João 10.22-30

João 10.22-30

PRÉDICA PARA O 4º DOMINGO DE PÁSCOA | 8.05.2022 | Texto bíblico:  João 10.22-30 | Gerson Acker |

Que a graça e a paz de Cristo, o amor de Deus Pai e a sabedoria do Santo Espírito estejam conosco. Amém.

Conta uma pequena história: “Um estranho certa vez declarou a um pastor sírio que as ovelhas conheciam a roupa e não a voz de seu dono. O pastor disse que era a voz que elas conheciam. Para provar isto, trocou de roupa com o estranho, que se meteu entre as ovelhas com a roupa do pastor, chamando as ovelhas imitando a voz do pastor, e tentando guiá-las. Elas não reconheceram sua voz, mas, quando o pastor as chamou, embora estivesse disfarçado, as ovelhas correram de imediato em resposta à sua chamada”. (RICE, Orientalisms in Bible Lands, p. 159-161).

As ovelhas são animais gregários, sensíveis e inteligentes, são capazes de distinguir diferentes expressões da face de outros integrantes do rebanho, identificar os componentes do grupo, lembrar-se de acontecimentos ocorridos há dois anos e, reconhecer a voz do seu pastor. As ovelhas não têm dúvidas quando o assunto é reconhecer o seu tutor. Penso que não somente a voz, mas a forma de manejo e a forma de agir do pastor faz com que as ovelhas o identifiquem e tão logo o sigam.

O capítulo 10 de João é um verdadeiro “aprisco” no qual a temática do pastor e de suas ovelhas é desenvolvido com diversas nuances. Na perícope em estudo, há uma pergunta central dirigida a Jesus: “Você é ou não o messias?” (v. 24c NTLH). No contexto das primeiras comunidades cristãs, responder essa pergunta representava algo identidário, no mundo pós-moderno com seus próprios desafios e tantos “falsos messias”, essa questão precisa continuar sendo pauta. Além disso, no ambiente hostil, em que viviam as primeiras comunidades cristãs, as palavras do Cristo que promete “vida eterna” e que “ninguém as arrebatará de sua mão” (v. 28) oferecem segurança e fortalecem a comunidade a continuar resistindo.

Jesus afirma que “as minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem” (v. 27 ARA). Três verbos ganham destaque e indicam a profundidade da relação entre Jesus e as pessoas que em torno dele se congregam: ouvir, conhecer e seguir. É imprescindível ‘ouvir’ a voz do pastor. O verbo ‘conhecer’ expressa uma relação existencial, profunda, íntima com o Cristo. O verbo ‘seguir’ significa aderir a seus ensinamentos, às suas propostas e ser cúmplice de seu projeto. Logo, conhecer e seguir culminam no discipulado!

Jesus deixa evidente, ao longo de seu ministério,  que sua forma de viver e pregar são inseparáveis. Seu falar e agir apontam para a íntima relação que ele tem com o Pai. Sua pregação e suas ações (curar, salvar, ensinar) mostram sinais da vida eterna. Portanto, os discípulos e as discípulas de Jesus do passado e do presente reconhecem o messias como aquele que com palavras e ações prega o amor e aponta para o Reinado de Deus. Aqueles que não creem nisto, “não são minhas ovelhas” (v. 26b), diz Jesus.

Confesso que tenho um pouco de dificuldade com esse tipo de sentença de exclusão. Como comunidades cristãs buscamos ser inclusivas e acolhedoras, mas não podemos obrigar ninguém a seguir a Cristo – exceto que tenhamos uma visão doentia e deturpada do que é a missio Dei.

Há que se perceber que algo essencial está em discussão – o ser ou não ser ovelha é uma questão de escolha! Ser ou não ser ovelha é questão de fé. Porém, uma vez a escolha sendo feita, o ser ovelha aponta para uma existência de constante discipulado. O que identifica uma ovelha, segundo o evangelista João, é o escutar, o conhecer e o seguir o pastor. Sejamos sinceros conosco mesmos, nossos “apriscos-comunidades” estão cheios de ovelhas surdas (como o famoso meme: “xoxa, capenga, manca, anêmica, frágil e inconsistente”), que não conhecem plenamente o Evangelho e que têm dificuldades e criam obstáculos para seguir o Bom Pastor…

Obviamente que não podemos romantizar o discipulado! Optar por ser ovelha é um constante desafio. É romper com a ideia de que o ser ovelha é sinônimo de passividade e permissividade diante das atrocidades do mundo. Jesus colocou-se diante do sistema político-religioso-social do seu tempo, denunciando os abusos e sinais de morte. Ser ovelha é comprometer-se com a causa revolucionária do Evangelho, como escreve George Orwell no livro “A revolução dos bichos”:

Nascemos, recebemos o mínimo alimento necessário para continuar respirando, e os que podem trabalhar são exigidos até a última parcela de suas forças; no instante em que nossa utilidade acaba, trucidam-nos com hedionda crueldade. Nenhum animal, na Inglaterra, sabe o que é felicidade ou lazer, após completar um ano de vida. Nenhum animal, na Inglaterra, é livre. A vida do animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade, nua e crua. Será isso, apenas, a ordem natural das coisas? Será esta nossa terra tão pobre que não ofereça condições de vida decente aos seus habitantes? Não, camaradas, mil vezes não! O solo da Inglaterra é fértil, o clima é bom, ela pode dar alimento em abundância a um número de animais muitíssimo maior do que o existente (…) (ORWELL, 2007, p. 07).

Jesus é um personagem incômodo, ontem, hoje e sempre. Suas ovelhas também precisam ser. Não podemos ser coniventes e mansos diante da miséria, da opressão, da escravidão e dos sinais de morte que nos rondam o “aprisco” todos os dias. Precisamos assumir nosso compromisso discipular de defender a vida em abundância e a certeza de que “ninguém pode nos arrancar da mão de Deus” (v. 29). Independentemente do “disfarce” que reconheçamos a voz do Bom Pastor e, que através de nós, ecoe o seu Evangelho. Amém.

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Oração: Amado Deus, Tu nos congregas qual pastor reúne o seu rebanho. Envia-nos teu Santo Espírito para que nos ilumine e nos mantenha um rebanho unido. Que possamos ouvir tua voz, reconhecer tua presença e seguir todos os teus ensinamentos. Por Cristo, o Bom Pastor, que vive e reina Contigo e o Espírito Santo hoje e eternamente. Amém.

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Gerson Acker

Nova Friburgo – Rio de Janeiro (Brasilien)

gersonacker@yahoo.com.br

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