Lucas 6.27-38

Lucas 6.27-38

PRÉDICA PARA O 7. DOMINGO APÓS EPIFANIA | 20 de fevereiro de 2022 | Texto bíblico: Lucas 6.27-38 | Cristina Scherer |

Leitura do Evangelho: Lucas 6.27-38

Prezada comunidade!

Inicio esta pregação com uma pergunta: Você tem alguma pessoa inimiga?

Considero esta pergunta bem interessante e nos leva a refletir. Talvez poderíamos mudar a pergunta: Você consegue agradar a humanidade com a tua forma de viver, pensar e agir o tempo todo? Se a resposta a esta pergunta é não, então considere que sim, você tem pessoas inimigas, pois sempre haverá quem discorde daquilo que falamos e até pregamos e, por sua vez, agirão de maneira raivosa para conosco, quer seja por meio de pensamentos, palavras ou ações. Consideremos que Jesus Cristo também teve pessoas e sistemas que foram consideradas inimigas do projeto do Reino de Deus. E a raiva destes inimigos culminou com a sua morte na cruz. Jesus também disse: “nem toda pessoa que chama Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus”. Ele também nos incentivou a sempre tratar os inimigo de forma que eles se constranjam e mudem de ideias e atiudes, ou seja, semeando sinais de paz e bondade neste mundo, sempre. Compartilho aqui o testemunho de um padre, Marcelo Barros, que reflete justamente sobre o texto do Evangelho que hoje ouvimos:

“Ao meditar esse evangelho, devo confessar uma coisa que só aprendi depois de velho e de ter sofrido muito. Quem vive o modo de viver a fé como eu, é claro que por menos que queira isso, suscita inimigos políticos e mesmo dentro da mesma comunidade de fé. Uma vez, me assustei porque uma irmã muito amiga me confidenciou que ela tinha levado ao aeroporto uma pessoa da hierarquia. E esse senhor estava lendo um texto meu e sua reação foi: ‘Se eu pudesse, eu matava com minhas próprias mãos esse monge’. Claro que, ao saber disso, me assustei. Na época, nem conhecia o tal cardeal. Mas, fazer o quê? No entanto, mesmo se eu aceitasse, por causa da missão e do evangelho, ter assim alguém que me quisesse mal, nunca imaginei que isso pudesse ocorrer no plano das relações pessoais.

Muitas vezes, pensamos não ter inimigos pessoais. De repente, descobrimos que, mesmo perto de nós, há pessoas que nos hostilizam, destratam e, consciente ou inconscientemente, querem nos destruir. Aí, minha experiência é que o sofrimento e mal-estar se tornam mais pesados e sofridos. A tendência da gente é querer que todo mundo goste da gente e nos compreenda. É duro ver que a vida não é assim. O Evangelho nos pede para ir além do mal-estar e procurar compreender as razões históricas ou pessoais pelas quais certas pessoas têm sempre de estar atacando e tentando destruir os outros. Devemos ver se nós mesmos provocamos esse ódio e em que, mesmo sem querer, fizemos aquelas pessoas sofrerem. Compreender a dor de quem nos agride ajuda a perdoar e a não querer mal, mesmo se temos o direito de nos defender” (Marcelo Barros, em: “Outra forma de amar é possível”).

Por meio deste texto do Evangelho de Lucas Jesus apresenta duas chaves centrais para este agirmos neste mundo:

  1. Amar aos inimigos: Aqui Jesus ressalta a frase: “O que vocês desejam que os outros lhes façam, façam vocês a eles” 6.31.
  • Imitar a Deus: “Procurem ser misericordiosos como o Pai do céu é misericordioso” 6.36.

O fato é que Jesus simplesmente ensina seus ouvintes a amar. E ele faz isto por meio de seus discursos, parábolas, curas, milagres, acolhida, partilha de alimentos e convivência com todas as pessoas, sãs e doentes; ricas e pobres; homens e mulheres; adultos e crianças; judeus e estrangeiros…. 

O ensino de Jesus está resumido nestes dois preceitos básicos apresentados neste texto que são desdobrados em vários conselhos e dicas para a convivência entre seres humanos, comunidades cristãs e a sociedade em geral. Em cada versículo é feito um desdobramento sobre estes dois preceitos básicos que nos motivam a amar. 

