Marcos 6,30-34 53-56

· by predigten · in 02) Markus / Mark, Beitragende, Bibel, Current (int.), Felipe Gustavo Koch Butelli, Kapitel 06 / Chapter 06, Neues Testament, Português, Predigten / Sermons

PRÉDICA PARA O 9° DOMINGO APÓS PENTECOSTES | 21.07.2024 | Texto bíblico: Marcos 6,30-34 53-56 |  Felipe Gustavo Koch Buttelli |

 JESUS: A COMPAIXÃO DE DEUS

 Felipe Gustavo Koch Buttelli

Que a graça de Jesus, nosso amigo e irmão, o amor de Deus e a comunhão do Espírito estejam com todas e todos vocês. Amém.

Quem é Jesus? Talvez esta pergunta possa orientar a nossa reflexão sobre o evangelho de hoje. Apresentar a identidade messiânica de Jesus é um dos interesses do evangelista, mas certamente também é nosso interesse de vida e de fé. Conhecer, reconhecer, encontrar e reencontrar este Jesus nos diferentes caminhos da nossa vida. Não se trata apenas de um interesse intelectual ou que visa compreender historicamente quem foi este personagem histórico que, cremos, revelou a presença de Deus no mundo. Mais do que isso, entendo que quando vimos ao culto, quando vamos à igreja queremos saber quem é este Jesus de um ponto de vista existencial. Diante da minha vida, onde está este Jesus? Quem é ele? Como se apresenta? Será que conhece meus dilemas? Conhece a minha dor? Será que se alegra comigo nos momentos mais felizes da minha vida? E talvez mais decisiva é a pergunta por quem é este Jesus nos momentos mais difíceis da nossa vida. Onde está quando, passamos fome e não temos condições materiais de subsistência, de uma vida digna? Quem é este Jesus quando as águas da vida chacoalham o nosso barco? Onde está ele quando nos sentimos desamparadas e desamparados na noite escura, nas dores da vida? Onde está quando estamos doentes, carentes de algum cuidado, sedentos pela cura do nosso corpo? Onde está quando o medo da morte e o luto arrancam de nós a perspectiva da vida e a esperança? Entendo que o nosso texto de hoje nos ajuda a iluminar estes questionamentos que invariavelmente fazem parte da nossa experiência humana.

Inicialmente, o contexto de nosso texto nos informa algumas coisas interessantes. Ele inicia nos contando que os discípulos voltavam do envio que receberam para ensinar sobre o Reino de Deus, anunciar a chegada de Jesus, que compreendiam ser o Messias, e para expulsar demônios e curar muitas pessoas. Voltavam certamente muito empolgados com a experiência, queriam partilhar e dividir com Jesus como ela foi.

Outra passagem importante é o texto imediatamente anterior ao nosso, o banquete no qual a cabeça de João Batista fora oferecida por Herodes a sua enteada. O banquete de Herodes faz um contraponto com o capítulo seguinte, em que Jesus reúne a multidão faminta e partilha pães e peixes, saciando toda gente. Isso nos ajuda a não perder de vista que a atuação de Jesus, por mais que responda a questões da nossa fé, também se coloca como uma crítica à forma como os governantes de seu tempo – e eu acrescentaria, de todos os tempos – destratavam as pessoas mais humildes e vulneráveis, como que promoviam desigualdades e injustiças para o benefício de uns poucos. Jesus, portanto, manifesta a identidade de um Deus, Senhor da vida, que se preocupa com a integralidade e o bem estar de todas as pessoas, que as procura pelos campos, pelos montes, nas praças, onde elas se encontram em seu abandono.

Outro fato importante de mencionar é que nossa perícope, nosso texto, inclui dois trechos do capítulo 6, pulando do versículo 34 para o 56. Mesmo que este trecho intermediário não faça parte de nosso texto, é interessante perceber do que fala. São dois trechos. O primeiro relata a multiplicação dos pães para a multidão que os seguia e o segundo é o relato em que os discípulos navegam no barco à noite em uma tempestade, quando Jesus caminha sobre as águas e acalma a tempestade. Portanto, resumidamente, lembramos que estes dois textos nos informam de duas naturezas distintas da nossa relação com este Jesus que procuramos entender e conhecer: ele sacia a fome física dos corpos das pessoas famintas e marginalizadas e ele nos acompanha pelos perigos da vida, acalma as águas bravias da vida e nos acolhe na nossa falta de fé. Uma dimensão material da nossa carência humana: a fome; e uma dimensão espiritual da nossa vida: o medo diante da morte e a nossa dificuldade de crer quando estamos assolados pelos desafios da vida.

O nosso texto se insere neste contexto e nos revela ainda outra faceta deste Jesus que se apresenta às pessoas que dele necessitam: ele cuida das usas feridas e cura as pessoas adoentadas.

Aqui retornamos à nossa pergunta inicial, “quem é Jesus” em nossa vida? Talvez a resposta que a Palavra nos ofereça hoje seja essa. Jesus é a demonstração da face misericordiosa de Deus. Jesus é aquele que tem compaixão das pessoas que o procuram e oferece graciosamente aquilo que precisam, seja o alimento, seja o consolo na falta de fé, seja a cura que precisam.

