João 3.1-17

João 3.1-17

PRÉDICA PARA O 2° Domingo na Quaresma | 05/03/23 | João 3.1-17 | Vitor Hugo Schell |

Texto de prédica: João 3.1-17

Demais leituras: Gênesis 12.1-4a; Romanos 4.1-5, 13-17

Nascer do alto, nascer da água e do Espírito

  1. Introdução:

Nicodemos segue algumas pistas, sinais miraculosos, que constam no “currículo de Jesus”. Ele havia purificado o Templo e é bem provável que soubera dos eventos ocorridos na “casa de oração”. Como fariseu, alegra-se pela reprovação do mestre à espiritualidade formal e vazia do Templo, dos líderes aristocratas da classe sacerdotal, maculada por conchavos políticos com Roma em troca de favores. Sua turma dava “o dízimo da hortelã, do endro e do cominho” (cf. Mt 23.23) e queria ver a espiritualidade ativa no dia-a-dia, que a lei tivesse efeito na vida real e em detalhes, nas ruas, casas e praças, e não somente no Templo. Para Nicodemos, a simpatia para com Jesus pode ter tido a ver com isso: dá para ver sua piedade, os sinais que realiza. Ele combate a bagunça instaurada no culto oficial do Templo com seus vendilhões. Se a partir do episódio do Templo, por um lado, seria positivo ser visto com Jesus, a partir da crítica do mestre à piedade de fachada dos fariseus, por outro lado, isso não pegaria tão bem! Na dúvida, para não se expor, talvez tenha ido a Jesus a noite.

A Nicodemos o mestre reage de forma um tanto enigmática. Ninguém poderia ver o Reino de Deus se não nascesse de novo. Jesus não estava dizendo a Nicodemos: “— Se estás vendo que faço verdadeiros milagres é porque já enxergas o Reino de Deus, assim como ele é.” Não! Mesmo tendo reconhecido o mestre que realiza sinais, Nicodemos ainda não tinha visto o Reino, não havia reconhecido o Cristo. Nicodemos chama a Jesus de Mestre e o procura a noite! Os milagres ainda o haviam convencido de que estivesse agora diante do próprio Messias e não somente de mais um mestre!

É claro que ninguém poderia voltar ao ventre materno sendo velho! Tão impossível quanto voltar ao ventre materno é a compreensão das coisas de Deus, sem que essa seja presenteada pelo próprio Deus, de forma sobrenatural, vinda do alto! Tão ridículo e ingênuo quanto pensar em entrar na barriga da mãe para receber a chance de uma vida nova e justa, deveria ser ao ser humano imaginar-se capaz de ver o Reino de Deus, de ver em Jesus o Messias, por seus próprios esforços. Na explicação do terceiro artigo do seu Catecismo Menor, Lutero escreve: “Creio que, por minha própria inteligência ou capacidade, não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem chegar a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo Evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé (…).” Nascer de novo, do alto, não é uma questão de escolha humana, mas de receber de forma sobrenatural o presente de Deus, e ter os olhos abertos à fé. Ler a Bíblia pode ser uma escolha humana, mas compreender a Bíblia de forma existencial é obra que o Espírito realiza em nós! Compreender um texto bíblico com a razão ainda não significa experimentar sua realidade de forma concreta. Não basta ser mestre em Israel! São interessantes textos como o de Lucas 24, 25 e 31, que enfatizam “os olhos fechados dos discípulos” e a demora em “crer em tudo o que os profetas falaram!” O próprio conceito neotestamentário de fé foge da ideia de comprovações, empirismos, do ver para crer! Antes, a fé bíblica é apresentada como “certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” (cf. Hb 11,1). Jesus diz aos discípulos após o encontro com Tomé: “Felizes os que não viram e creram” (cf. Jo 20.29).

Como ninguém pode entrar novamente no ventre materno, assim também ninguém pode entrar no Reino se não nascer da água e do Espírito. Em outros momentos se fala do Batismo com Espírito Santo e com fogo – não com água. O Espírito traz nova vida e o fogo queima, é juízo que consome o que é mau. Ao falar da água e do Espírito, é possível que Jesus esteja lembrando Nicodemos, ou pelo menos tentando fazê-lo lembrar das palavras de Ezequiel 36,25-27, as quais como “mestre em Israel”, deveria conhecer: “Darei a vocês um coração novo e porei um espírito novo em vocês; tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne. Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a agirem segundo os meus decretos e a obedecerem fielmente às minhas leis”. Na visão profética de Ezequiel os ossos secos recebem nova vida quando o Espírito é soprado! A água afoga o velho ser humano e o Espírito de Deus capacita para um novo viver! A água afoga, mata e o Espírito Santo ressuscita, vivifica. O dilúvio lava a terra do pecado e a pomba anuncia que um novo começo é possível!

Se é certo que não precisamos ver para crer e que o Espírito Santo nos abre o entendimento e nos chama à fé, também é preciso ressaltar que importa “olhar para o lugar certo”. A história de Jesus precisa ser contada e a partir disso o Espírito abre os olhos para a realidade de que Jesus, o filho do homem (bem humano, muito humano, que morre na cruz como ladrão) é, de fato, o Filho Unigênito de Deus, por intermédio de quem tudo foi feito, sem o qual nada do que existe teria sido feito (cf. Jo 1,3) e por meio de quem Deus prova o seu tão grande amor pelo mundo. Se a história de Jesus fosse contada por fotografias no “Insta e no Face” não teria como acreditar que aquela imagem era do filho Unigênito de Deus! Nenhuma foto no palácio de Herodes em um grande banquete! Melhor encontrá-lo, de fato, na surdina da noite! Nenhuma foto de viagens à Roma, capital do Império. Haveriam fotos dele com gente bem comum! Alguns maquiados ou mascarados também estariam lá! Mas não seria bonito de ver! Não curtiríamos! Como acreditar que ali estava o Messias? A loucura do Evangelho é justamente essa! Na cruz está o Filho de Deus e o caminho ao céu passa por essa cruz, inevitavelmente! O que é dito em João 3.14 quer ajudar Nicodemos a entender! Ele deveria olhar para aquele que seria crucificado, deveria olhar na direção certa. Olhar para a serpente no deserto salvaria da morte pelo veneno das serpentes. Olhar para o Jesus crucificado, o Filho Unigênito feito pecado por nós (cf. 2Co 5,21), salvaria da morte eterna como salário do pecado! Que do alto nos seja concedido este olhar. Amém.


P. Dr. Vitor Hugo Schell

São Bento do Sul – Santa Catarina (Brasilien)

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