QUINTA-FEIRA  DA PAIXÃO

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QUINTA-FEIRA  DA PAIXÃO

PRÉDICA PARA A QUINTA-FEIRA  DA PAIXÃO – 01.04. 2021 | Texto bíblico: Marcos 14.12-26| Ilmar Kickhoefel |

Não foi um jantar qualquer!

Num tempo no qual podia haver aglomeração e partilha de refeições num mesmo ambiente, Jesus e seus discípulos estavam atentos aos detalhes da celebração da Páscoa judaica. Cumpriam, assim, a tradição, ao celebrarem o “Pessach”; memorial de libertação do Povo de Israel da escravidão no Egito.

Conforme a narrativa, durante aquela ceia especial, Jesus partilhou a respeito da traição a Ele, da parte de alguém do próprio grupo. As suspeitas ficaram no ar; o nome do traidor não foi citado (apenas dadas indicações!), pois o suposto estava presente à mesa. Jesus não o excluiu, mesmo conhecendo suas más intenções.

De igual modo, Jesus deixou estar ao Seu lado aquele que, mais adiante, o negaria e que tantas vezes havia se manifestado efusivamente a favor de Jesus. Assim como também permitiu que os demais celebrassem com Ele, mesmo que escandalizados com os acontecimentos futuros que viriam, O abandonariam e fugiriam.

Ao final das contas, todos ali tinham alguma “culpa no cartório”, seja por medo, omissão ou outros interesses. Fica a impressão de que naquele acolhimento de Jesus havia uma grande dose de compaixão (como sempre fizera!), e talvez até a vontade de lhes conceder a oportunidade para “caírem em si” e repensarem seus propósitos.

Todavia, nem todos os abandonos, negações e traições são conscientes. Muitas vezes, são burlados e movidos por ignorância. Tendem a acontecer em situações de tensão, levando ao desequilíbrio emocional. De todo modo, importa que Jesus não os tenha impedido do acesso à mesa da comunhão.

Ainda que as “máscaras” estivessem por cair, não ocorreu ali nenhuma seleção prévia, da parte de Jesus, em relação aos participantes dignos ou não. Todas aquelas pessoas ali reunidas, independentemente do caráter de cada uma delas, tiveram a chance de participar da festa da reconciliação!

Por mais indigesta que possa soar essa atitude de Jesus, ao permitir que pessoas que se diziam próximas a Ele, mas capazes de traí-lo e mentir a Seu respeito (!) – fossem toleradas, aceitas – está resguardado com este gesto também a nossa aceitação! Porque igualmente nós somos pessoas falhas e descumpridoras de bons votos.

Apesar das nossas contradições, somos incluídas e incluídos na mesa do amor, oferecida por Jesus! Bem-vindas e bem-vindos somos, graças à misericórdia divina! A proposta de Jesus, portanto, exemplificada naquela ceia especial, visou alcançar a todas as pessoas.

Já ao contrário, normalmente nós é que excluímos pessoas!!! Assim como, muitas vezes, é a pessoa que trai a confiança que a si mesma se exclui da relação de proximidade e acaba atraindo o afastamento. A consciência não tranquila a respeito de si “deixa escapar” que a pessoa parece saber de seus atos. Pois, por mais que tente negar, seus pecados e maldades permanecem à sua frente, como “espelho”, lembrança e culpa…

Daí que, em certa medida, todos os discípulos falharam na relação com Jesus! Conscientes ou não, houve silêncios, conivências! Portanto, é em benefício do perdão dos pecados de cada um deles, de todas e de todos nós que Jesus se oferece como “alimento” (e se faz Pão e Suco = Corpo e Sangue!) naquela que se tornaria conhecida como a Última Ceia…

Daí que não foi uma ceia qualquer!

Por isso que, naquele contexto, as Palavras da Instituição ganharam um sentido tão profundo, um valor incalculável que perdura até nossos dias: “Tomai; isto é o Meu Corpo… Isto é o Meu Sangue, o sangue da (nova) aliança, derramado em favor de muitas pessoas!”

Conhecemos o desenrolar da trama narrada, a partir da nova perspectiva pascal, a Páscoa Cristã! Compreendemos os acontecimentos desta “novidade”, tendo em mente a sequência dos fatos que a ela conduziram: perseguição, prisão, condenação, crucificação, morte e ressurreição!

Todavia, no Pessach judaico era comum trazer à memória o trágico episódio da morte dos primogênitos, quando Deus protegeu aos filhos dos israelitas. Além disto, no “mês nissan” (que corresponde ao mês de março ou abril do nosso calendário!), era escolhido um cordeiro novo, sem manchas, a ser preparado e consumido por cada família.

