1 Coríntios 15. 12-20

1 Coríntios 15. 12-20

PRÉDICA PARA O SEXTO DOMINGO APÓS EPIFANIA – 13 DE FEVEREIRO DE 2022 | Texto bíblico: 1 Coríntios 15. 12-20 | Ricardo Brosowski |

Chegamos ao sexto domingo após a Epifania! O termo “epifania” vem do grego e significa “aparição”. Pode-se dizer que a epifania é a manifestação de Deus no mundo através da pessoa de Jesus Cristo e de sua obra. A Epifania é celebrada após o Natal. Estamos longe do dia de finados (2 de Novembro)! A Páscoa ainda demora mais de dois meses! Porém, hoje refletimos sobre a ressurreição. Estranho, falar de ressurreição fora desses dias, onde esse é um ponto principal? Sim, mas é Domingo, dia do Senhor! E falar sobre a ressurreição sempre é lembrar de um sustentáculo fundamental da fé cristã e de toda a sua esperança, anúncio e vivência.

Contudo, essa esperança cristã, por vezes, passa desapercebida na vida do cristão. O motivo disso se dá na visão incompleta que o ser humano, também o cristão, tem da sua vida. Temos uma facilidade tremenda em nos envolver com o aqui e o agora. Mesmo o mundo religioso contemporâneo tem caído na armadilha de supervalorizar esse aqui e agora, e, em inúmeros casos, tem desprezado a escatologia – os eventos futuros, pela exacerbação dos sentimentos, conquistas (próprias), vivências do cotidiano.

Essa “coachização” da fé, só mostra a falência daquilo que aparenta ser esperança; confiar apenas nas próprias forças não conduz a lugar nenhum, a não ser desgraça. Experimentar apenas as emoções efêmeras que o ser humano possui, leva a crises existências gigantescas. As alegrias são passageiras, os elogios interesseiros, etc. Diante disso vem a pergunta: onde encontrar forças para manter a esperança humana realmente, viva?

Convido para lermos o texto de 1 Coríntios 15.12-20…

Corinto era a capital da província da Acaia, uma cidade imponente, importante e com ares cosmopolitas. Ela foi destruída no século II a.C, e refundada no ano de 44 a.C. A comunidade desta cidade surgiu um século após essa refundação. A cultura multiversa de Corinto pode ser percebida também dentro da comunidade, que é formada por cristãos que vieram tanto do mundo judaico, quanto do gentílico. Era uma comunidade formada por homens e mulheres; pobres e ricos; jovens, velhos e adultos. Enfim, a comunidade de Corinto tem todos os traços de uma comunidade normal (como as nossas hoje em dia).

O capítulo 15 da primeira carta de Paulo aos Coríntios, possui uma espécie de testamento do apóstolo. O pesquisador Udo Schnelle diz que “Paulo desenvolve aqui, a partir do credo da Sexta-feira Santa e da Páscoa, os eventos finais da parousia (volta) do Senhor”.

Aquilo que difere a vida de Jesus Cristo da vida dos outros seres humanos é apresentada de modo lógico: Morreu, como dizem as Escrituras; foi sepultado; ressuscitou, como dizem as Escrituras; apareceu para alguns discípulos.

A vida religiosa tem como algo constante a morte de seus membros seguida do sepultamento. A ideia da morte como sendo certa alimenta um medo como nenhum outro tema dentro da existência humana. Ninguém consegue explicar, de modo satisfatório aquilo que ocorre durante e após a morte. Talvez não seja satisfatório dizer que a morte é o maior problema humano; contudo, é sim o seu maior mistério! Em grande medida a tentativa que não refletirmos sobre ela, de não meditarmos sobre o que advém com a sua chegada, faz com que, também não reflitam os sobre bases imprescindíveis da fé cristã.

Vemos academias cheias de pessoas, remédios cada vez mais avançados (quase milagrosos), uma tentativa de rejuvenescimento – quase retardante, por vezes – infundada, cremes de rejuvenescimento que prometem a ausência de rugas, injeções de toxina botulínica, cirurgias plásticas, harmonizações faciais, criogênese. Essas são, em última análise, uma tentativa de alcançar a eternidade. Mesmo que essa eternidade se acabe a qualquer momento.

Na antiguidade era comum a ideia de,  que quando a morte chegava, o corpo morria, contudo, a alma ficava livre para efetivar sua participação no eterno. O filósofo e imperador romano Marco Aurélio disse: “A morte liberta a nossa alma, pois o corpo é sua prisão”. Já o filósofo Platão, ao falar das últimas horas de vida de seu mestre Sócrates, diz que a alma subsiste à morte do corpo. Inclusive a alma já existia antes mesmo do corpo, e ao nascer com o corpo, chega a um mundo imperfeito e precário.

Como podemos perceber, em alguns momentos da história existe um apreço ao corpo em detrimento à alma, como vemos na atualidade. A busca da imortalidade está na conservação material do corpo. Em outros momentos, como no mundo dos antigos filósofos, há um desprezo pelo corpo e um apego à alma, como sinônimo de liberdade.

Essa divisão é combatida pelo Apóstolo Paulo. O ser humano morre inteiro (corpo e alma) e inteiro (corpo e alma) ressuscitará! Contudo, essa mensagem de ressurreição, em muitos casos, parece estar meio distante da realidade das pessoas. Se não conseguimos compreender coisas que ocorrem cotidianamente, como a morte – ainda mais em tempos de pandemia – como compreender a ideia da ressurreição, a qual não testemunhamos com os nossos olhos?

