
Mc 4.35-41
PRÉDICA PRAO 5º Domingo após Pentecostes: 23/06/24 | Texto de prédica: Mc 4.35-41 | Claudio Kupka |
Título: O poder de Jesus e a nossa fé
- Quando a gente percebe que a vida é mais complexa que imaginávamos, podemos ter duas reações. Uma negativa porque algo dentro de nós prefere simplificar para resolver logo a questão e ir em frente. A positiva vem da bela experiência de não querer dar a última palavra sobre nada. De ficar na expectativa de aprender algo novo, de conhecer perspectivas novas e mais profundas sobre a vida. A sabedoria muitas vezes. “A quem sabe esperar, o tempo abre as portas“, diz um Provérbio Chinês.
Nada que Jesus tenha dito, feito, ou vivenciado desde seu nascimento, tem somente uma simples leitura narrativa ou interpretação. Tudo tem um forte aspecto simbólico. Ou seja, cada texto possui muitas camadas de interpretação, preservando assim às gerações futuras a possibilidade de interpretá-los à luz de diferentes contextos e perspectivas diferentes daquelas dos protagonistas originais. Para depreendermos estas outras camadas de interpretação, precisamos começar nos aproximando do significado imediato e original aos discípulos de Jesus.
- Pode-se dizer com segurança que Jesus, na medida em que vai desenvolvendo seu ministério, atrai e envolve cada vez mais pessoas. Essa popularidade cresce na medida em que Jesus se aproxima de comunidades mais pobres e marginais do âmbito judaico no império romano. Quanto mais perto de Jerusalém, ao contrário, ele vivencia mais sinais de questionamento e desconfiança. Quanto mais perto da Galileia, mais popularidade e um clima até de euforia cerca seu ministério.
É possível imaginar que a pregação de Jesus à beira do lago de Genesaré tenha animado bastante os seus discípulos. A multidão que o queria ouvir e a pressão até física dela sobre o Mestre os obrigou a buscar um refúgio. Lembraram de buscar um barco, aquele velho conhecido de alguns deles, para Jesus sentar-se e se comunicar melhor a partir dele da beira do lago.
Quando Jesus decidiu encerrar a fala, os discípulos se organizaram para a travessia do lago. Os pescadores do grupo certamente puxaram a frente. Jesus nem voltou a pisar no solo firme. Já saiu da pregação direto para a travessia. Quem se despediu do povo foram os discípulos.
- Depois daquele momento de popularidade e ao mesmo tempo calmo, era fácil imaginar que a travessia aconteceria no mesmo clima. No entanto, a narrativa estava prestes a revelar uma primeira mudança de clima; apresentaria um primeiro contraste.
O vento começou então a soprar mais forte e o mar a se agitar. Isso é comum naquele lago. Há fatores topográficos e climáticos que promovem estas mudanças bruscas no clima em pontos específicos do lago. Ele pode inclusive apresentar instabilidades comparáveis ao ambiente marítimo.
O clima de preocupação foi aumentando especialmente entre os menos experientes em navegação. Com a piora dos fatores climáticos creio que a situação chegou ao ponto de preocupar até os experientes pescadores do grupo. Apesar de haver supostamente vários barcos envolvidos, a história é contada pela ótica de quem está no barco de Jesus.
- Então é descrito um novo contraste. Os discípulos não podem deixar de reparar que Jesus está deitado na proa do barco dormindo enquanto o caos se instala pela tempestade que se formou. Não demorou para ele comentarem sobre o fato. O questionamento entre os discípulos cresceu a tal ponto de decidirem acordar Jesus. O Mestre não poderia ficar alheio à sua agonia. Acordaram então a Jesus perguntando se ele fazia pouco caso da morte deles.
Vejam como a percepção das ameaças que sofriam os faziam ter medo e fortalecer somente a perspectiva do pior cenário de suas vidas! Eles se alimentavam desta perspectiva e, por conseguinte, sua ansiedade dava lugar à agonia e ao desespero.
- Então enseja-se um novo contraste na narrativa. Os gritos e o barulho do vento e das ondas dão lugar à ordem de Jesus, que se coloca de pé no barco e dizendo para o vento e água se aquietarem. E impressionantemente tudo se acalmou imediatamente.
A reação de Jesus não se dirigiu somente à natureza, mas também aos discípulos. Ele perguntou sobre sua timidez e sua falta de fé.
No entanto, os discípulos pareciam não ter a capacidade de regir às palavras de Jesus, porque ainda estavam fixados no momento anterior. Eles ainda estavam tentando entender melhor a grandeza daquele que tinha a capacidade de mandar calar ventos e ondas.
- Aqui residiu um primeiro problema da fé de seus discípulos. Ela facilmente sucumbe aos temores provocados pelas ameaças da vida. Ela não os aproximava de Jesus para que ele os confortasse ou, pelo menos, os ajudasse a lidar com seu medo. Eles o acordaram do sono especialmente porque estranharam que Jesus não compartilhava de sua agonia e, ainda mais, dormia.
Sua fé não os aproximou do Jesus, o Filho de Deus, nem os ajudou a tirar as conclusões mais profundas dessa constatação. Se ele ajudou tantas pessoas, não poderia ser solidário a eles em sua agonia? Se o Filho de Deus cura as pessoas, ressuscita mortos, porque não poderia também acalmar ventos e ondas?
- Agora podemos transportar a reflexão deste texto de uma maneira bem mais clara à nossa realidade humana hoje. É possível que a presença de Jesus em um momento nos traga uma paz e uma alegria ímpar. Mas é possível que noutro haja uma reviravolta e nos encontremos envolvidos em tormentas agonizantes.
Esse fato indicaria nossa falta de fé em si? Não exatamente, nos revelaria a dimensão mais humana de nossa vida, sua imprevisibilidade. A falta de fé se mostraria na nossa incapacidade de reagir aos diferentes contextos como pessoas que confiam sempre na presença amorosa e protetora de Jesus em nossa vida.
Mas creio que há outra camada de interpretação neste texto que vale a pena aprofundar. Diz respeito à demonstração de Jesus ao interferir nos fenômenos físicos da natureza. Cabe aqui ressaltar seu poder divino e lembrar que Jesus estava com o Pai na criação do mundo.
É como se Jesus nos dissesse: Meus queridos, lembrem sempre que eu tenho o poder soberano de mudar qualquer situação. Não há nada que esteja longe de meu poder. Não há poder humano, de pessoas maliciosas, de exércitos violentos e cruéis, de forças destrutivas da criação que não possam ser vencidos pela minha simples palavra. O nosso texto deu um dos exemplos desse poder.
É como se Jesus dissesse na sequência: Mesmo que eu pudesse mudar tudo ao seu redor, não o faço necessariamente. Eu lhes dou, no lugar, a fé. O que liga vocês, seres humanos vulneráveis, a mim é a fé. O que lhes servirá como mediação com qualquer realidade será simplesmente a fé. A fé em mim. E é com esta fé que devem viver cada dia. É a fé que será mediadora de sua humanidade contraditória e limitada à dimensão última de superação do mal, do pecado, da falta de liberdade e da morte.
À primeira vista, o mundo os verá como quem sucumbe ao sofrimento, ao mal e à morte. Porém, aos olhos da fé, não. A fé os colocará sempre ao alcance do que é intangível, do eterno e da plenitude. Pela fé crerão até o fim no meu amor e no meu poder.
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- Claudio Kupka
Porto Alegre – Rio Grande do Sul (Brasilien)