Quando ainda eram escravos no Egito, Moisés havia ensinado ao povo que o sangue deste animal deveria ser utilizado para pintar os umbrais das portas das casas, em “sinal de proteção”. E a carne precisaria ser consumida assada, acompanhada de pães sem fermento e de ervas amargas, em referência aos tempos difíceis dos antepassados.

Por isto, em memória à fuga da escravidão, deveriam também “festejar” a Páscoa vestidos como quem se prepara para uma viagem muito importante. No caso de Jesus, que reinterpretaria esta celebração, seria uma “viagem” com vistas ao futuro…

Um futuro que, naquela época, falava de alguém carregando um cântaro de água, como indicador do local de onde a páscoa seria celebrada. Hoje, este momento presente-futuro certamente traria como referência álcool em gel, hospitais, ambulâncias, etc.

Sobre a Última Ceia, a maioria das pessoas tem em mente a famosa e pintura de Leonardo Da Vinci (concluída em 1498), na qual Jesus aparece sentado no centro de uma longa mesa, com seis discípulos de cada lado. Ultimamente, em virtude da pandemia, esta imagem tem dado lugar a um Jesus “solitário” naquela gigantesca mesa, conectado vitualmente com Seus discípulos…

Todavia, sabe-se que, pelas informações à época, não se utilizavam mesas altas ou cadeiras. As refeições comuns eram feitas no chão mesmo, sobre um tapete. Já as ceias festivas aconteciam ao redor de uma mesa baixa e as pessoas se recostavam sobre um espécie de almofadas para saborear os alimentos.

O que importa é que, na Festa da Páscoa, dá-se ênfase à comunhão, seja ela familiar, grupal ou comunitária. Na Páscoa Cristã, Jesus se torna “alimento e bebida”. Isto é o essencial; Ele basta! “Ele” e os desdobramentos do significado disto tudo. Não precisamos de mais, nem de muito!

Jesus é, ao mesmo tempo, aquele que serve e que é servido; o que partilha e é partilhado; o garçom e o prato principal. Já não há mais necessidade do antigo cordeiro pascal dos judeus, pois Jesus mesmo se tornou o cordeiro sacrificado, que “lava” os pecados… Não há mais razão para outro tipo de derramamento de sangue inocente neste mundo.

Portanto, não foi um jantar qualquer!

Com a Instituição da Ceia houve o oferecimento de uma nova aliança, de outra interpretação da páscoa! Trata-se de um gesto de amor e salvação que visa abolir todo e qualquer tipo de sacrifício de pessoas, animais, natureza, vidas (entrementes, no Brasil, mais de 300mil para a Covid!). Jesus, em Sua muita misericórdia, toma sobre Si os males deste mundo; também os sofrimentos de tanta gente, de tantas famílias na atualidade!

A Ceia, portanto, é um presente de Deus; espécie de “abraço” (tão contido entre nós, por ora!). Acolha, pois, esta Ceia de Generosidade com ação de graça, louvor e alegria, pois é dádiva. Jesus, ao dizer que jamais beberá do fruto da videira até a chegada do Reino, nos mostra que ela é promessa a ser concluída no Reino de Deus – começa aqui, mas é concluída acolá!

Portanto, sentar à mesa com alguém significa “despojar-se” de orgulho e arrogância, e ser humilde, sem más intenções. Em meio a pratos, talheres e copos – feito Jesus (!) – deixar-se ser, de forma verdadeira (!), proximidade, oportunidade, intimidade!

No caso de Jesus, foi um “Jantar de Despedida” e de preparação ao enfrentamento do Getsêmani e do Monte das Oliveiras… A Santa Ceia nos lembra de que, às vezes, passamos por vales profundos – feito este no qual a humanidade se encontra há mais de um ano – mas que Deus “é” conosco. Deus não nos abandona. Não estamos sós! Assim como, ainda que pessoas nos decepcionem, não podemos abrir mão delas.

Ainda que, por ora, não possamos nos assentar às mesmas mesas, a graça de Deus nos alcança e a vida se renova, apesar de tudo! Há de se renovar… Estejamos nós onde e como estivermos, sigamos confiantes, mesmo em meio aos nossos próprios “calvários”. Se for possível, que também nós consigamos seguir adiante, louvando a Deus, na esperança de que “novos tempos de ceia” estão por vir.

Tempos de renovação haverão de vir, em memória a uma “Ceia Sagrada”, porque não foi um jantar qualquer!

Quando tudo isto passar, a exemplo de Jesus, partilhemos a “Ceia da Vida” com sensibilidade, fé e afeto. E, enquanto este dia não chega, não sejamos pessoas indiferentes e omissas; busquemos caminhos criativos para alcançar outras pessoas com um amor espiritual, virtual, verdadeiro!

Deus nos ajude!

Amém.

P. Ilmar Kieckhoefel

Sapiranga – Rio Grande do Sul, Brasilien

ilmarkieckhoefel@gmail.com

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