Filipenses 3. 4b-14

Filipenses 3. 4b-14

PRÉDICA PARA O 5º DOMINGO NA QUARESMA | 3 de abril de 2022 | Texto bíblico: Filipenses 3. 4b-14 | Kurt Rieck |

Estimada Comunidade!

“Que a graça e a paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo estejam com vocês.” (Efésios 1.2)

Faltam 7 dias para a Semana Santa. Nos preparamos para festejar a vitória da ressurreição e suas consequências. As palavras escritas por Paulo aos Filipenses expressam a sua ruptura com seu relevante passado, dando um novo direcionamento de vida, provocado graças ao encontro que o Cristo ressurreto teve com ele.

Pense numa corrida. Nela acontece um antes, a partida, o transcurso e a chegada.

Antes
Sempre há uma história que antecede o início de uma corrida. Eis o que aconteceu com o apóstolo Paulo. Seu primeiro nome foi Saulo de Tarso. No conceito judaico, ele era o exemplo mais perfeito de uma pessoa temente a Deus. Judeu de berço, circuncidado ao 8º dia, conforme determinava a Torá. Era da linhagem de Israel, nome dado para Jacó por ter lutado com Deus. Sua filiação vinha da Tribo de Benjamim, filho de Raquel, que recebia um lugar especial na aristocracia israelita. Dos 12 filhos de Jacó, apenas ele era nascido na terra prometida. Raquel faleceu no parto de Benjamin. Saul é descendente dessa tribo, de quem Paulo recebeu o nome de Saulo. Embora tenha nascido na cidade pagã de Tarso, foi para Jerusalém estudar “aos pés de Gamaliel” (At 22.3). Ao mencionar que era “hebreu de hebreus”, refere dominar a língua hebraica. Dentre os segmentos religiosos, Saulo era fariseu, grupo que se distinguia por seu fervor religioso. Designados como “separatistas”, consagram suas vidas ao observar os mínimos detalhes da lei, portanto, conhecedor do significado de sua exigência. Os fariseus julgavam-se espiritualmente corretos do judaísmo.

Saulo era um homem coerente com a teologia que havia estudado, irrepreensível, inculpável quanto à „justiça que há na lei”. Tratava com todo o “zelo” a sua fé, a ponto de desejar, com o uso da força, banir os adversários da fé judaica (At 8.3). Odiava Cristo e os cristãos.

Partida
A corrida cristã de Paulo inicia no caminho de Damasco, conforme relatos do livro de Atos capítulo 9. Quando por Cristo foi tocado, Saulo experimentou uma mudança radical em sua trajetória, a ponto de alterar o seu nome para Paulo. Ele foi encontrado por um valor maior do que aquele que até então fazia parte das suas convicções. Essa experiência, com sua sistematização minuciosa, encontramos relatada na carta aos Romanos 3.21 a 5.21. “Para Paulo, o Cristo de Deus tinha assumido a maldição da lei em lugar do pecador, que não pudera cumpri-la (Gl 3.13)“. (Lindolfo Weingärtner),

Justiça é tema central nas buscas do apóstolo. O que vem a “ser justo”? Saulo lutava por um conceito de justiça que se dava no comprimento da lei. Então lhe foi permitido compreender que a relação justa com Deus se dá na fé em Jesus Cristo.

Para Paulo o caminho da paz com Deus não é o caminho das obras, do mero cumprimento de leis, mas sim o caminho da graça.

“Conhecer” a Cristo proporciona uma nova partida. Está relacionado a um conhecimento pessoal, que se difere de um conhecimento intelectual. Trata-se de uma experiência espiritual ou de fé que uma pessoa tenha experimentado: “ganhar a Cristo” (v.8), “ser achado nele” (v.9), “mediante a fé em Cristo” (v.9).

Transcurso
No transcurso da corrida de sua vida, o apóstolo Paulo sistematizou o pensamento cristão nos iluminando ainda hoje. O amor incondicional de Deus pela humanidade está revelado em Cristo Jesus.

