João 6. 1-21

· by predigten · in 04) Johannes / John, Beitragende, Cláudio Kupka, Current (int.), Kapitel 06 / Chapter 06, Neues Testament, Português, Predigten / Sermons

PRÉDICA PARA O 9° DOMINGO APÓS PENTECOSTES  | 25 de julho de 2021 | Texto bíblico: João 6. 1-21 | Cláudio Kupka |

Estamos diante da versão do Evangelho de João sobre dois episódios centrais na atuação de Jesus com seus discípulos, o milagre da multiplicação dos pães e o momento quando Jesus anda sobre as águas. São dois milagres que acontecem um após o outro.

Jesus buscou refugiar-se do assédio da multidão usando velho recurso da navegar pelo Lago Tiberíades. Mesmo assim, a multidão conseguiu alcançá-lo e ele, nesta oportunidade,  subiu numa parte mais alta e se assentou com os discípulos.

Com o passar do tempo, a questão da alimentação da multidão se tornou importante. Jesus, em vez de resolver isso de imediato, colocou a questão aos seus discípulos. Primeiro a Felipe. Este respondeu segundo uma lógica bastante material e até financeira. Ele fez as contas e apresentou o valor necessário: custaria duzentos denários de pão para a alimentar a multidão.

André, por sua vez, informa talvez meio descrente, que há um rapaz oferecendo um lanche de cinco pães de cevada e dois peixinhos.

Jesus pede que o povo se assente na relva. Ele segura o alimento ofertado, dá graças, e o distribui à multidão dos cinco mil. O povo come à vontade e se farta. É dada a ordem que se recolha o que sobrou, para que nada se perca. Isso corresponde a 12 cestos cheios.

Depois disso comentaram: Este é, verdadeiramente, o profeta que devia vir ao mundo. A empolgação foi tamanha ao ponto de querem proclamá-lo rei. Pressentindo isto, Jesus se afasta e vai sozinho a um monte, provavelmente para orar.

Ao fim do dia, quando os discípulos, sem o Mestre, tomam um barco e rumam ao outro lado do lago, a Cafarnaum. O mar começa a agitar-se em determinado momento e o vento fica forte. Jesus então aparece indo ao encontro do barco andando sobre o mar. A reação dos discípulos é de temor. Eles somente o reconhecem quando diz a eles: “Não temais!” Quando eles o recebem no barco, neste momento as ondas e o vento cessam de balançar o barco.

No primeiro milagre, há uma preocupação de Jesus com a alimentação da multidão que o cerca. Ele as acolhe apesar do seu cansaço. Acolhe e cuida da condição física deles. Mas não só isso. Paralelamente, Jesus conduz o milagre de maneira a ensinar algo aos discípulos. Quando ele lhes coloca a situação da carência de alimentos, ele quer observar sua reação. Há aqui um processo pedagógico e libertador também. Jesus permitiu que os discípulos esgotassem as possibilidades de suas lógicas econômicas e aprendessem que no Reino de Deus há um princípio diferente. Quando o jovem oferece seu lanche, surge a oportunidade de mais pessoas oferecerem seus alimentos. Ninguém andaria por lugares remotos sem levar mantimentos, certo? O maior milagre talvez fosse a possibilidade de compartilhar comunitariamente o que seria de uso pessoal. Jesus ficava observando. Não condenava imediatamente, não repreendia, mas criava oportunidades de renascimento, de compaixão e partilha.

Num mundo já tão marcado pelo interesse pessoal, ensinar a partilhar é o verdadeiro milagre. Num mundo em que o esforço pessoal, o mérito é sobrevalorizado, receber algo sem pagar por ele, é algo inusitado. Num mundo em que a carência torna as pessoas mesquinhas e egocêntricas, ver um lanchinho modesto resultar na saciedade de 5 pessoas e ainda sobrar doze cestos cheios é incomum. Não só é incomum, mas algo revelador do que Jesus representa, do seu Reino, de sua vontade ao mundo.

Vemos Jesus iluminando com seu ensino e gesto concreto a realidade marcada pelo pobre espírito humano com seus limites e condicionamentos. Jesus promove não um simples momento de distribuição de alimentos, mas um verdadeiro momento de anúncio da mensagem transformadora de seu Reino.

No segundo milagre, os discípulos estão plasticamente num barquinho frágil, à noite e à mercê das forças da natureza. Sem Jesus, eles se sentem desprotegidos, desorientados. Assim era a vida como conheciam, fossem pescadores, agricultores ou qualquer outra profissão. A vida sempre esbarra em limites humanamente intransponíveis. Parece que só resta lamentar e temer que chegue este momento de limite e talvez seja o fim.

Jesus então vem ao encontro dos discípulos, caminhando através dos mesmos elementos que para eles são sinais de perigo e morte. Ele passa ileso. Quando ele chega, sua palavra anuncia a paz, sua presença anuncia o fim do medo.

Novamente o que os discípulos podiam produzir, por eles mesmos, era o esforço de conduzir a embarcação pelo mar agitado, cruzando seu destino, em meio a muito medo e insegurança. Era ver com medo qualquer pessoa que aparecesse naquela situação com medo. Jesus irrompe dentro desta situação, como se nada o afetasse e, dentro do barco, anuncia a paz e o fim das ameaças à vida.

Novamente vemos Jesus libertando as pessoas de suas visões pequenas, egoístas e cheias de temor e oportunizando uma nova experiência de confiança, partilha e esperança. Ao ser humano que crê em Cristo, que se expõe a sua Palavra, é oportunizada pela fé, na ação do Espírito Santo, uma atitude de entrega e confiança no agir de Deus em todas as situações da vida. Cabe-nos confiar e alimentar esta fé de que não estamos sozinhos diante das ameaças da vida.

Deus se manifesta desta maneira para expressar seu grande amor para nós e por toda sua criação. A essência de Deus, manifestado em Jesus, é amor, em sua perfeição. Amor percebido através da fé e objeto de nosso conhecimento e experiência por toda nossa vida. Jesus nos ama ao no fazer esgotar-se nossa autossuficiência, ao partilhar o pão com as pessoas famintas, a oportunizar a partilha, ao permitir a angústia diante do mar revolto, ao manifestar sua presença protetora e nos dar a paz.

Mendelssohn, certa vez, visitou a Catedral de Friburgo e, depois dos ofícios religiosos, dirigiu-se ao organista e pediu licença para tocar um pouco o famosíssimo órgão daquela igreja.

O velho organista, zeloso de seu instrumento, recusou a princípio, mas diante da insistência do estranho, concedeu-lhe o desejo.

Depois de alguns momentos, passados em êxtase, deleite e surpresa, o velho homem, num ímpeto, pôs as mãos nos ombros do inspirado músico e perguntou:

– Quem és? Qual o teu nome?

– Mendelssohn.

Com lágrimas nos olhos, disse então o velho organista:

– E pensar que eu quase impedi Mendelssohn de tocar nesse órgão!

Assim devemos crer e agir, como se Cristo pudesse sempre executar sua música através de nós, seus modestos instrumentos. Nas mãos de Deus, nossas vidas viram verdadeiros milagres. Nossa comunhão modesta e humilde vira um espaço de transformação e cura. Deus nos permita sempre crer na presença transformadora de Jesus e contar com seus inesperados milagres. Amém.

P. Claudio Kupka

Porto Alegre – Rio Grande do Sul (Brasilien)

claudio@paroquiamatriz.org.br