Romanos 5.1-5

· by predigten · in 06) Römer / Romans, Beitragende, Current (int.), Hans Alfred Trein, Kapitel 05 / Chapter 05, Neues Testament, Português, Predigten / Sermons

PRÉDICA PARA O 1º DOMINGO APÓS PENTECOSTES – 12.06.22 | Texto da prédica:  Romanos 5.1-5 | Hans Alfred Trein |

Cara Comunidade de Jesus Cristo,

Em sua carta aos Romanos, à Comunidade Cristã na capital do império, ou seja, “na toca da onça”, o apóstolo Paulo apresenta seus aprendizados sobre Deus, ponto por ponto: a lei não salva, apenas revela o pecado. Só Deus justifica. Não apenas um povo (Israel), mas toda a humanidade. Salva gratuitamente. Essa graça é acessível pela fé em Jesus Cristo, princípio da nova humanidade e aperfeiçoada pelo Espírito Santo que age dentro das pessoas e comunidades, moldando a sua nova vida.

A primeira pergunta é: a que lei o apóstolo está se referindo? Quando nós falamos em lei, nos referimos às leis do país, à Constituição Federal, ao Código Civil ou Penal. Mas, Paulo não se referia às leis do império. Como judeu piedoso que era, procurava em toda sua vida cumprir as 648 leis que estavam prescritas aos judeus, na firme confiança, de que o seu cumprimento levaria à salvação. Teve que cair do cavalo e ter uma visão de Jesus, para reconhecer que as leis não salvam, apenas revelam o nosso pecado.

Ainda hoje, temos em nossa igreja muitas pessoas que argumentam: “não matei, não roubei, não pulei a cerca…! Trabalho, pago meus impostos. Portanto, sou uma pessoa boa. Pode ser que cometo um errinho aqui e ali. Mas, no essencial estou no caminho certo. E para esses deslizes do cotidiano, o pastor nos dirige em confissão de pecados e nos concede a absolvição, de modo que podemos sair da igreja aliviados”. Teve até uma pessoa que contestou a confissão de pecados em cada culto, pois entendia que “não tinha pecados”.

Há vários equívocos nessa forma de compreender o que seja lei e pecado. Sobre esses pensamentos há basicamente duas coisas a dizer:

1º Os mandamentos são dez e não só três. Além do mais, falta um que se tornou muito necessário considerar, nos tempos atuais: as assim chamadas redes sociais, facebook, whattsapp, instagram, telegrama…, nos induzem a infringir repetida- e irrefletidamente o 8º mandamento, quando repassamos notícias chocantes e fake News para os nossos contatos, sem tirar o tempo de conferir, se são verdadeiras. Com isso, estamos espalhando literalmente mentiras e assassinando reputações de pessoas. Sobretudo o campo da política é infestado desse tipo de pecado. O que antes era pecado cometido de boca em orelha, agora se espalha em velocidade global. E tem gente produzindo mentiras, para exatamente confundir as pessoas e alimentar o ódio. Nós temos apenas 10 mandamentos a cumprir e não o conseguimos. Jesus os reduziu a dois mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Se formos honestos, nem isso conseguimos. Nem amar a nós mesmos (nada a ver com egoísmo!), sabemos, que dirá, amar a Deus sobre todas as coisas.

2º Vivemos numa estrutura econômica, social e política que é pecaminosa. Às vezes, utilizamos palavras para encobrir nossas ações pecaminosas: preferimos utilizar a palavra “ambição” que goza de prestígio social entre as pessoas de bens, porque é feio falar em “cobiça” ou “ganância”. Pessoas consideram que é um bom negócio, comprar algo bem baratinho de uma outra pessoa que está “com a corda no pescoço”. Profissionais liberais ganham com doenças, dentes cariados, brigas na justiça… Quase 70 % dos brasileiros está endividada e sujeita às chantagens do sistema financeiro com seus juros escorchantes. Aumentou o número de bilionários, durante a pandemia. A riqueza dos poucos está construída sobre a miséria dos muitos. Quem comprou ações da Vale do Rio Doce, quando foi privatizada, obteve 6.000% e lucro, segundo o comentarista econômico da CNN; nenhuma palavra sobre o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, cuja instabilidade tinha sido avisada, e que custou a vida de muitos trabalhadores e moradores do entorno. Gasolina e diesel aumentaram de preço, causaram inflação, exorbitaram os lucros da Petrobrás… o povo paga, os acionistas ganham. Os mecanismos de expropriação são tão sofisticados que a gente quase não consegue desmascará-los; tem de ler muito e debater muito, para conseguir desmascarar a ideologia que a tudo legitima.

