Lucas 12.49-56

Lucas 12.49-56

PRÉDICA PARA O 10. DOMINGO APÓS PENTECOSTES | 14.08.2022 | Texto bíblico: Lucas 12.49-56 (Dia dos Pais 2022) | Ilmar Kieckhoefel |

Oh texto desafiador para um ‘Dia dos Pais’… Poderia alguém pensar e com razão: Não tinha nada melhor para hoje?! – Palavras que falassem de afeto, de amor, atenção, carinho, respeito, gratidão, histórias de famílias que se querem bem e que vivem unidas?

…Já não há ‘fogo suficiente’ sobre a terra: matas queimando, mísseis riscando céus, armas de fogo fazendo vítimas diárias? – Que Cristo é esse que mais parece estimular divisão, brigas, desentendimentos, guerras, espada e destruição de relacionamentos?

…Que Deus é esse que se presta a deixar Seu filho dar a entender que Seu Poder legitima empresas que, por exemplo, para o comemorativo dia de hoje (!), criaram produtos de perfumaria com formas e embalagens alusivas a questões bélicas?

Diz a conhecida canção: “Palavra não foi feita para dividir ninguém; palavra é uma ponte onde o amor vai e vem. | …destino da palavra é dialogar… | …destino da palavra é o coração. | Palavra não foi feita para semear a dúvida, a tristeza e o mal-estar; destino da palavra é a construção de um mundo mais humano e mais cristão.” (CL 609)

Felizmente, o texto previsto fala em interpretações equivocadas, subjetivas e sugere que não basta entendermos de ‘nuvens, sopro dos ventos, céus e terra’, mas não conseguirmos fazer ‘a leitura da realidade’ e nem reconhecer os perigos que nos envolvem: “não sabem discernir essa época!” (v.56)

Evidente que há referências bíblicas animadoras também: * Como um pai se compadece de seus filhos|as, assim Deus tem compaixão das pessoas que O amam… * Honra teu pai e tua mãe, para que te vá bem e vivas muito tempo sobre a terra… * Se meu pai e minha mãe me abandonarem, Deus me acolherá…

…* A filha sábia considera a instrução de seu pai e guarda os seus mandamentos, mas o filho insensato vem a ser motivo de sua vergonha e tristeza…  * O Pai ama ao Filho, e todas as cousas têm confiado às suas mãos… * Deus é amor e a pessoa que permanece no amor, permanece em Deus e Deus, nela… – E por aí vai.

A Bíblia traz, sim, textos maravilhosos e incríveis sobre o amor e a relação entre Deus e o exercício da paternidade numa perspectiva positiva e saudável! Contudo, esse é o texto que temos para hoje; ao final, veremos que ele é um verdadeiro acerto!

No exercício de sermos pais, não há, contudo, como negar de que, tal qual aparece no texto bíblico sugerido, temos preocupações, desafios, medos, sofrimentos, tensões, frustrações e conflitos na construção familiar, inserida numa sociedade confusa.

“E supondes que vim trazer paz à terra” (v. 51a), disse Jesus. Quantas vezes, temos uma visão romantizada diante da existência; imaginamos uma vida fácil, onde tudo é lindo e tranquilo, feito Alice no país das maravilhas – e nem sempre, no dia-a-dia, essa é a realidade.

O texto provocativo e está inserido num tempo no qual aconteceu a viagem de Jesus, da Galileia para Jerusalém, onde Ele haveria de enfrentar tempos difíceis, de sofrimento e cruz. Por isso, é o texto que trata da missão do Cristo, e que convoca ao discipulado os Seus da época, e cada uma e de cada um de nós, hoje. Termos coragem missionária para  segui-lo; irradiarmos esperança e fazermos ‘A’ diferença num mundo dividido, carente de amor, de paz e justiça é o ‘X’ da questão?

Um mundo no qual somos expert’s em reconhecer ‘ameaças externas’, mas somos incapazes de discernir o que está a um palmo diante de nós. Não identificamos os perigos do tempo presente! Mentimos para nós mesmas|os; fazemos vistas grossas ao que é evidente e provado. Simplesmente, porque não queremos lidar com os fatos!

