
Lamentações 3.22–33
PRÉDICA PARA O 6º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | 30 de junho de 2024 | Lamentações 3.22–33 | Paulo Einsfeld |
Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo esteja com todos nós. Amém.
Nosso texto está bem no meio de um longo poema, um poema fúnebre, um poema de lamentações. É atribuído ao profeta Jeremias, esse poema é organizado em versos e estrofes em forma alfabética. O poeta pensou bem e planejou para que suas palavras saíssem de forma organizada, e com bom conteúdo.
Aqueles dias eram muito difíceis. O país tinha sido invadido e arrasado pelos babilônios. A capital Jerusalém, estava em ruínas. O templo fora destruído. Grande parte da população foi levada cativa para Babilônia, para o exílio. As lideranças, professores, artesãos e quem tivesse uma profissão foram levados para a Babilônia. No país ficou o povo simples e pobre: agricultores e criadores de animais. Entre eles está Jeremias.
No sul do país, também estamos passando dias difíceis. As fortes chuvas no início de maio trouxeram muita aflição e transtornos de toda ordem. Na semana em que escrevo voltou a chover forte. Há um clima de forte desânimo, falta de perspectivas, falta de esperança para muita gente. Para dentro de situações em que a esperança e o ânimo falham, a Palavra de Deus de hoje quer falar claramente conosco.
LER Lamentações 3.(19-)22-33. (sugiro incluir v.19-21)
Prezada Comunidade! No início o profeta pede que Deus se lembre dele, em sua profunda aflição. A memória de Jeremias traz à tona as dolorosas lembranças da destruição da cidade e do andar errante das vítimas pelas ruas. E naturalmente fica muito abatido. Então afirma essa preciosidade: Quero trazer à memória o que me pode dar esperança!
Jeremias decide o que trazer à memória, que são as misericórdias de Deus, o seu amor fiel que o poupou de ser existencialmente engolido pela desgraça. Também nós podemos, em parte, escolher o que lembrar: as coisas negativas e ruins, ou as coisas boas e positivas, o que de fato nos pode dar esperança.
Jeremias deixa claro o que pode reacender a esperança: colocar a memória nas misericórdias de Deus. Lembrar dos tantos momentos em que Deus nos abençoou, nos guardou de perigos, nos deu saúde no meio da doença, enfim, certamente temos muita coisa boa para lembrar. Por quê?
– as misericórdias, o amor e o cuidado de Deus são a causa de não sermos consumidos, engolidos vivos, arrasados.
– as misericórdias de Deus não têm fim, não acabam. O que acaba é a fase de dor e de sofrimento. Essa não dura para sempre. É um período, uma fase, mas o amor e o cuidado de Deus continuam sempre à nossa disposição. Vamos confiar mais. Vamos agradecer mais!
– as misericórdias de Deus se renovam a cada nova manhã. A cada nascer do sol a natureza se renova, os passarinhos cantam. Aqui no Sul do país temos vibrado com cada raio de sol , que além de secar o piso da casa, a terra e a roupa no varal, é sinal de esperança, como nosso arco-íris depois do dilúvio. Assim, insiste o profeta, as misericórdias de Deus são novas a cada novo dia. E nós somos renovados, fortalecidos, animados pelo Espírito de Deus, a brisa de Deus, o ventinho de Deus que é fresco como o ar da manhã.
Depois de engrandecer a bondade e o cuidado de Deus, o profeta descreve reações humanas diante do sofrimento, reações que ajudam recuperar a esperança.
No v. 26 lemos: “Bom é aguardar a salvação do SENHOR, e isso em silêncio! ”. E no v. 28: “Que [a pessoa] se assente solitária e fique em silêncio! ”
Nós vivemos na era do barulho, dos sons e das imagens. Somos bombardeados por ruídos que nos distraem, e de tanto volume nos fazem adoecer. Por eles somos “anestesiados” para não sentir dor e sofrimento. De tanta poluição sonora e visual, nossos sentidos ficam embotados, anestesiados, e precisamos urgentemente de uma ‘purgação dos sentidos’, nas palavras do psiquiatra Carlos Hernández. Ele desenvolveu um método de leitura devocional da Bíblia, que dá amplo espaço para a meditação em silêncio, a reflexão, a oração. E então sugere anotar, registrar no papel o que Deus falou comigo.
Esse é o silêncio restaurador. Que faz evocar boas lembranças das misericórdias de Deus. E que nos desperta para o louvor e a gratidão! Também existe o silêncio constrangedor de quem precisa calar para não sofrer mais ameaças e violência! Ou o silêncio resignado de quem já cansou de esperar por dias melhores que não vêm. O silêncio de quem já desistiu. Aliado a esse silêncio está a solidão. A percepção de que, na verdade, não tenho amigos e amigas a quem recorrer, a quem levar minha dor.
As práticas de espiritualidade cristã, pelo contrário, não incentivam esse tipo de silêncio constrangedor, nem a solidão forçada. Propõem ficar em silêncio como opção para restaurar a alma cansada. E ter condições para ouvir o que brota dentro de mim, e o que brota da Palavra de Deus que vem a mim. Propõem também retirar-se intencionalmente, e por breve tempo, do convívio social, para ter solitude. Diferente da solidão, que é imposta, a solitude é uma escolha intencional. A meditação em silêncio e solitude pode ser feita num quarto, numa caminhada ao ar livre, no assento de um ônibus ou trem, até na direção do carro (com os cuidados necessários). Ou escrevendo um diário, uma oração ou um poema pensado em versos como o profeta faz em meio às desgraças de seus dias. Desejo que você descubra o seu jeito de meditar na Palavra de Deus, e o faça com regularidade e persistência!
A nossa espiritualidade é essencialmente comunitária. Quando falamos em silêncio e solitude não estamos menosprezando o louvor comunitário, o círculo de oração, a celebração do culto, as festas de confraternização. Essas práticas adquirem novo sentido quando sabemos ficar sozinhos conosco mesmos. O pastor Bonhoeffer dizia que comunhão e solitude andam juntas, e que uma precisa da outra.
Por fim, o que pode dar esperança, e que realmente tem despertado esperança e forças para a reconstrução em nosso estado, é a solidariedade. Quantos voluntários em ação! Quantas doações de todo o país e mundo afora. Quantas Igrejas e entidades abriram seus salões para acolher pessoas desabrigadas. Ou para receber e partilhar as doações recebidas. Solidariedade é a fé colocada em ação. É a misericórdia de Deus ganhando mãos que socorrem, que alimentam, que ajudam a limpar casas. Sim, as misericórdias de Deus se renovam a cada manhã. E não acabam jamais. Nisso reside nossa fé e nossa esperança. Amém.
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Pastor Paulo Sérgio Einsfeld
Nova Petrópolis – Rio Grande do Sul (Brasilien)