No entanto, de muitas maneiras o ser humano tenta domesticar a Deus. Pode ser por obras, por atos de caridade, pelo cumprimento de ritos e leis. Essa tentação sempre vem à tona. A Igreja de Cristo tem suas recaídas e volta a criar artimanhas (muletas) que visam alcançar a salvação pelas próprias mãos. Cito uma frase de Alex Martins que atualiza essa tentativa: “Cansado de ver Jesus sendo vendido, não mais por 30 moedas, mas por um carnê, um desafio, uma campanha, um pacote de sal, uma rosa, uma chave, uma pulseira, um anel … a diferença de hoje é que os judas não se suicidam mais”.

A autocrítica do povo de Deus precisa ser constante. Ao longo da história pessoas foram encontradas por essa graça. A exemplo do apóstolo Paulo, nos lembramos de Agostinho, Lutero, Bonhoeffer e tantas outras pessoas, entre os quais você e eu, a quem foi revelado a grandeza do evangelho de Jesus Cristo. “Confiar na carne” é semelhante a confiar nas indulgências. Somos justificados por fé e não por obras.

Conhecer a Cristo é conhecer o poder da ressurreição. Trata-se de um poder dinâmico, vivo, que está a impulsionar a vida de todo cristão. Saulo desejava ser aceito por Deus por intermédio da obediência à lei. Por intermédio do Cristo ressurreto, Paulo foi alcançado pela fé. A justiça própria é a lei. A justiça de Deus é a fé em Cristo Jesus.

Dialoguei com um pai que perdeu seu filho de 24 anos para o Covid-19. Trazia consigo muita revolta. Estava inconsolável. Expressou que não conseguia acreditar em Deus. Lhe falei que uma epidemia não é vontade de Deus, e que as pessoas agem sobre a natureza, causando diferentes situações que causam a morte. Somos imensamente pequenos a ponto de um organismo tão minúsculo provocar uma queda tão grande. A fé em Cristo nos ajuda a enfrentar os sofrimentos, tendo como perspectiva a ressurreição dos mortos. A dor proveniente da morte de uma pessoa querida é imensamente maior quando há ausência da fé no Cristo ressurreto.

O Messias conquistou Paulo para fazer parte dessa maratona, onde tropeços podem acontecer. Seguimos sendo pecadores, sabendo que o Espírito Santo nos santifica. “A perfeição” se dará quando o alvo for alcançado. Paulo possivelmente se dirigiu aos adeptos da filosofia gnóstica, que acreditavam ter alcançado a perfeição.

O que tudo se passa na lembrança do apóstolo ao escrever: “esqueço aquilo que fica para trás” (v. 13 NTLH)? A catarse que Cristo fez na vida de Paulo possibilitou uma nova história.

Chegada
A corrida tem um alvo determinado. Um prêmio será concedido. Essa corrida segue em movimento, até a linha da chegada e está relacionada com a “justiça que procede de Deus, baseada na fé” (v.9) e com a “ressurreição dentre os mortos” (v.11). Não há a hipótese de poder acomodar-se antes do seu final.

O chamado de Cristo vocaciona e determina a rota da corrida na qual também nós nos encontramos. A vocação é soberana, grandiosa, sublime, por se tratar de um chamado divino, força transcendente que nos põe em movimento.

Na Sexta-feira Santa e na Páscoa está o nosso ponto de chegada. “A cruz e a ressurreição estão inseparavelmente vinculadas. A cruz é tão essencial à ressurreição quanto esta àquela. Mas, sem a ressurreição, esta seria simplesmente a cruz do martírio. O sinal da vitória está na luz da ressurreição. ” Gustaf Aulén

Cristo proporcionou em Paulo a radical mudança que trouxe luz sobre as suas convicções religiosas. O seu passado foi perdoado. A nossa primeira reação é desejar que raios e trovões caiam dos céus sobre a cabeça de um canalha da estirpe de Saulo. Mas Deus age diferente. Deus age na alma de uma pessoa. Por pura graça, o que era promotor de morte, tornou-se promotor de vida. O clamor de Jesus destrona esse grande líder judeu, quando experimentou pessoalmente o poder da ressurreição e participou no sofrimento de Cristo.

Que o Cristo ressurreto liberte da descrença e das falsas crenças. Que possamos dizer, a exemplo de Paulo: “fui conquistado por Cristo Jesus”.
Amém.

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P.em Kurt Rieck
Porto Alegre – Rio Grande do Sul (Brasilien)
kurtrieck@gmail.com

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