Jesus disse aos discípulos que somente o ‘encarar da verdade, é que é verdadeiramente libertador’ (Jo 8.32). Logo, dúvidas, conflitos resultantes de diferentes compreensões são parte desse ‘pacote do testemunho’: “Eu vim lançar fogo sobre a terra e como Eu gostaria que já estivesse a arder…” (v. 49)

Penso que já está a arder|queimar… Por um lado, palavras tão ousadas; por outro, consoladoras, por dizerem que a fé não pode ser coisa morna, apática, indiferente; ela entra em diálogo que se choca com a crueldade reinante no mundo. Isto significa que, em certa medida: O amor a Deus nos indispõe com tudo aquilo que não é amor!

Afinal, não podemos ser pessoas covardes: “Eu vim para que tenham Vida e a tenham em abundância” – disse Jesus. E cabe-nos vislumbrar essa ‘abundância de vida’ para todas as pessoas. “Mas Eu tenho de receber urgentemente o batismo; como estou ansioso para que isso aconteça…” (v. 50). Cristo se ancora na ‘proteção divina’; Ele deseja Sua bênção através do Batismo.

Batismo que compromete! Quando assumido e vivido plenamente, é esse legado batismal que nos dá a certeza e o suporte: ‘Baptisaptus sum’ = sou batizado (Lutero) e, então, ‘eu posso, eu consigo’; como ‘pessoas empoderadas’ (!), capacitadas ao amor – aconteça o que acontecer, tudo haveremos de enfrentar!

Amparadas|os, temos|teremos razões suficientes, a exemplo de Cristo (!), para que não nos desesperarmos diante dos desafios (inclusive dos da paternidade!), permitindo-nos sensibilidade e capacidade para vivermos plenamente nosso chamamento – cientes de que nem sempre seremos bem interpretadas|os!

Daí a simbologia do fogo: inquietação, ‘queima’… Jesus quer nos acordar da cultura da indiferença. – O ‘importar-se de Jesus com os sinais dos  tempos’ deveria despertar também em nós a vontade de fazermos prevalecer a paz e a justiça, num mundo dividido.

Sempre haverá corações resistentes, endurecidos! Só que daí entra em cena a linguagem simbólica fogo que ‘seleciona’ e  separa as coisas. Ou seja, o juízo de Deus nos motivará a ‘produzirmos’ frutos do Espírito: paz, longanimidade, benignidade, mansidão, domínio próprio, etc – e o contrário ficará exposto.

Na pregação de João Batista isto fica evidente: No fogo é lançada toda árvore improdutiva, a palha do trigo que não produz grãos… | Cristo deseja que o poder de Deus inflame a terra e transforme o entendimento… – Razão pela qual, após o Seu Batismo, foi conduzido ao deserto para lá ser testado e aprovado! Assim também nós, em meio a ‘feras’.

Nossa vida igualmente é um constante ‘estágio prático’. Não por acaso, a ‘resistência ao mal’ levou o apóstolo Paulo a desenvolver uma Teologia do Batismo, na qual ensina que, ao sermos batizadas|os, não só temos parte nO Cristo crucificado e sepultado, mas também andamos em novidade de vida com Ele e ‘ressuscitamos’ diariamente para a nossa missão!

A paz que Cristo propõe é efetiva, transformadora; não de fachada; ela surge do empenho pela vida e edifica pessoas, relacionamentos, famílias, comunidades e sociedade. É por esse motivo que a fé em Jesus provoca certa ‘divisão’, ruptura com modos e modelos duvidosos de organização da vida. Jesus mesmo é a prova da contradição que existe no mundo e que escancarou o pecado e a maldade…

É preciso viver no amor, tanto a relação com as filhas, com os filhos, quanto em todas as relações humanas, com toda a Criação. Até esse amor ser alcançado, haverá dilemas, reclames, dissonâncias, distorções e conflitos serão necessários, à medida que destoarem do que Deus quer.

As palavras de Jesus nos questionam, à medida que buscamos uma vida superficial. Ele quer que alcancemos a essência, a profundidade da existência! É, pois, justo que encontremos algo pelo qual nos empenhemos e vivamos! Jamais haverá transformação efetiva, sem que ‘nos deixemos ir para o fogo’, enfrentemos questionamentos difíceis e até afrontas, em prol de uma Causa Maior.