Em tempos assim, o maior testemunho que a Igreja Cristã tem a oferecer à sociedade e à vida das pessoas é a mensagem da ressurreição! E tudo isso, por ela não se basear nas forças humanas, que têm se mostrado falhas, tentativa após tentativa. A ressurreição está baseada no conteúdo da vida e obra de Jesus Cristo: “se ele ressuscitou, é certo que nós também ressuscitaremos. Claro que mundo do Novo Testamento não conseguiu compreender isso. Nós também temos essa dificuldade.

Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) reflete em sua obra “Jesus de Nazaré”, que, ainda que se tire a ideia de ressurreição do âmago da tradição e ética humanas, a fé cristã ainda teria muito a contribuir sobre a visão de quem é Deus e quem é o ser humano, sobre como as coisas são e como elas deveriam ser. Contudo essa tradição e ética possuiriam uma fé morta. Sem a ressurreição a fé cristã seria apenas uma filosofia de vida. Assim, Jesus seria uma personagem como outro qualquer, que possui certa grandeza, mas, por permanecer em ares apenas humanos, seria uma personagem falida.

Quando isso ocorre, a mensagem de Jesus Cristo apenas é considerada quando convence aquele que ouve; quando pode ser compreendida e comprovada pela racionalidade falha que o ser humano possui; ou, ainda pior, quando a mensagem é útil para alguém.

Quando se abdica da ressurreição, se abdica do conhecimento do próprio Cristo. Filipe Melanchthon, humanista da época da Reforma,  afirma: “Conhecer a Cristo significa conhecer os seus benefícios”. Quem é esse Cristo? Quais são seus benefícios?

O texto bíblico nos aponta dois.

– Libertação dos pecados!

O ser humano está afastado de Deus por causa do pecado. Esse pecado leva a morte e a condenação. Jesus Cristo é o elo que liga Deus ao ser humano. Essa ligação não é feita por obra humana, mas por obra divina. Paulo faz uma correlação entre a ressurreição de Jesus e a libertação dos pecados. Assim, podemos dizer que, negar a ressurreição torna a pregação e mesmo a confissão de pecados nula e vazia. Afinal, a consumação do perdão dos pecados, que sinaliza esperança de vida para o ser humano, é a ressurreição de Jesus Cristo. Se Cristo não tivesse ressuscitado ainda estaríamos perdidos em nossos pecados, egoísmos, crises e dores.

Sem a concretização desse perdão dos pecados e a libertação que isso gera, o ser humano seria levado ao desespero. E esse desespero se mostraria no vazio de sentido e esperança, conduzindo ao tédio, apatia e alienação generalizadas. Sem a concretização do perdão, pela ressurreição de Jesus Cristo, o ser humano estaria condenado a contar apenas com suas próprias forças, que são poucas, insuficientes e falidas.

– A eternidade verdadeira!     

 É verdade que em boa medida, parte da  cultura mundial se dá como herança do mundo judaico-cristão. Nossas leis, nossa constituição, nossos costumes, as festas (como o Natal e a Páscoa) são celebradas até por não cristãos. Ninguém nega que elas são uma herança boa que marca de forma positiva a vida do mundo. Mesmo assim, elas não conseguem imprimir no mundo a marca da eternidade.

As pessoas continuam tentando alçar essa tal eternidade através de suas forças. Técnicas, medicamentos, exercícios, que são saudáveis (e devem ser praticados). Entretanto, eles apenas dão saúde e retardam o envelhecimento. Não concedem a tão sonhada imortalidade.

A esperança não pode ser depositada no próprio humano. Ela é extra nos, é de fora! A esperança de eternidade vem não como conquista, mas como graça, como presente. E ela também se concretiza na ressurreição de Jesus Cristo.

Negar a ressurreição é negar o eixo que faz a fé cristã ser tão atrativa. Se a esperança da vida eterna e vida após a morte é desfeita pela não efetivação da ressurreição, nenhuma esperança resta. Sem essa esperança, o ser humano encontra apenas consigo mesmo e com sua total desgraça. A ideia de desesperança pode ser traduzida como uma “doença” humana, na qual ele percebe que não consegue realizar-se a si mesmo, nem mesmo possui algo que possa o realizar. Negar a ressurreição é viver a morte do eu – tanto na imanência quanto na transcendência. Negar a ressurreição é, em última análise, assinar o atestado de finitude, insuficiência e desequilíbrio humanos, como sendo a última alternativa.

Contudo, sempre podemos recorrer aos credos que sintetizam a fé da Igreja: Credo Apostólico – “creio…na ressurreição do corpo e na vida eterna”; Credo Niceno – “confesso…e espero a ressurreição dos mortos e a vida eterna”; Credo Atanasiano – “à sua chegada todos os homens devem ressuscitar com seus corpos e vão prestar contas de seus próprios atos”. Essa é a fé da Igreja.

Não é uma fé morta, é uma fé viva, pois contempla em sua totalidade, a esperança da ressurreição – e do perdão dos pecados, pois como cristãos, cremos que a pessoa de Cristo, morreu, foi sepultado e ressuscitou. E vivemos na promessa de que esse também será o nosso destino: morrer, ser sepultado e ressuscitar.

Que essa esperança baseia nossos atos, pensamentos e palavras. Amém.    

Pastor Ricardo Brosowski

Campo Novo do Parecis – Mato Grosso (Brasilien)

brosowski_ric@yahoo.com.br

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