Atos 10.34-43

PRÉDICA PARA O DOMINGO DE PÁSCOA | 17 de abril de 2022 | Texto bíblico: Atos 10. 34-43 | Felipe Gustavo Koch Buttelli |

Igreja Pascal: Acolhedora, inclusiva e hospitaleira

Que a graça do nosso irmão Jesus, o ressurreto, Deus vivo, o amor de Deus criador e mantenedor da vida e a comunhão do Espírito de acolhida e hospitalidade estejam com vocês. Amém

Caras irmãs e caros irmãos em Cristo,

Feliz Páscoa! Desejo que esta Páscoa represente um ressurgir da vida para cada um e cada uma de vocês, individualmente, nas dores, medos e sofrimentos que vivemos nestes tempos difíceis, mas que seja também um momento de vivificar a Igreja de Jesus, da nossa comunidade, para uma nova vida de acolhida e aceitação mútua! Gosto de pensar que os evangelhos devem ser lidos de trás para a frente, porque o fundamento da nossa fé, o surgimento da igreja que nos congrega é justamente a Páscoa! A ressurreição é o único e verdadeiro fundamento da nossa esperança. Porque, como diz Paulo, se Jesus não tivesse ressuscitado, nós ainda viveríamos na desesperança. 

Nós todas e todos conhecemos o poder devastador da morte. Vivemos em nossa vida dores e sofrimentos. Nos indignamos com a maldade humana e com a injustiça que se perpetua a cada dia, que exclui, que segrega, que violenta nossos corpos, que destrói a nossa esperança e, como a morte, nos deixa no abandono da solidão e da falta de sentido. Se Jesus, minhas irmãs e meus irmãos, tivesse permanecido pendurado na cruz, com seu corpo violentado, com sua dignidade destruída, com o peso da humilhação, com a condenação injusta, com a morte sem sentido, então seria apenas mais um como nós, que padece, sofre e morre, numa lógica massacrante de vida que não faz nenhum sentido. 

Mas não foi isso que aconteceu! Ele ressuscitou! Jesus Cristo vive, e não está mais sujeito ao poder da morte, da maldade, da injustiça e do sofrimento! E ao ressuscitar, cria uma nova perspectiva de vida para nós! Nos possibilita um novo olhar sobre a vida, sobre nossos sofrimentos, sobre nosso luto e nossa morte, sobre as injustiças e sobre a maldade. Nem a morte, nem a dor, nem o sofrimento, nem a injustiça imperam como realidade última, que encerra e limita o sentido de nossas vidas. Páscoa é vida nova e novo sentido para a vida! Por isso, quando digo feliz Páscoa, digo exatamente isso: que você possa hoje, novamente, readquirir o sentido pleno para sua vida, que seja lembrada ou lembrado que nosso Deus é Deus da vida e que seu desejo para nós é que vivamos a vida abundante que ele nos oferece através de sua ressurreição!

O texto de hoje nos fala sobre a Páscoa como criação da igreja! A Páscoa cria uma nova vida de esperança, e um novo modo de viver para a igreja, da qual todas e todos nós somos parte. E essa novidade é realmente transformadora! E para entendermos o texto de Atos 10, melhor seria lermos o capítulo inteiro. Uma história muito significativa! Um anjo de Deus aparece a Cornélio, um comandante do exército Romano em Cesaréia. Um estrangeiro que era temente a Deus e cuidava dos pobres, como o texto ressalta duas vezes. Este homem recebe a mensagem do anjo de que deveria convidar Pedro para ir a sua casa e lhe pregar o evangelho. Cornélio, um pagão, envia seus servos para convidar Pedro para uma visita. Ao se aproximarem da casa em que Pedro estava, também Pedro teve uma visão. Via descer do céu algo parecido com um lençol estendido, sobre o qual estavam carnes abatidas de forma impura para a Lei judaica. Pedro se nega a consumir estes alimentos, por não consumir alimentos impuros, já que era um seguidor da Lei judaica. A voz de Deus precisou repetir por três vezes a ordenação para Pedro comer os alimentos, até que o lençol subiu aos céus novamente. Deus lhe dizia: “Não chame de impuro aquilo que Deus purificou”. E Pedro, ao refletir sobre o significado desta visão, recebe a visita dos servos pagãos de Cornélio. Ele entende que deveria ir à casa de Cornélio. Ele chega nesta casa e, ao entrar, os lembra: “pela lei judaica, eu não poderia me aproximar de vocês, muito menos entrar na sua casa e ter refeição com vocês”. Cornélio o recebe com familiares e amigos, ansiosos para descobrir o significado da mensagem do anjo. 

