2 Coríntios 5. 6-10

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PRÉDICA PARA O 4º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | 16.06.2024 | Texto bíblico: 2 Coríntios 5. 6-10 | Renato Küntzer |

Paz e bem a vocês irmãos e irmãs.

A leitura e a escuta atenta do texto logo nos permitem perceber duas questões importantes para o apóstolo Paulo e a relação com a comunidade. Paulo está defendendo a legitimidade de seu ministério. Ele enfrenta problemas internos da comunidade. Esses problemas são causados pela agitação de pregadores ambulantes portadores de revelações misteriosas e provas de poder celestial.   Paulo recebeu a notícia de que em Corinto estavam atuando falsos pregadores, aliados a entusiastas da comunidade. A mensagem que anunciavam era diferente do Evangelho anunciado por Paulo. Os falsos apóstolos criticavam e negavam a autoridade  de Paulo e de sua pregação. Diante dessa situação, Paulo escreva uma defesa de seu apostolado com base na teologia da cruz. Na caminhada da vida comunitária, no momento não há como dar voz ao entusiasmo e às revelações de mistérios, se a centralidade do anúncio e da vida comunitária está na experiencia da cruz na vida de Jesus. Aqui está presente a própria experiencia da vida de Paulo que argumenta pela legitimidade de sua pregação e de seu apostolado. Ele próprio experimenta a concreticidade do sofrimento e da cruz.

A segunda preocupação de Paulo é com a expectativa de viver, ou não, a Parusia (retorno) de Jesus.  Diante desse retorno de Jesus, que parece demorar, Paulo passa a considerar a possibilidade de que talvez ele venha a morrer antes da Parusia, em virtude dos perigos e riscos do ministério apostólico (2 Co 1.8-9).

Há aqui uma crítica forte ao comportamento dos entusiastas e da comunidade que aderiu a eles. A vida despreocupada e negligente na comunidade em relação as práticas rotineiras e cotidianas, pois essas pertencem à dimensão do corpo e da preocupação com as coisas materiais que são inferiores, agride a fé. Pois a fé se vive no cotidiano de forma integral, assumida na vida ordinária entre o nascer e o morrer. A fé não é uma experiencia espiritual que retira a pessoa da vida cotidiana na qual precisa enfrentar seus desafios e sacrifícios. Ao afirmar que “caminhamos por fé” Paulo já qualifica a prática de nos “esforçarmos para agradar ao Senhor” no cotidiano, no ordinário da vida.

Certo é que iremos morrer, e ocorrendo antes ou depois disso a Parusia, é nossa responsabilidade, da mesma forma, agradar ao Senhor. Isso não é nenhum destino cego ou castigo, mas responsabilidade diante do Evangelho. Por essa realidade, Paulo e comunidade são responsabilizados em sua vida ao esforço de agradar ao Senhor. Viver a fé em Jesus Cristo (esforço para agradar ao Senhor) é fazer o bem. Desconhecer ou negligenciar isso é fazer o mal. Paulo não fala o que é a recompensa. Não importa qual é a recompensa. Ela é secundária. Importa, pela urgência, aproveitar o tempo para fazer o bem. Pois tudo que fizermos ou deixarmos de fazer resulta em consequências.

“Estamos sempre confiantes”. Será? Podemos tomar essa palavra de Paulo como a condição na qual nos encontramos? Recentemente tivemos uma experiencia que gerou medo, angústia, incerteza, sofrimento e expos nossas negligências e limitações. Cerca  2 milhões de pessoas que vivem no Rio Grande do Sul e foram atingidas pelas fortes chuvas e enchentes no mês de maio deste ano, Não são sinais da proximidade do fim dos tempos, mas são sinais das mudanças climáticas. Pessoas morreram, pessoas permanecem desaparecidas, pessoas permanecem em abrigos, longe das perspectivas de voltar para casa. Essa situação provocou também, ao contrário das chuvas, uma enxurrada de solidariedade, apoio, acolhimento e esforço conjunto.  Há um esforço coletivo no processo de limpeza, de reconstrução para a volta à rotina. Para alguns isto está bem próximo. Para outras pessoas é uma esperança distante e extremamente difícil pelo enorme impacto das perdas.

A palavra de Paulo dirigida a essa realidade é que as pessoas não desanimem. Torço para que toda a solidariedade se converta em mudança de atitudes no modo de lidar com o meio ambiente e seus recursos cada vez mais escassos. Cada vez mais esses recursos limitados e escassos são convertidos em produtos do mercado para o consumo de uma minoria.  Somente com uma intervenção cuidadosa e samaritana é que conseguiremos olhar para a futuro da humanidade sem desanimar. Deus se abaixa, carrega sobre si o sofrimento, a dor e o medo de seres humanos.  Assume como seu a fragilidade das vítimas. Ali podemos conhecê-lo, ao lado de quem perdeu a sua casa, ao lado dos familiares que choram os mortos e desaparecidos. Está ali, não porque se conforma com o caos, nem para castigar as pessoas. Deus está ali para enfrentar o descaso com o meio ambiente e todas as formas de sofrimento dali decorrentes. Nessas ações está Deus.

Assim como Paulo, somos chamados a manter a confiança. Para Paulo a confiança é alicerçada na presença de Deus. Essa presença se dá pelo caminho da cruz. Portanto é uma caminhada árdua e difícil, mas que é necessária ser feita.  É na fragilidade humana confrontada com as dores da natureza,  que Deus se faz presente de forma solidária, consoladora e misericordiosa.

E por fim, esse é o esforço de agradar ao Senhor. Não se trata de uma espiritualidade deslocada e desfocada da realidade.  Não se trata de uma fé desconectada com as dores do mundo e as dores da natureza. Há toda uma série de atitudes e ações a serem assumidas como cuidado pelo ser humano, pela sociedade e pelo meio ambiente. Pudesse toda a solidariedade também se reverter em consciência frente às dores da natureza provocadas pela intervenção humana nociva e predatória. Pudesse toda a nossa criatividade se voltar para as cidades historicamente construídas sobre a desigualdade e a vulnerabilidade. Logo, logo a solidariedade vai dar lugar à disputa dos recursos, das políticas públicas, do modelo de desenvolvimento, em privilégio de uns e pelo sacrifício de outros. Estamos em tempos de confirmarmos se realmente estamos sempre confiantes.

  1. Renato Küntzer

Boa Vista do Buricá/RS