Isaías 42. 1-9

Isaías 42. 1-9

PRÉDICA PARA O 1º DOMINGO APÓS EPIFANIA | 8 de janeiro de 2023 | Isaías 42. 1-9 | Harald Malschitzky |

Irmãs e irmãos em Cristo.

A Bíblia, a rigor, não é um livro, mas sim uma biblioteca. Até o nome BÍBLIA já é um coletivo. Seus textos foram sendo escritos durante séculos. Mas a sua riqueza não está só no número de livros que estão nesse livro; ela está também nos tipos literários: Há reflexões teológicas, como o relato da criação, por exemplo, há relatos históricos, há cânticos e poemas (um livro inteiro!), há textos que expressam uma alegria e gratidão imensas, mas há também textos que expressam desespero  último (podem ser encontrados em Jeremias e Jó e clamadas na cruz do Gólgota); temos quatro evangelhos que buscam seguir as pegadas de Jesus e temos cartas, muitas cartas; e aí está o Apocalipse, uma categoria literária bem própria. E não só isso: Por detrás de milhões de palavras bíblicas estão pessoas diferentes umas das outras, com seu jeito de pensar e de escrever (confira como exemplo a história de Natal contada por Lucas e a contado por João!), com experiências próprias de fé e de relacionamento  com Deus. Não é por menos que Lutero diz que os textos bíblicos são como uma erva de perfume: Quanto mais a maceramos, mais perfume ela exala!

Por tudo isso é assustador que nosso parlamento e também a câmara de vereadores de um município catarinense aprovaram um documento estabelecendo que só uma versão determinada da Bíblia é válida para uso e ensinamento. Com isso – ao que parece – se tenta congelar a Bíblia, torná-la um texto raso e – suspeito eu! – impedir uma pesquisa pormenorizada que ponha em dúvida “saberes” rasteiros e o uso indevido dos textos como o podemos ouvir e assistir por aí. Isso sem falar em ainda outro aspecto: Em um estado laico o estado não pode legislar sobre religião e crenças!

O texto bíblico sugerido para a nossa reflexão de hoje é uma passagem do livro de Isaías 42. 1-9. Vamos ouvi-lo. Por si só, esse texto já conspira contra qualquer uniformização.  O estudo amplo dos textos revelou que esse texto é um cântico, quase uma espécie de liturgia. No livro de Isaías existem mais dois cânticos assim. Se fala  do servo de Deus e de seu papel dado por Deus através de seu Espírito. E o conteúdo deste papel é o contrário da prática que se conhece nas relações humanas e até em igrejas beligerantes.  Olhemos alguns detalhes mais de perto.

O servo de Deus não gritará palavras de ordem. Somos confrontados com palavras de ordem de governantes e dos seus opositores. Quantas palavras de ordem ouvimos nos últimos tempos em nosso país, também em igrejas onde armas eram exibidas? Quantas palavras de ordem de ambos os lados na guerra da Ucrânia? Lamentavelmente palavras de ordem em favor da guerra de parte da cúpula da Igreja Ortodoxa Russa também ecoam…

O servo de Deus não esmaga nem apaga o que já está fraco… O que se diz nas palavras de ordem aqui e acolá? Se apregoa a força,  o heroísmo, o forte… Enquanto isso, o servo de Deus, em sua fragilidade,  se atravessa no caminho e prega o direito sem se deixar intimidar e sem fazer concessões. Que direito é esse? O direito a uma vida digna, um fôlego de vida plena. Esse direito não começa em um tribunal, não é uma concessão ou favor, não se enquadra na prática do “toma-lá-dá-cá”,  mas ele faz parte da dignidade que Deus empresta a todos os seres humanos. Esse estado de direito, por si só já leva à prática da justiça, mercadoria tão em falta aqui e em todos os cantos do planeta.

Esse servo – seu saber e sua conduta, sua vida – é constituído mediador entre os povos, raças e nações… Na verdade o povo,  que talvez ouviu esse texto em celebrações bonitas por vezes repetidas, não quiz ou não pôde tirar as consequências da mensagem, tanto que, segundo nos ensina o Novo Testamento, Deus se  revela definitivamente em Jesus Cristo que é descrito com características bem semelhantes às dos cânticos de Isaías.  É possível seguir passo a passo o perfil do servo sofredor na caminhada do Nazareno. O convite, o desafio é que ao menos o povo que se diz seguidor de suas pegadas e de seus ensinamentos, que com ele se vincula através do batismo e da eucaristia, sejam coerentes não divorciem o dizer do fazer, a fim de que os outros neles se espelhem e, quem sabe, arrisquem se aliar de corpo e alma. Mas isso só pode acontecer se o mundo, tal qual ele é, for o espaço de vida e testemunho… Mas, tantas vezes o recado que se passa – que passamos – é outro: discursos de ódio, armas, violência; comportamentos de arrogância e luta por poder dentro das igrejas e entre as igrejas. Assim – e essa é a verdade – nos afastamos do servo de Deus sofredor em favor da vida plena, para nos tornarmos um clube marcado pelo pecado. Também decisões parlamentares sobre textos bíblicos não mudam nada, antes escondem a maldade com uma fachada piedosa!

Estamos iniciando um novo ano com temores e esperanças, sem uma bola de cristal que nos revele em detalhes o que vem pela frente. As previsões que andam por aí em geral são pura enganação. O convite, o desafio é pôr em prática, passo a passo, aquilo que Deus propõe no perfil de seu servo, que não arredou nem se desviou, ainda que isso lhe custasse a morte na cruz.

Que o Cristo, servo de Deus sofredor e libertador,  caminhe conosco e nos faça voltar ao caminho quando buscarmos nossos atalhos dando ouvidos a promessas mirabolantes.  Amém

P.em. Harald Malschitzky

São Leopoldo – Rio Grande do Sul (Brasilien)

harald.malschitzky@gmail.com

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