Com algumas raras exceções, as leis que dão consistência jurídica ao pecado estrutural, são leis feitas por deputados e senadores, acossados por lobistas, chantageados por financiadores de campanha eleitoral, movidos por interesses corporativos ou familiares. Só a título de exemplo: quando a “lei áurea” aboliu a escravidão, os agora libertos não receberam terra ou algum outro meio de ganhar a vida; foram libertados da escravidão para o desemprego. Dois anos depois, foi proibida a capoeira. Ao redor de 50 anos mais tarde, foi aprovada a “lei da vadiagem” que punia pessoas que não tinham meios de ganhar sua vida. Essa lei é raramente aplicada, mas vale até hoje e figura como uma espada sobre as cabeças de todos os descendentes de escravos. O pecado estrutural é responsável pela miséria e pela violência contra afro-brasileiros pobres como Genivaldo, e causa a morte violenta de favelados e policiais com o joelho no pescoço de suspeitos negros. A maioria de nós sequer consegue imaginar o que é viver dentro de uma pele negra no Brasil!

Às vezes, as pessoas que vivem dentro de uma estrutura pecaminosa, não são individualmente causadoras das mazelas consequentes. Um exemplo: uma pessoa que nasceu na Suíça, vai crescer e se desenvolver numa sociedade que lhe dá alvissareiras perspectivas, terá uma vida boa; e isso, justamente onde os bancos, por muitos anos, aceitaram esconder e manter sigilo sobre grandes quantias de dinheiro desviado por ditadores de países africanos e latino-americanos, cujos povos, até hoje, vivem no subdesenvolvimento. Essa pessoa não cometeu pecado, mas se beneficia e, portanto, participa do pecado estrutural de seu estado e do sistema financeiro. Sua única alternativa é se empenhar por justiça social para os povos que pagaram essa conta. Resumindo: se você participa de um sistema econômico e político, em que ricos ficam cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres, então você participa do pecado estrutural que produz a desigualdade nessa sociedade, mesmo que individualmente esteja respeitando as leis do país, pois leis também produzem injustiça e desigualdade.

A lei não nos garante uma convivência justa e pacífica, como Jesus a anunciou. Isso não significa que não devêssemos nos esforçar para melhorar as leis e torna-las mais justas, como uma consequência do amor que Deus nos devotou. Essa seria uma forma de traduzir politicamente o amor de Deus que não é devotado apenas a indivíduos, mas às nações.

Uma justificação pela fé só traz paz com Deus, se tiver consequências de justiça para os mais fracos. A graça de Deus que não resulta em justiça social, é uma graça rejeitada. Ou, como disse um pastor sobre aceitar a graça de Deus: “o céu já é nosso! Vamos meter as mãos na terra”! Vamos focar toda a nossa ação no mundo. Tudo recebemos de graça; estamos libertos até mesmo de nos preocupar com a nossa salvação transcendental e podemos nos dedicar ao amor e à solidariedade nesse mundo. Essa é a demanda política que Deus espera daqueles que Ele libertou! Lutero disse que “tudo o que não está a serviço, é roubo”! Deus nos torna justos por sua graça; recebemos essa graça através de nossa fé; concretizamos a sua graça, nos empenhando por justiça social.

Além disso, tudo o que temos em posses, dons, habilidades foi recebido; nada é mérito ou conquista nossa. Ninguém pode ter alguma coisa, se ela não tiver sido dada por Deus (João 3.27; 1 Coríntios 4.7). Ou seja, a graça de Deus não se refere apenas à salvação transcendente, mas também já à nossa vida aqui e agora! A graça deveria desembocar em gratidão. E a gratidão em serviço. Certa vez, ouvi de um fazendeiro no Mato Grosso: “Graças a Deus, tudo o que tenho, foi por meu próprio esforço e trabalho”. É uma frase contraditória. Ou é graças a Deus, ou é por meu próprio esforço e trabalho. Essa afirmação serve para justificar os seus bens diante de outras pessoas que não os têm. Essa pessoa não é grata pelo que tem; ela não entende que recebeu, o que tem; não terá a consequência de colocar seus bens a serviço de outros. É muito estranho, pois trabalhadores que levantam as 04:00 horas da manhã, pegam dois ônibus, para trabalhar 12-14 horas por dia, depois voltam pra casa, lá pelas 22:00 quando as crianças já estão dormindo, você nunca vai ouvir dizer: tudo o que não tenho é por meu próprio esforço e trabalho. Também soa como absurdo, contrassenso?

Pessoas que entendem que a graça recebida de Deus as compromete com a justiça social, certamente não são benvindas entre aqueles que legitimam ideologicamente o sistema injusto e desigual em que vivemos. Haverá tribulação, haverá sofrimento, haverá difamação, haverá perseguição. Mas, ao final, a verdade prevalecerá à mentira. Para isso, é necessária a paciência histórica, uma esperança politicamente ativa em amor e solidariedade aos mais fracos em nossa sociedade. Assim estaremos seguindo a Jesus Cristo, para a glória de Deus. Amém.

P. Me. Hans Alfred Trein

São Leopoldo – Rio Grande do Sul (Brasilien)

hansatrein@gmail.com