Mateus 5.21-37

Mateus 5.21-37

 PRÉDICA PARA O 6º. Domingo após Epifania | 12/02/2023 | Texto: Mateus 5.21-37 | Vera Maria Immich |

Leituras: Deuteronômio 30.15-20; 1 Coríntios 3.1-9

QUE A GRAÇA DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, O AMOR DE DEUS E A COMUNHÃO DO ESPÍRITO SANTO SEJAM COM TODOS. AMÉM!

Caros irmãos e irmãs em Cristo,

„Vê que proponho, hoje, a vida e o bem, a morte e o mal“ (v.15). Que proposta! Quem de nós aqui nesse domingo de culto não diria imediatamente: escolho a vida e o bem, é claro! Ninguém seria tão louco a ponto de dizer: eu prefiro a morte e o mal.

Só que as coisas não são assim tão evidentes. O bem e o mal não são assim tão claramente separáveis. Não é assim que um é a luz e o outro é a treva. Classificar entre branco e preto não corresponde à nossa experiência no dia a dia. Muito antes, nós percebemos que bem e mal vêm entrelaçados, o joio e o trigo crescem juntos. Quem é pai/mãe tem muitas histórias para contar sobre isso quando se trata da educação dos filhos.

Deuteronômio mostra claramente o poder de nossas opções para a nossa vida e para a vida de outras pessoas. Era assim com o povo de Israel no AT e continua sendo assim em nossos dias.

Que escolhas temos que fazer ao longo da vida? Como nos orientamos para fazer tais escolhas? Em lugar de preto e branco a vida se nos apresenta em diferentes tons de cinza e ainda em grande diversidade de tons coloridos. São raras as oportunidades, onde bem e mal são claramente distintos. Essa escolha é uma opção de vida ou morte.

O texto do AT confirma o que para nós luteranos é uma questão de fé: a liberdade de escolha, o livre arbítrio. Mas será que tenho essa liberdade para escolher e optar pelo que quero, em detrimento do outro e dos projetos de Deus para este mundo e para nossa vida? Será que esta liberdade é ilimitada?

No texto de Deuteronômio Deus conclama Israel para decidir-se pela vida e o bem, a morte e o mal, a bênção e a maldição. A opção da vida e do bem está ligada ao cumprimento do mandamento do amor:

– Amar a Deus acima de todas as coisas

– Confiar que e é lâmpada para os meus pés e luz para os meus caminhos

– Obedecer aos mandamentos e ensinamentos de Jesus

Fazemos escolhas todos os dias ao longo de nossa vida, mas a partir de que e do que orientamos estas escolhas? Qual a base, qual é a âncora para tais decisões?

Em todo o capítulo de Mateus 5, especialmente o nosso texto, Jesus segue ensinando sobre o valor do caráter. Ele deseja que seus seguidores sejam pessoas agradáveis a Deus e busquem viver corretamente no mundo. Jesus propõe o cumprimento da lei na perspectiva de Deus, e não na perspectiva humana, como estava acontecendo. Que nossas escolhas sejam pautadas pelos ensinamentos que ele nos deixou.

Ele convida para o cumprimento da lei, visando ao diálogo, a relacionamentos respeitosos, que evitem a ira e a discórdia. Atritos familiares são muito comuns, discórdias com vizinhos e/ou pessoas com quem trabalhamos igualmente são normais. Ninguém quer ser explorado, ser feito de bobo e humilhado. Jesus lembra que não dá para estar em conflito com o irmão/ã e, ao mesmo tempo, dar ofertas generosas no templo para aplacar a ira de Deus.

Ele propõe restabelecimento das relações rompidas e ou estremecidas; ele ordena que primeiro se busque a reconciliação com o próximo/a e, depois, se volte para ofertar. E que as questões conflituosas não fiquem para depois, que sejam enfrentadas, buscando solução e paz, antes que seja necessária a interferência da justiça humana. Para Jesus, o diálogo e o entendimento precoces evitam desgastes desnecessários e rompimentos. É Seu desejo que busquemos a concórdia e o perdão.

Que nossas palavras sejam sinceras e sejamos conhecidos por essa sinceridade e por nosso caráter. Que não seja necessário jurar sob testemunho, mas que, com seriedade e constância, sem mudanças de ideia a cada momento, tenhamos credibilidade aos olhos do mundo.

É próprio do ser humano, desde os primórdios, promover vinganças, dar o troco, instaurar contendas, discussões e armar armadilhas ao inimigo. Jesus sugere outro jeito de viver e resolver diferenças e conflitos. Ele convida para a tolerância, o exercício do amor e promoção da cooperação entre as pessoas, onde os mais fortes não usam sua força para oprimir e ferir, mas para proteger e cuidar. Como procedemos? Estamos dispostos a agir diferentemente em nosso dia a dia?

Ao ensinar que o casamento é bênção e está no propósito de Deus, expressa-se o desejo que não acabe, que se cuide dele como presente de Deus, com amor intencional e persistência. Em um relacionamento, ambos devem ceder pelo bem comum, abrir mão e evitar desavenças infindáveis, que adoecem o casal e os filhos, além de ser péssimo exemplo de resolução de conflitos, de humildade e de capacidade de diálogo.

Nosso texto é muto rico e é necessário retomar os pontos principais que já ouvimos: Mateus 5.23-24: o verdadeiro culto que Deus quer. Ofertar com generosidade e com o coração puro. Não por acaso, a confissão dos pecados precede a Ceia do Senhor e o recolhimento das ofertas do dia. Não é possível levar uma vida de piedade e odiar o irmão, cultivar desavenças, o que seria, atualmente, distribuir fake news com o carimbo verdade, tão falso quanto a própria fake. Mais do que não fazer, a orientação é deixar a oferta e buscar a reconciliação.

