4º Domingo da Páscoa

· by predigten · in 05) Apostelgeschichte / Acts of the Apostles, Beitragende, Current (int.), Harald Malschitzky, Kapitel 02 / Chapter 02, Neues Testament, Português, Predigten / Sermons

Prédica para o 4º Domingo da Páscoa – 3 de maio de 2020 | Atos dos Apóstolos 2. 42-47 | Harald Malschitzky |

Irmãs e irmãos em Cristo, comunidade do Senhor!

Em uma pequena comunidade rural o canto era muito fraco. Algumas pessoas fizeram uma campanha entre si e compraram um harmônio. De uma comunidade vizinha vinha uma pessoa familiarizada com o instrumento. De fato, cantos e toda a liturgia criaram vida. Passado um tempo, aquelas pessoas que tinham se unido para comprar o harmônio, levaram ao seu pastor o seguinte problema: Não é justo que agora todos ouçam o harmônio que nós compramos!

Uma das questões tão antigas como a própria igreja tem a ver com as finanças das comunidades e da igreja. São muitos os caminhos encontrados, outros tantos foram abandonados, mas o problema persiste. Em não poucas comunidades em nossa igreja ainda se pratica a contribuição do mesmo valor para todos. Argumento: Somos todos iguais, temos os mesmos direitos na comunidade e, portanto, as mesmas obrigações. Aqueles que não pagam podem sofrer sanções!

Os dois cenários são apenas uma espécie de retrato falado de nós mesmos. Das pessoas “encurvadas em si mesmas” que olham os mais frágeis sempre com um certo desdém, que se julgam com mais direitos – seja lá com que justificativa! – e, ainda que só um pouco, superiores. Jesus, em certa oportunidade, confrontado com essa realidade, disse: Entre vocês não será assim!

Primeiras comunidades cristãs se lembravam disso e fizeram uma opção radical. Ouçamos a passagem de Atos dos Apóstolos 2. 42- 47.

Uma comunidade bem diferente do que ousamos imaginar: Tudo é de todos! Pessoas vendiam seus bens o colocavam  o dinheiro à disposição de toda a comunidade. Os apóstolos estavam presentes e operavam milagre e maravilhas. As pessoas se reuniam em culto e comunhão de mesa todos os dias e, em suas casas partiam/repartiam o pão, provavelmente em memória da última ceia de Jesus. Confesso que eu gostaria de viver uma comunidade e sociedade assim… Sabemos do próprio livro de Atos, que com o passar do tempo as comunidades foram obrigadas a encontrar outras formas para manter essa prática de comunhão, ainda que núcleos do modelo original continuassem a existir. Vemos, por exemplo, uma comunidade organizando o atendimento aos pobres e famintos com a instituição de diáconos e diáconas; sabemos que o apóstolo Paulo fez coletas em outras comunidades para as viúvas em Jerusalém, que de acordo com as leis e costumes da época,  ficavam totalmente desamparadas caso não houvesse um familiar para acolhê-las. O foco é o mesmo: Cuidar não apenas de divulgar o Evangelho, mas também cuidar do pão de cada dia. Não é por menos que gente de fora se admirava do jeito de os cristãos e suas comunidades se tratarem uns aos outros.

O modelo como tal não subsistiu posteriormente na organização da igreja como um todo. Tantas e tantas vezes a voz humana, travestida de ideologias e crenças outras, falou mais alto e a igreja se transformou em palco de disputas de poder, de ostentação, de discórdias e preconceitos… Tudo o contrário daquilo que  os primeiros cristãos buscavam praticar e viver. A chama da partilha e da solidariedade, porém, não apagou. Ao longo da mesma história de ostentação e disputas políticas dentro da igreja, sempre houve grupos e comunidades, mosteiros e irmandades que procuravam ficar próximo às raízes. O próprio Lutero, por exemplo, viveu em uma irmandade de mendicantes que procurava viver só de esmolas, sem acumular nada.

O mundo moderno, o nosso mundo, em grande parte é construído sobre o trinômio trabalho-consumo-lucro. Empresas gigantescas pelo mundo afora tentam dizer o que temos que consumir através de propaganda sutil, nos vendem o que está sob o seu controle de produção e auferem  lucros enormes. Eu sei que é uma simplificação, mas,  a grosso modo é assim. O resultado é uma desigualdade sempre maior e o crescimento espantoso da pobreza no mundo,  porque milhões de pessoas não se enquadram no trinômio, não conseguem acompanhar o seu ritmo.

E é justamente nesse panorama que comunidades, grupos ONGs se empenham pelas  pessoas que sobram e que têm ou subemprego ou emprego mal remunerado, que simplesmente não têm emprego e moradores de rua. Se essas pessoas conhecem ou não o texto bíblico até é secundário: A sua prática, a sua dedicação por pessoas desamparadas e doentes as leva para bem perto da primeira comunidade.

Neste momento em que um pequeno vírus coloca em dúvida e caos todas as nossas estruturas que julgávamos  tão sólidas; quando descobrimos que todo o arsenal bélico do mundo é ridículo diante do coronavírus e que todas as nossas riquezas de qualquer natureza se desfazem à revelia de todas as medidas econômicas, é preciso redescobrir o valor da vida nua e  crua, da vida sem luxo, sem riquezas, sem comidas e bebidas de preços imorais, da vida de todos os seres humanos. Infelizmente, de forma criminosa, ainda há poderosos e governantes que apregoam ser necessária a morte de alguns milhares de pessoas para manter a máquina econômica funcionando… desde que o vírus não visite suas próprias famílias!

É preciso cuidar da vida nua e crua… Ações estão acontecendo – muitas ações, a maioria por ONGs, associações, comunidades cristãs, mas também por empresas e bancos. De repente é possível distribuir e compartilhar. Será que a pandemia vai nos ensinar um novo jeito de levar a vida e cuidar do mundo? Há muitos pensadores/as vislumbrando um mundo mudado; para eles o nosso modelo de mundo  e nossa civilização estão postos em cheque e lá adiante, passada a pandemia, haverá um mundo mudado. Será que a humanidade vai tirar as necessárias lições para entender que vida – nua e crua – vale mais do que todos os bens, todos os arsenais, todas as bolsas financeiras do planeta? Que são o afeto, a humildade, a partilha, o respeito mútuo conferem à vida uma plenitude ímpar?

Que não se apague a chama da comunidade primeira; que também a pandemia nos ensine a ver a vida com os olhos de Deus, o Criador; que entendamos que Jesus deu a vida pela humanidade e não apenas por aqueles que constroem grandes catedrais. Que nestes tempos difíceis pratiquemos solidariedade e amor segundo as nossas forças com a bênção de nosso Deus. Que nossos grupos e comunidades sejam também curativos das doenças físicas e das enfermidades da alma; que o milagre da vida possa se renovar e bem guardado. Em solidariedade com ONGs, promovamos vida. Amém

 

P.em. Harald Malschitzky

São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasilien

harald.malschitzky@gmail.com