
DOMINGO DE RAMOS
PRÉDICA PARA O DOMINGO DE RAMOS – 28 DE MARÇO DE 2021. | Texto bíblico: João 12.12-16 | Nilo Orlando Christmann |
Estimados irmãos e estimadas irmãs!
Que a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus, o Pai, e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos nós.
Em algumas vertentes da religiosidade popular brasileira o tempo de Quaresma ou Paixão termina na Sexta-feira Santa com a encenação da crucificação de Jesus e a malhação de Judas. Afinal, como é da característica humana, alguém (outro) precisa ser o culpado. O que mais chama a atenção, contudo, nessa tradição é a quase ausência da Páscoa. A festa da ressurreição fica esquecida. Para alguns estudiosos do fenômeno, a realidade sofrida de muita gente se impõe. A grande notícia da vitória sobre a morte fica em segundo plano.
Nas comunidades de tradição luterana isso é diferente, ao menos, tomando o Brasil como referência. A celebração da Páscoa também é valorizada. Na comunidade onde sou pastor e em outras em que já estive, o culto da Páscoa ocorre às 6 da manhã, seguido de um café compartilhado. A alegria e a comunhão se manifestam intensamente. Entretanto, hoje, neste Domingo de Ramos de 2021, como olhamos para a Sexta-Feira da Paixão e a Páscoa que se aproximam? Conseguimos vislumbrar a alegria da Páscoa ou vamos “estacionar” na crucificação?
O relato bíblico previsto para este Domingo de Ramos está envolto nos preparativos de Jerusalém para a grande festa da Páscoa, que aconteceria dali a uma semana. O povo de Deus peregrina, em grande número, fazendo longas viagens e caminhadas para poder participar. Afinal, mesmo tanto tempo depois, ainda era preciso celebrar e festejar a libertação da escravidão no Egito, mantendo viva a memória e igualmente a esperança de que libertação semelhante pudesse acontecer em relação ao domínio romano. Muitos alimentavam a expectativa pela vinda de alguém que pudesse, em nome de Deus, anunciar esse novo tempo.
E eis que neste domingo, não por acaso, também Jesus chega a Jerusalém. Já não se tratava de um desconhecido. A sua fama tinha se espalhado, alimentando a esperança de muita gente e preocupando outros, em especial, as lideranças religiosas e políticas. A recente ressurreição de Lázaro por Jesus, narrada no Evangelho de João, só fez crescer a admiração de seguidores e simpatizantes e, na mesma proporção, fez crescer a inquietação e os planos para silenciá-lo. Na reunião dos fariseus e dos chefes dos sacerdotes com o Conselho Superior, a pergunta tinha sido de clara preocupação: “O que vamos fazer? Esse homem está fazendo muitos milagres. Se deixarmos que ele continue fazendo essas coisas, todos vão crer nele” (Jo 11.47-48).
A entrada de Jesus em Jerusalém é tida como triunfal. Foi um grande momento. Ele é acolhido pela multidão. O clima é de festa e esperança. Os ramos de palmeira no caminho sinalizavam a honraria e o reconhecimento. Mais do que isso, entendeu-se que aquele homem não vinha por decisão própria. Era alguém enviado por Deus. Afinal, quem pode ressuscitar alguém que já estava morto há quatro dias, assim como ocorreu com Lázaro? E, por isso, o povo canta o refrão: “Hosana a Deus! Que Deus abençoe aquele que vem em nome do Senhor! Que Deus abençoe o Rei de Israel!” (v. 13).
Interessante perceber neste texto dois aspectos importantes. O primeiro deles é a aparente ausência daqueles que tinham decidido que aquele homem já tinha ido longe demais e começava a incomodar. Mas, mesmo que não estejam citados, podemos imaginar homens à espreita ou disfarçados na multidão para depois relatar aos líderes religiosos o que tinham visto e ouvido. Essas eram informações importantes para os estrategistas da morte.
O segundo aspecto a ser percebido são as expectativas presentes entre aqueles que faziam a acolhida calorosa. Podemos imaginar na multidão pessoas agradecidas por algum milagre realizado por Jesus na sua vida ou da sua família. Havia também, com certeza, os que estavam encantados com a mensagem daquele homem e por isso o seguiam. Outras pessoas simplesmente entraram na onda do momento, porque sempre é mais fácil navegar na direção em que o vento sopra mais forte. Outros tantos ou quase todos alimentavam a esperança que Jesus seria aquele que, a exemplo do rei Davi, de fato se tornaria o rei do povo, instalando um governo justo e devolvendo o orgulho e a autonomia para Israel. Basta de pagar pesados impostos e de viver sob o jugo do Império Romano!
Parece que, em meio a isso tudo e levados pela emoção do momento, poucos ou ninguém percebeu que havia algo errado. Que rei é esse que vai para o centro do poder religioso e político montado num jumentinho? Seria o equivalente para nós de estarmos esperando uma pessoa muito importante vir num carro reluzente, e o sujeito aparece montado numa bicicleta velha. Para um rei que se dignasse ou que quisesse desafiar alguém caberia ter, ao menos, um cavalo como montaria, expressando poder e força. Caberia por óbvio portar uma espada para enfrentar quem ousasse detê-lo. No entanto, nessa aparente contradição, se confirmavam as escrituras que já diziam: “Povo de Jerusalém, não tenha medo! Veja! Aí vem o seu Rei, montado num jumentinho!” (v. 15).
Por mais estranho que fosse, tudo era muito coerente. Aquele que nasceu humilde na estrebaria; que viveu na simplicidade; que pregou a paz, a justiça e a misericórdia; que desafiou poderosos apenas com palavras; que teve olhar diferenciado para pessoas simples e excluídas… É esse que agora entra em Jerusalém para manifestar o poder de Deus, poder que se manifesta na aparente fraqueza. Se o cavalo era o símbolo da força, o jumentinho era o símbolo do serviço. Tudo a ver com Jesus. Afinal, o próprio Jesus já tinha dito: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir…” (Mc 10.45). E, por isso, mesmo sabendo de tudo o que aconteceu nos dias seguintes, cala fundo o cumprimento da profecia: “Povo de Jerusalém, não tenha medo!” Palavra que ecoa nas Escrituras Sagradas e é anunciada nesse Domingo de Ramos para nós: “Povo de Deus, povo de Jesus Cristo, não tenha medo”.
Aqui não se trata de consolo barato. É esse “não temas” e apenas esse que nos ajuda a olhar para a realidade com a necessária coragem, sem ignorá-la. É esse “não temas” que não minimiza a dor de milhares de pessoas nesse que é o pior momento da pandemia em nosso país. É esse “não temas” e apenas esse que haverá de nos ajudar a fazer a parte que nos cabe, no cuidado, na empatia e na solidariedade. É esse “não temas” e apenas esse que vai nos fazer refletir profundamente na Sexta-feira Santa que se aproxima. É esse “não temas” e apenas esse que nos fará celebrar a Páscoa, não com a alegria de outros anos, mas com a serenidade que Deus presenteia aos seus filhos e filhas mesmo em tempos sombrios. “Em tuas mãos, ó Senhor, sempre estamos. Sempre estamos, Senhor. Sempre estamos”.
Que assim seja e que Deus nos ajude.
Amém.
P. Nilo Orlando Christmann
Blumenau – Santa Catarina, Brasilien