa que o projeto de salvação de Deus termine!

Fico imaginando a reviravolta que se deu naquelas mulheres. Vieram ao túmulo para ver seu mestre e ainda lhe acarinhar o corpo sem vida. Repentinamente, tudo muda! Os soldados, símbolos da força e do domínio, ficam pálidos como a morte, o anjo reflete o brilho da vida, as mulheres de tão atordoadas só ouvem o anjo lhes responder o que nem tinham perguntado: quem vocês procuram não está aqui. Ressuscitou! Agora, não lhes cabe mais acarinhar um defunto, mas anunciar o Cristo ressuscitado; de carpideiras tornam-se missionárias da ressurreição. A ordem é ir já e verificar Jesus longe do túmulo. É o mesmo que acontece com os discípulos de Emaús: depois de reconhecerem Jesus no partir do pão, imediatamente voltam a Jerusalém. O que antes era tristeza passou a ser alegria e esperança.

Nós passamos anos de destruição e morte em nosso país. Tudo devidamente anunciado e realizado com método e sistema. Em quase todas as esferas da vida nacional foram desmontadas as instituições encarregadas de cuidar do meio ambiente, da saúde, da educação, do trânsito, da convivência harmônica entre as pessoas na sociedade, do investimento em infraestruturas indutoras da economia e foram reforçados e sofisticados os mecanismos de drenagem do dinheiro público para os bolsos dos rentistas. Com um apoio retrógrado e fundamentalista de grupos autodenominados evangélicos se fez uma verdadeira cruzada contra a diversidade, procurando impor costumes e moral de uma sociedade de 2000 anos atrás. O resultado disso também foi destruição e morte, pois atiçou a discriminação contra todas aquelas pessoas que não se enquadravam no modelo cultural antigo.

A pandemia matou muita gente, e uma política negacionista foi responsável por muitas mortes que poderiam ter sido evitadas. Os povos indígenas foram lesados profundamente em seus direitos constitucionais, e a tragédia agora aparece mais claramente entre os Yanomami, violentados pela sanha garimpeira estimulada pelo desgoverno. No sul do Brasil foram desbaratados esquemas de escravidão com requintes de crueldade e violência dentro de vinícolas e em lavouras de arroz, uma vergonha para todos aqueles que justificam sua riqueza com seu próprio esforço e trabalho; é o passado escravista nos alcançando novamente, pois esse passado está mal morto, como disse um filósofo e pesquisador africano. As negligenciadas e negadas mudanças climáticas continuam produzindo tragédias como a do litoral de São Paulo, com deslizamentos e enchentes, por absoluta falta de investimento dos governos num outro projeto de vida mais respeitoso dos ritmos da terra que os povos indígenas consideram um ser vivo. Juros altos alegram os rentistas e impedem a retomada da economia real. As guerras, nesse momento, a da Rússia contra a Ucrânia, explicitam o projeto de morte que está por trás das disputas de poder, bem ao contrário da proposta de Jesus: “Quem quiser ser o primeiro entre vós, seja o que sirva a todos”!

A mensagem forte da Páscoa é: essa proposta de destruição e morte não prevalecerá! Não adianta o papel ridículo dos soldados em vigiar a pedra do túmulo no interesse dos que querem que Jesus permaneça morto e seja esquecido. A Páscoa é a subversão dos poderes da morte. Já subverteu o regime de escravidão do povo de Israel no Egito, promovendo a libertação precisamente no que os judeus celebram como Páscoa, e agora, quebra o poder da morte e afirma a vida como última palavra de Deus diante dos poderes opressores do mundo, tanto na política como na religião. Deus confirma a palavra e a ação de Jesus em favor das pessoas empobrecidas e contra os poderosos na religião e na política. O teólogo Pagola o expressou assim:

“Na Páscoa Deus mostrou que tem poder para aniquilar o mal, sem destruir os maus; faz Justiça a Jesus, sem destruir os que o crucificaram”. (Repetir essa frase!).

Pessoas podem experimentar a ressurreição de modo pessoal em suas vidas, vencendo uma enfermidade grave, superando uma divisão familiar com reconciliação, experimentando solidariedade entre vizinhos… e tudo isso está incluído no projeto amoroso de salvação de Deus. O mais importante é saber que a política que produz morte não tem a última palavra. O poder imperial e o autoritarismo humano podem fazer muito estrago, mas não prevalecerão! Deus ressuscita perspectivas e possibilidades novas para seguir com o seu projeto de Justiça, Paz e Salvação. A política dos governos pode ajudar ou pode atrapalhar, nunca impedir que a semente do Reino de Deus cresça e frutifique. Nós cristãos vivemos da antecipação do futuro: uma grande festa no Reino de Deus. É isso que nos dá coragem e sentido em nosso viver.

A Páscoa é um futuro certo que atua no presente incerto. Coloquemo-nos como aprendizes desse viver a partir do futuro!


P. Amém

Me.Hans Alfred Trein

São Leopoldo – Rio Grande do Sul (Brasilien)

hansatrein@gmail.com.br

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