Ali acontece nosso texto. Em que Pedro prega o evangelho. Testemunha sobre a vida de Jesus, que culmina no relato da ressurreição: “Deus ressuscitou Jesus no terceiro dia e fez com que ele aparecesse a nós”. Este é o ápice, o centro de sua mensagem, que cria uma nova perspectiva de vida para a família de Cornélio e para todas as pessoas da casa! Pedro entende que esta nova revelação de Deus não lhe permite mais fazer diferenciação entre as pessoas. E para a surpresa dos discípulos que acompanhavam Pedro, após ouvirem a mensagem, todos na casa receberam o Espírito Santo e manifestaram os carismas e dons do Espírito de Deus! Pedro, espantado, diz: “Como é possível que nós não os batizemos, se eles foram aceitos pelo próprio Deus”.

Por trás deste texto está um debate fundamental da igreja que nasceu após a ressurreição de Cristo e após Pentecostes, quando os discípulos e as discípulas receberam o Espírito de Cristo. Paulo defendia que gentios, pagãos, não precisavam cumprir os preceitos da Lei judaica para se tornarem pessoas cristãs. Pedro, ao contrário, demandava que gentios se deixassem circuncidar e que deveriam viver de acordo com a Lei judaica. Para Pedro, a fé cristã era quase que uma seita, um setor reformado do judaísmo. Para Paulo, a ressurreição de Cristo universalizava a fé cristã, de modo que todas as pessoas são aceitas por Deus pela fé, e não pelo cumprimento da Lei judaica. Prevaleceu na igreja a visão de Paulo. E este nosso texto é a manifestação clara de que Pedro é convencido pela visão que teve e pela manifestação do Espírito na casa de Cornélio, de que Deus não faz acepção de pessoas. Não nos distingue por raça, por cultura, por religião, por classe social, por origem étnica, por posição política, por orientação sexual. Nenhuma diferença humana é capaz de justificar a exclusão e a rejeição das pessoas na igreja de Jesus.

Na Páscoa surge uma nova igreja, universal, inclusiva, hospitaleira, acolhedora e que vive na unidade de todas as diferenças. Por isso, a Páscoa é a nova perspectiva de vida para cada uma e cada um de nós individualmente, mas também é a nova criação de Deus através da sua igreja. Criação de uma nova forma de vida para nós, uma forma de vida totalmente diferente do que experimentamos no mundo. E essa constatação me leva a perguntar a vocês: Quem são as pessoas que nós não admitimos na igreja? Quem são as pessoas que julgamos indignas de estar em comunhão conosco? Quem são aquelas pessoas insuportáveis, com as quais você não quer conviver? Quem são as pessoas que você julga moralmente inaceitáveis? Quais falhas morais elas possuem? Quais erros cometeram? Qual a razão que leva você a pensar que Deus não as aceitaria? Acho que cada um de nós, se for honesto consigo mesmo, vai saber quem são essas pessoas.

Seriam as pessoas descartadas e marginalizadas em nosso tempo? São as pessoas que professam outra fé? São pessoas de outros países, de outras culturas? São os pobres e humilhados da nossa sociedade? São pessoas de outras raças, outra cor de pele? As pessoas que não vêm perfumadas e bem vestidas aos nossos olhos? São prostitutas? São mulheres solteiras? São homens agressores? Bêbados, desempregados? Pessoas doentes? Com alguma deficiência? São indígenas com suas culturas diferentes? São gays, lésbicas, pessoas que vivem sua sexualidade de modo diferente? É quem vota no candidato que nós odiamos? É alguém de direita ou de esquerda, que nós insistimos em odiar e perseguir? Quem são os pagãos de nosso tempo? Quem são os gentios? Quem é Cornélio em nossa igreja? Olhe para o lado. Veja quem está ao seu lado. Veja quem não está. Quem é o Cornélio que insistimos em não aceitar, em não acolher, em não abraçar, em não receber, em não respeitar, em não entender, em não amar, em não perdoar, em não perceber.

É neste Cornélio, nesta pessoa que não aceitamos, que Deus expressa sua mensagem de Páscoa para nós. A ressurreição de Jesus Cristo, que nos dá nova vida, nova perspectiva, nova esperança, expressa sua radicalidade quando nós percebemos que o Espírito do Cristo vivo se expressa justamente naquelas pessoas que menos esperamos. Essa é a verdadeira novidade de vida na igreja! Esta é a nova fé, a nova igreja, o novo povo de Deus que nasce na Páscoa! Esta novidade transforma todos nossos preconceitos, todas as leis morais, todos os nossos juízos e reforma a nossa visão. Assim como Pedro, nós podemos nos perguntar: “Estas pessoas receberam o Espírito Santo como nós também recebemos. Será que alguém vai proibir que sejam batizadas com água?” Esta é a nova humanidade, a igreja pascal, na qual todos e todas nós somos recebidas e acolhidas com amor. Que hoje nós possamos celebrar e comemorar essa libertação, e que possamos viver e reforçar a nossa identidade como igreja acolhedora, hospitaleira e inclusiva, igreja pascal, igreja de Jesus.

“Lâmpada para meus pés é a tua Palavra, Senhor, e luz para o meu caminho”. Amém

P. Dr. Felipe Gustavo Koch Buttelli

Goiânia – Goiás (Brasilien)

felipebuttelli@yahoo.com.br

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