“Quando Jesus viu a multidão, teve pena daquela gente porque pareciam ovelhas sem pastor”. Esta frase revela o cerne da identidade de Deus que se revela a nós hoje. Apesar do cansaço dos discípulos, apesar de seu desejo de conversar com Jesus em particular para contar-lhe como foi a experiência de seu envio, apesar de necessitarem de um tempo para orar, para descansar, para refletir, Jesus não deixou o povo, a multidão que o procurava, no abandono. Afinal de contas, foi para isso que veio, para mostrar a compaixão de Deus pela humanidade em sua condição mais frágil e desesperada. Compaixão é a palavra grega, e não pena, como alguns textos traduzem. Esplagnisomai em grego é um sentimento/pensamento que mexe com o nosso corpo. Um amor, uma compaixão que parte das entranhas. Jesus nos revela que Deus sente uma compaixão profunda em suas próprias entranhas quando vê a humanidade – criada pelo seu amor – abandonada, carente, sem cuidados e desamparada. Como ovelhas sem pastor. Jesus é o pastor que, como nos diz o Salmo 23, nos conduz aos pastos verdejantes, às águas tranqüilas, renova nossas forças, nos conduz pelo caminho certo, está conosco mesmo quando caminhamos pelo vale das sombras da morte, de modo que não precisamos temer. Ele nos prepara um banquete e sua bondade e misericórdia nunca nos faltarão, enquanto vivermos sob o seu manto de proteção.

Esta compaixão vê nossa dor e nossas necessidades em todas as dimensões do nosso ser. Jesus nos acalenta quando estamos com fome, quando nossa fé fraqueja diante das águas turvas na noite e, como lembra nosso texto de hoje, acolhe as pessoas que buscam a cura física para seus males. “Em todos os lugares aonde ele ia, isto é, nos povoados, nas cidades e nas fazendas, punham os doentes nas praças e pediam a Jesus que os deixasse pelo menos tocar na barra da sua roupa. E todos os que tocavam nela ficavam curados.” Jesus manifesta ao mundo o poder de vida que Deus quer revelar à humanidade. A esperança de que a vida é sua perspectiva, seu projeto, sua promessa. Como diz em outra passagem, “vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.”

E aqui preciso enfrentar o doloroso questionamento que me assola neste momento de forma mais intensa, mas que chega a cada um e cada uma de nós, em diferentes momentos da vida: E quando a cura física não é a vontade de Deus para a nossa vida? Quando o buscamos incessantemente, quando pedimos fervorosamente, quando entregamos nossa frágil vida em suas mãos, mas seu toque não nos livra da dor, não nos livra de sofrer, não nos livra da morte? Como ficamos? Como encontrar esta compaixão? Permanecemos nós na noite escura? No mar agitado? Padecemos nós prostradas e prostrados no vale da sombra da morte? Um difícil questionamento que facilmente nos conduz à falta de sentido e de esperança. Martim Lutero costumava dizer que Jesus Cristo não manifesta tudo que podemos saber sobre Deus, mas certamente nos revela aquilo que necessitamos saber acerca de Deus. Há sempre algo sobre Deus que nos escapa. Há sempre um plano de vida, em sua história da salvação, que nos é desconhecido. Cristo, enquanto manifestação daquilo que precisamos saber sobre Deus, também expressa para nós a cura que necessitamos. Nem sempre é a cura que queremos, o pedido que formulamos, mas aquilo que ele próprio e somente é capaz de saber acerca da nossa real necessidade. Por mais que discordemos e nos revoltemos, Jesus Cristo nos estende a mão e nos oferece sua compaixão na forma em que ele julga necessária, que nem sempre corresponde com o que esperamos. Por isso ainda existem pessoas com fome, por isso também as pessoas que crêem são assoladas pelo medo, também as que crêem padecem da dor, do sofrimento e da morte, assim como o próprio Jesus viveu, no abandono da cruz.

Aliás, a cruz é o princípio orientador da mensagem do Evangelho de Marcos. A compaixão de Deus, que se manifesta nos sinais por vezes abundantes, por vezes raros do seu reino em nosso meio, se completa na cruz. A cruz é a recordação de que nem mesmo Deus foi capaz de livrar seu próprio filho da injustiça da vida, da dor, do sofrimento decepcionado e da própria morte. A cruz é o sinal maior da compaixão de Deus, porque nos lembra que a promessa de vida que Cristo nos faz não se encerra na ambigüidade deste mundo injusto, mas se expande para a vida eterna, na qual viveremos nós, que acolhemos as suas promessas. A ressurreição, por fim, é a grande dádiva oferecida, sinal maior da vitória da compaixão de Deus, que nos convida à derradeira esperança de que, apesar de todo pranto e toda a dor, viveremos na plenitude de sua bondade e de seu amor, quando formos acolhidos em sua morada.

Assim nos permite concluir o salmista: “Certamente a tua bondade e o teu amor ficarão comigo enquanto eu viver. E na tua casa, ó Senhor, morarei todos os dias da minha vida.”

“E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará vossas corações e mentes em Cristo Jesus”. Amém

  1. Dr. Felipe Koch Butelli

Goiânia – Goiás (Brasilien)

felipebutelli@yahoo.com.br