João 1.29-42

João 1.29-42

Prédica para o 2o Domingo após a Epifania | 15 de janeiro de 2023 | Texto da Prédica: João 1.29-42 | Gottfried Brakemeier |

Prezada comunidade!

A tentação não poderia ser maior: João Batista havia chamado atenção na sociedade de seu tempo. Conclamara ao arrependimento e praticava o batismo como sinal de um novo início na vida. Daí o nome João Batista. Verdadeiras caravanas se dirigiam ao rio Jordão, lugar da atuação desse pregador. Queriam ouvir sua mensagem e submeter-se ao rito que a confirmava. Era grande a repercussão entre o povo. João castigava os pecados com palavras duras e contundentes. João Batista, um grande profeta, que sensibilizou a consciência daquela gente! Estava inaugurando, assim parecia, uma grande conversão social.

Nasce daí quase que naturalmente a pergunta: Quem é você? Já há tempo estamos aguardando a chegada daquele que vai mudar o curso da história, acabar com as injustiças, combater a miséria. Por acaso és tu o Cristo, o enviado de Deus, o grande profeta? João Batista tem tudo para convencer o público de ele ser o tal salvador, homem de Deus, prometido nas sagradas escrituras. Eu repito: A tentação é grande. João Batista poderia ter aproveitado a chance para se projetar, para colher aplausos e glória, para receber as honras de um dos personagens grandes da história humana. É assim que costuma acontecer. Que bom ser reverenciado pelo povo como cumpridor dos anseios populares, das promessas divinas, como alguém que traz de volta os tempos paradisíacos do passado. João Batista, nosso herói! Um político de mão cheia, de discurso com bons projetos, de boas as intenções. Portanto, João Batista um autêntico “Cristo”?

Não! De jeito nenhum! O Batista resiste à tentação. Ele nega ser o Cristo. E se não é, será ele então o profeta Elia que conforme convicção popular iria voltar antes do fim dos tempos? A resposta é curta e clara: Não, não sou! Ele é categórico: Não aceita nenhuma dignidade excepcional. Ele se contenta com o papel de uma simples testemunha. Ao ver chegar Jesus em sua direção, ele exclama: Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Ele aponta para Jesus de Nazaré. É este o conteúdo principal da pregação do Batista, a saber, Jesus, o verdadeiro Cristo. E como ele sabe isto? Ele confessa que não o conhecia, mas quando fez a experiência do batismo de Jesus, tudo mudou. Naquele ato ficou patente que Deus estava com ele, que o Espírito Santo pousou sobre ele, que Deus distingue Jesus e proclama ser este seu Filho. É o que João dá a conhecer a todo o mundo. Este é o seu testemunho.

Aliás, ele dá a este uma forma muito peculiar, usando uma expressão não propriamente corrente na época. Ele fala de Jesus como cordeiro de Deus. Com isto ele se insere na tradição do servo de Deus que no capítulo 53 do livro do profeta Isaías achou seu grande depoimento. Este servo carrega o pecado do mundo, sofre o castigo que caberia aos injustos, que é esmagado pelas transgressões do ser humano. No mesmo contexto encontra-se a comparação com o cordeiro que é conduzido ao matadouro sofrendo, sem abrir a boca. É claro que este capítulo sempre atraiu particular atenção na tradição cristã. Enxergou nele um paradigma da sorte de Jesus Cristo. O crucificado parecia ser o retrato fiel do servo de Deus. Para tanto contribuiu decisivamente o testemunho de João Batista que apregoou o Nazareno como “cordeiro de Deus.”

É uma imagem que em nossos dias é estranha. Para entender importa recorrer ao antigo rito da expiação e à festa correspondente. Uma vez por ano Israel celebrava o perdão dos pecados. Ainda hoje é este o sentido do dia da reconciliação. Deus apaga as iniquidades de seu povo e concede-lhe o reinicio de sua existência. (Lv 16) Para tanto o sacerdote oficiante lança mão de dois bodes. Um deles é sacrificado, sendo o seu sangue aspergido no altar e nos demais utensílios do templo. É assim que se acreditava conseguir a purificação dos mesmos. O outro é mandado ao deserto depois que o pecado ter sido descarregado em sua cabeça. Desse modo o povo se livra de sua culpa diante de Deus. Aliás, o povo não se livra ele próprio. É Deus que o faz. Ele é que tira o pecado do mundo. O bode, no qual se depositou o pecado do povo, leva as iniquidades qual carga pesada e as aniquila. Pois é claro que no deserto aquele bode não tem condições de sobreviver. Vai sucumbir miseravelmente, tragando juntamente com sua morte tudo aquilo com o que o povo aborreceu seu Deus e Senhor. No linguajar de hoje a ideia sobreviveu na expressão “bode expiatório”. É usado como sinônimo de alguém em que sempre de novo se despeja culpa e mais culpa.

É este o pano de fundo da imagem do cordeiro de Deus. Jesus é qual cordeiro que carrega a culpa da humanidade e a aniquila. Por ele temos o perdão dos pecados e a restituição da paz com Deus. E de fato, a leitura da história da paixão mostra Jesus como vítima da mais infame maldade. Todo tipo de ódio se precipita sobre ele, seja em forma de traição, calúnia, sarcasmo, sadismo ou outra. Jesus sofre a zombaria de quem assiste o seu calvário. Está sendo abandonado pelos seus mais íntimos seguidores. Ele morre em absoluta solidão, na qual até mesmo Deus parece ter sumido. “Deus meu, Deus meu! Por que me desamparaste?” (Mc 15,34) Eis suas últimas palavras. O crucificado é de fato a imagem do cordeiro de Deus que carrega o pecado do mundo e com isso o tira.

E por que o evangelista nos conta tudo isso? Ora, porque é testemunha. Ele quer convencer outros a que também vejam em Jesus o cordeiro de Deus. Entre estes Simão Pedro e seu irmão André estão em primeiro lugar. Trata-se do início da comunidade cristã. Ela se congrega à base da confissão da messianidade de Jesus. A todos os membros é comum que confessam: Nós cremos que em Jesus achamos o Messias de Israel, o Cristo. Mais adiante ouvimos de Natanael, outro discípulo, aliás no mais pouco conhecido. Assim se multiplica o número dos seguidores. O testemunho de João de Batista desenvolveu admirável dinâmica.

Isto teria sido diferente, se João não tivesse resistido à tentação de assumir o papel de um Cristo. Podemos tranquilamente afirmar que ele teria fracassado com tal presunção. Todas as pretensões de pessoas que se portam como “salvadores” vão ruir por terra quando descabidas e flagrantemente a serviço da auto promoção. Ninguém possui capacidades messiânicas. Por isto cuidado com promessas enganosas de políticos e outras pessoas públicas. Será que estão ludibriando as pessoas de quem pedem os votos? Estarão buscando vantagens próprias respectivamente, a fama de benfeitores da humanidade? A humildade de João é profundamente simpática e, na verdade, a única atitude realmente convincente. A salvação provém de Deus, o ser humano na melhor das hipóteses é ajudante e cooperador.

E quem garante que nosso testemunho seja verdade? Nós não temos experiência semelhante à que foi feita por João Batista no batismo de Jesus. Mas nós temos outro poderoso recurso. Jesus diz: Venha ver! Vamos estudar a vida de Jesus. Vejamos o que fez e ouçamos o que disse. Isto equivale em muito uma experiência como aquela do batismo de Jesus. Então: Eis o cordeiro de Deus. Se quiseres prova dessa verdade, “Venha ver”!

Amém.


P. Gottfried Brakemeier Nova Petrópolis, RS brakemeier@terra.com.br

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