Jesus (nos) provoca (!) – não para que sejamos ‘incendiários inconsequentes’ que apenas desejam ver o ‘circo pegar fogo’, mas para que ‘abrasemos a terra e o mundo’ = ‘aqueçamos’ o coração das pessoas para que reflitam e compreendam o entorno no qual vivem e diante do qual são chamadas a testemunhar a vida!

Diante desse compromisso, não há como ignorar a própria história e trajetória. Olhemos para nossa própria vida, casa, Comunidade; reconheçamos humildemente nossos tropeços, excessos, fracassos, preconceitos. Já vivemos sinais do Shalom entre nós ou, simplesmente, tudo é aparente e ‘tapamos o sol com a peneira, varremos a sujeira para debaixo dos tapetes’?

A forma como resolvemos nossos desafios e conflitos e no micro-espaço refletirá no macro universo existencial. O que em nossa vida pessoal tem valor e faz sentido precisa transbordar para o local de trabalho, a vida na cidade, na igreja sobre o que ‘o juízo de Deus’ poderia chegar, sem receios.

Diz o ditado: ‘sobre futebol, religião, cor e amor não se discute.’  Mentira! Deveríamos poder conversar sobre todos os assuntos, sem reservas, sem agressões, sem ofensas, sem constrangimentos. Porque, se assim procedermos, daremos uma chance à paz verdadeira entre nós.

“Três contra dois, dois contra três; pai contra filho, filho contra pai; mãe contra filha, filha contra mãe; sogra contra nora e nora contra sogra…’ (vv. 52s) – Que horror isso! Não há outra saída para mal-entendidos, a não ser o diálogo. Conversarmos mais e melhor; com menos ‘caça a culpados’, mais olho no olho, celular de lado e troca de ideias sobre a co-responsabilidade…

O filme: “Precisamos falar sobre Kevin” nos ajuda a entender de que é justo que nos dêmos o direito de falara sobre nós… A partir de Cristo, aprendemos a nos libertar daquilo que nos aprisiona; ‘compartilhemos de nós a nós’, e tentemos compreender uns aos outros, a partir da humilde fraternidade.

Ser uma pessoa cristã significa arriscar algumas coisas; às vezes, até ‘queimar-se’: abrir caminhos de conversas, emprestar a voz a quem está sufocado, sem deixar de refletir o que é preciso! Portanto, pai que é verdadeiro, que ‘se preza, que presta e reza (!)’, não foge da raia (como é comum no Brasil!), nem se omite do amor. Cristo não quer seguidoras/es preguiçosos, covardes, que lavam as mãos e ‘tiram o corpo fora’ das suas responsabilidades.

Cristo chama ao compromisso, à responsabilidade de levarmos adiante Sua mensagem de verdade e amor, através de palavras e atitudes. Quando entendemos isso, chegamos ao ‘divisor de águas’ em nossa história de vida!

Eis ai nosso texto é desafiador; ele aponta caminhos de transformação. Queridos Colegas Pais, amemos com toda nossa integridade, dedicação e vocação! Falemos do amor de Deus com nossas filhas e com nossos filhos; oremos por e com elas|es, mesmo que julguem tudo isso desnecessário.

Viver no amor é permitir-se ser compreendido de outro modo. Viver na fé e no amor é viver de um jeito que a deus agrada! | O Evangelho deste domingo pede um posicionamento de cada uma e de cada um de nós! Omissão não ajuda em nada.

Percebemos os brotos nas árvores, avaliamos as mudanças climáticas com precisão e tecnologia… Aprendamos a identificar ‘sinais de emoções’, clamores da realidade e amores em nossa própria casa e comunidade… Chega de caminhadas solitárias e sofridas; abramos o coração. Acolhamos! Andemos juntas|os, porque precisamos do amparo de todas e de todos.

Deus nos ajude! Amém.


P. Ilmar Kieckhoefel

Sapiranga – Rio Grande  do Sul (Brasilien)

ilmarkieckhoefel@gmail.com

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