Mateus 5.25-26 traz as palavras de Jesus sobre reconciliação como condição para pertencer à comunidade. Reconciliar-se o quanto antes para não criar uma bola de neve que somente cresce e nos afasta de Deus. Reconciliar-se ante a menor controvérsia, porque não é possível seguir adiante carregando desavenças, ódio e conflitos.

Mateus 5.27-30 apresenta os mandamentos de não adulterar nem com o    desejo, para não pecar e contaminar o coração. Desejar é abrir caminho para a tentação e colocar-se acima de Jesus. A continuidade do texto não nos permite leitura literal, mas chama para a interpretação. Em nenhum momento, Jesus sugeriu mutilar partes do corpo para não pecar, mas, extirpar pensamentos, desejos, preconceitos, fofocas e juízos a respeito de outrem. Quer dizer, cortar fora os pensamentos, os sentimentos e as ações que nos são agradáveis e prazerosas, mas que nos afastam dos propósitos de Deus.

Mateus 5.32-32: O desejo de Jesus em relação ao casamento parece-nos simples e claro: que não haja rompimento e, se houver conflitos, que se busque a reconciliação. Esta busca, todavia, deve ser partilhada por ambos. A resolução de conflitos, sempre respeitosa, deve ser empreendida e renovada pelo casal. Quando isto não acontece, o divórcio pode ser inevitável e certamente causará dores e sofrimento, tanto para o casal quando para os filhos. Este processo deve ser administrado com zelo, respeito, cuidado, ética e muita oração, tanto para que Deus perdoe pelos erros e a fraqueza, quanto para vencer a tentação de abrir guerra contra o cônjuge e atingir filhos e filhas.  Reconstruir a vida com outra pessoa está no plano de Deus; é uma segunda chance, que deve ser acolhida com alegria e humildade.

Mateus 5.33-35: viver e andar retamente, em conformidade aos mandamentos, reinterpretados à lei do amor e da justiça – tão cara que aparece 7 vezes no Evangelho de Mateus – indica que devemos prezar pela coerência entre a fé e a nossa vida, de tal forma que sejamos reconhecidos e respeitados por essa coerência. Que nosso sim seja sim, e não seja não.

Encerro com um texto do filósofo Mário Sérgio Cortella:

Cortella nos faz pensar no conteúdo de nossa chávena/xícara da vida.

„Tu vais andando com a tua chávena de café… E, de repente, alguém te empurra fazendo com que derrames café por todo o lado.

Por que derramaste o café?

Porque alguém me empurrou!

— 𝐑𝐞𝐬𝐩𝐨𝐬𝐭𝐚 𝐞𝐫𝐫𝐚𝐝𝐚!

Derramaste o café porque tinhas café na caneca.

Se tu tivesses chá, terias derramado chá.

O que tiveres na chávena é o que vai se derramar.

Portanto, quando a vida te sacode, o que tiveres dentro de ti vai derramar.

Podes ir pela vida fingindo que a tua caneca é cheia de virtudes, mas quando a vida te empurrar, vais derramar o que na verdade existir no seu interior.

Sempre sai a verdade à luz.

Então, terás que perguntar a ti mesmo. — 𝐎 𝐪𝐮𝐞 𝐡𝐚́ 𝐧𝐚 𝐦𝐢𝐧𝐡𝐚 𝐜𝐚𝐧𝐞𝐜𝐚?

Quando a vida ficar difícil, o que vou eu derramar? Alegria… Agradecimento… Paz… Bondade… Humildade? Ou Raiva… Amargura… Palavras ou reações duras?

𝐓𝐮 𝐞𝐬𝐜𝐨𝐥𝐡𝐞𝐬!

Agora, trabalha para encher a tua caneca com Gratidão, Perdão, Alegria, Palavras positivas e amáveis, Generosidade e Amor para os outros.

𝐏𝐞𝐥𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐞𝐬𝐭𝐢𝐯𝐞𝐫 𝐧𝐚 𝐭𝐮𝐚 𝐜𝐚𝐧𝐞𝐜𝐚, 𝐭𝐮 𝐬𝐞𝐫𝐚́𝐬 𝐫𝐞𝐬𝐩𝐨𝐧𝐬á𝐯𝐞𝐥.

E, olha que a vida sacode. Às vezes, sacode forte.

Sacode mais vezes do que podemos imaginar!“

„𝐓𝐮 𝐞́𝐬 𝐨 𝐫𝐞𝐬𝐩𝐨𝐧𝐬𝐚́𝐯𝐞𝐥 𝐩𝐞𝐥𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐭𝐞𝐦 𝐧𝐚 𝐭𝐮𝐚 𝐜𝐚𝐧𝐞𝐜𝐚! 𝐎 𝐪𝐮𝐞 𝐭𝐞𝐦 𝐧𝐞𝐥𝐚?“ Filósofo Mário Sérgio Cortella.

Acrescento que, para nós cristãos, é necessário alimentar nossa fé diariamente como uma poupança que nos prepara para os tempos difíceis. É necessário encher nossa caneca com o fruto do Espírito: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Gl. 5.22. Muitas vezes, acho difícil semear amor em um mundo com tanto desamor, crer na paz com tantas guerras. Neste momento, lembro que, de fato sozinha não sou capaz. Lembro também que não estou sozinha. Que tenho um Deus que sempre está comigo e que me fortalece com seu amor e me dignifica com sua graça.

Que assim seja e que assim a bênção de Deus seja abundante em nossa vida. Amém.


Vera Maria Immich

Pastora e psicóloga clínica

Curitiba – Paraná (Brasilien)

veraodair@gmail.com

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