João 18.33-37

João 18.33-37

PRÉDICA PARA O DOMINGO CRISTO REI  |  21 de novembro de 2021. | Texto: João 18.33-37 | Martin Volkmann |

Cara Comunidade, irmãs e irmãos em Cristo!

Hoje é o último domingo do ano eclesiástico que nos motiva, tendo como base o agir de Deus conosco relembrado ao longo de todo o ano, a olhar para o além, para a eternidade. É o que os nomes desse domingo nos indicam: Cristo Rei, na tradição ecumênica, e Domingo da Eternidade, na tradição da Reforma. Nesta designação, em que se vislumbra a eternidade, também se relembram as pessoas falecidas ao longo do ano; por isso também é chamado de “Totensonntag” domingo das pessoas falecidas.

O texto que acabamos de ouvir e que dá a base para a designação desse domingo como Cristo Rei descreve a cena em que aparece a conclusão: “Logo, tu és Rei”.

O relato de Jo 18,33-37 apresenta o interrogatório de Jesus por Pilatos. Depois de terem interrogado a Jesus, as autoridades judaicas, convictas de que Jesus deve ser morto (vv.14 e 31), levam-no a Pilatos que representa o efetivo poder/governo na região. As autoridades judaicas não ingressam no pretório na presença de Pilatos para não se contaminarem, estando, assim, impedidos de celebrar a Páscoa logo a seguir. Por isso o interrogatório se dá sem a presença dos acusadores.

Sem rodeios, Pilatos vai direto à questão: “És tu o rei dos judeus?” (v.33). Como nos versículos anteriores, que relatam o encaminhamento de Jesus a Pilatos, não dizem expressamente o motivo da acusação, o evangelista traz isto no diálogo de Jesus com Pilatos: “Vem de ti mesmo esta pergunta ou te disseram isso outros a meu respeito?” (v.34). A resposta de Pilatos (v.35) aponta claramente o cerne do conflito: “A tua própria gente e os principais sacerdotes é que te entregaram a mim.” Portanto, o conflito não é entre os detentores do poder político e governantes (império romano, Pilatos como representante do mesmo) e um pretendente a derrubá-los e assumir o poder. Mas o conflito é de outra ordem. Por isso a resposta de Jesus é significativa e fundamental: “O meu reino não é deste mundo” (v.36). Essa afirmação de Jesus se reveste de uma dupla dimensão. Por um lado, ela expressa que a origem de seu poder e a abrangência do mesmo não se situa no mesmo nível do poder e do espaço de Pilatos e dos romanos. Não é um reino como o império romano ou qualquer outro reinado. Se assim o fosse, como Jesus continua a sua argumentação, os seus apoiadores e colaboradores interveriam para impedir que ele fosse entregue a seus adversários (v.36). E o interessante é que Jesus cita os judeus como esses adversários. Porque, no relato da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, ele é saudado pelo povo com a aclamação: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor e que é Rei de Israel” (12.13). Para os seus seguidores, ele é o Messias esperado. Mas para as autoridades judaicas, esse Jesus não pode ser o Messias por contradizer todas expectativas deles e por Jesus, com sua mensagem e maneira de ser, trazer bem outra imagem de reino. Essa é a outra dimensão dessa expressão que o seu reino não e deste mundo. O seu reino tem como referência o agir de Deus. Quem lhe confere autoridade não são instâncias humanas como nos reinos deste mundo, mas é o próprio Deus. No agir e falar de Jesus, como nos relatam os evangelhos, ele traz Deus para junto das pessoas. Jesus é o Deus encarnado (1.14). Nele o Reino de Deus irrompe na realidade humana. Por isso o seu reino não é deste mundo; é o Reino de Deus.

Pilatos entende a argumentação de Jesus e conclui com a pergunta: “Logo,  tu és rei?” Jesus concorda com a afirmação de Pilatos de que ele é rei. Mas imediatamente, na sequência da argumentação do versículo anterior sobre a origem de seu reino, ele acrescenta por que e que tipo de rei ele é: “Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade” (v.37). Nisso consiste a sua missão e o seu reinado que não terá fim: testemunhar a verdade. Isso, sem dúvida, também compreende a veracidade de fatos históricos, de acontecimentos e dados objetivos. Mas à semelhança do que é dito em relação ao reino, verdade tem uma outra dimensão. Trata-se não de uma verdade qualquer ou de fatos verdadeiros, mas é a verdade. Para dar testemunho desta verdade é que Jesus veio ao mundo. Ou seja, é a verdade sobre o Deus que se torna humano e acolhe o ser humano em seu Reino. O testemunho da verdade que Jesus dá é que Deus vem ao encontro do ser humano pecador, que se afastara de Deus, e lhe oferece nova comunhão. Por isso a pessoa que ouve o testemunho de Jesus e acolhe esta oferta, se torna participante da verdade, ou seja, faz parte do Reino de Deus.

Mas como Pilatos se move em outra esfera, como o seu reino é deste mundo, ele não participa desta verdade e não tem condições de ouvir, aceitar o que Jesus diz. Só lhe resta perguntar: “Que é a verdade?  “

Resumindo o diálogo-interrogatório entre Pilatos e Jesus, vemos que ele gira em torno desses três termos: rei; reino e verdade. E os três termos se caracterizam por uma dimensão bem específica: eles caracterizam e testemunham a presença divina que invade a realidade humana e oferece comunhão, nova vida para quem se deixa motivar e evolver por essa realidade. Essa oferta foge da compreensão de Pilatos representando todo o grupo de pessoas que não ouve esse testemunho da verdade.

Cara comunidade, nós continuamos a viver em reinos humanos, em contextos dominados e governados por seres humanos. E esses contextos são caracterizados por profundas contradições e injustiças: contradições entre ricos e pobres, entre homens e mulheres, entre jovens e velhos. Injustiças sociais que geram pobreza, fome e miséria. E por outro lado, privilégios, abusos de poder e corrupção para os detentores do poder e seus amigos. Essa é a nossa realidade humana e não podemos fugir dela ou fazer de conta que ela não nos atinge. Pelo contrário, ela nos marca e nos faz sofrer desde que não compactuemos com ela e nos beneficiemos de benesses dos detentores do poder.

Como não cair nessa tentação e como sobreviver em meio às mazelas deste mundo? Como viver digna e responsavelmente nessa situação sem sofrer em demasia, sem se desesperar e desejar a morte?

A resposta, a solução está no fato de sermos cidadãos de outro reino, de pertencermos ao Reino de Deus. Por inciativa de Deus em Jesus Cristo ele nos aceita como seus filhos e filhas e nos integra no seu espaço de poder. Espaço de poder totalmente diferente dos poderes deste mundo. Poder de amor, de aceitação, de comunhão, de perdão. Isso Deus nos oferece em Jesus Cristo e isso marca também a nossa relação entre irmãos e irmãs. Isso é possível porque Jesus Cristo é o Rei neste Reino. Essa é a verdade que sustenta toda a nossa existência.

Portanto, enquanto e mesmo vivendo em realidades contraditórias deste mundo, nós temos nessa verdade revelada por Deus em Jesus a força e a motivação para viver. Por um lado, para continuar a viver sabendo que estamos nas mãos de Deus apesar de todos os pesares. Que por termos sido aceitos como cidadãos do seu Reino, não cairemos da esfera de poder do Cristo Rei. Por outro lado, justamente a partir e com base nessa consciência, nós saberemos viver responsavelmente e avaliar criticamente os desmandos dos detentores do poder neste mundo. A partir do que marca o Reino de Deus nós temos os parâmetros e critérios para apontar os erros e as injustiças que caracterizam os reinos deste mundo.

Além disso, lembrando a outra designação para este domingo – Domingo da Eternidade em que se lembra as pessoas falecidas – os últimos meses foram marcados por profundo sofrimento para muitas famílias que perderam algum ente querido por causa da covid19. Onde buscar as forças para suportar esse sofrimento? Como continuar sem desesperar? Justamente nesse saber que nós somos cidadãos do Reino de Deus, que na vida e na morte nós estamos nas mãos de Deus e que nunca cairemos dessas mãos protetoras e acolhedoras – justamente nisso reside a força e o consolo para continuar a viver na presença e sob a proteção de Deus. Hoje, no momento presente e na eternidade nós continuamos sob o senhorio do Cristo Rei. Que Deus nos abençoe e nos guarde sob esse senhorio. Amém!

 

P.Me. Martin Volkmann

São Leopoldo – Rio Grande do Sul (Brasilien)

martinvolkmann44@gmail.com

de_DEDeutsch