Amar aos inimigos e imitar a Deus! Parece algo tão fácil de falar, e difícil de praticar. Confessemos que todos e todas nós já nos deparamos com este texto e nos perguntamos: Mas, quem, de fato, consegue agir assim?

Ainda mais em tempos de rivalidades e polaridades por todos os lados, parece que este ensinamento de Jesus se torna distante, irreal. E em tempo de pandemia, quantas máscaras caíram, de fato? Com quantas incoerências nos deparamos também no meio da comunidade cristã, que deveria ser sal da terra e luz para a humanidade, dando exemplo e seguindo os passos de Jesus?

A verdade é que seguir a Jesus exige radicalidade. Não há meio termo. Não há “jeitinho”. Diante dele não há espaço para a hipocrisia. O que Deus exige da gente é coerência com o seu modo de agir, é opção e decisão em favor do que promove a vida digna e plena.

Jesus nos ensina que o critério para agirmos em relação às pessoas e em relação a Deus não é mais externo ou das coisas. É interior. É espiritual: O critério é a expectativa e o desejo que se tem no coração. É diferente do calculismo comercial. É preciso romper o círculo vicioso da relação calculista: “eu dou para que você dê”. Só assim Jesus pode mandar (ordenar): Amem os inimigos, façam bem aos que odeiam vocês… Dá a quem te pedir e a quem tomar o que é teu, não peças de volta…”

A antiga lei afirmava: “Olho por olho, dente por dente” (Lv 24.19s; cf. Mt 5.58). A intenção de Jesus não é deixar total liberdade para os malfeitores, os opressores, prepotentes, nem recusar à autoridade constituída o poder e a faculdade de opor-se com a força e a justiça a essa espécie de prepotentes. Jesus quer de uma vez por todas, com uma nova atitude de paz e de bem, rebentar a cadeia do mal; quer tirar do coração o rancor que é a raiz de toda vingança, e quer ver crescer o amor, que é a semente de todo o bem. Quando houver tentativa de agressão física Jesus orienta para oferecer a outra face, que em grego é “siagon” e significa o queixo, ou seja, lugar que normalmente é golpeado em brigas. Aqui Jesus se refere a uma atitude que desarme a outra pessoa e não retribua com a sede de vingança.

Jesus Cristo nos apresenta as exigências do novo tipo de amor. O amor que toma a iniciativa, sabe perdoar e transforma o ódio em atos concretos de amor que promovem o bem dos/as outros/as e aos outros/as, sendo o ágape uma iniciativa gratuita e generosa que se preocupa em dar o primeiro passo para fazer o bem ao próximo.

Jesus chama a atenção para uma atitude puramente natural: qualquer grupo ama e faz o bem àquele que o ama e lhe faz o bem. Contudo, a comunidade cristã deve ir além de uma simples benevolência recíproca! Ele nos desafia: Sejam misericordiosos/as como o Pai”, isto é, “sejam matriciais”, isto é, uterinos. Aqui trata-se do amor que a mãe tem pelo/a filho/a que está no útero. Lucas traduz este termo por misericórdia, amor gratuito e total. 

Prezada Comunidade:

O que Jesus pretende com seu ensino radical é transformar o sistema que é injusto e opressor. A novidade de vida apresentada por Jesus aos seus ouvintes vem da sua própria experiência com o Pai-Mãe, que age com justiça, bondade, acolhida, paz e concede seu perdão de maneira amorosa e misericordiosa. Jesus fala a um sistema onde os ricos pisam e maltratam as pessoas pobres. A estes Jesus ensina: não ajam como eles, sejam diferentes, não se vinguem, amem seus inimigos. O amor de Deus por nós nos ensina e admoesta a querer o bem da outa pessoa, independente do que ela tenha feito por mim. O amor de Deus é o ágapeperfeito que deve reger as relações nas comunidades cristãs, independente de qual conflito houver nas relações humanas, pois, como afirmou Nelson Mandela: “Para odiar, as pessoas precisam aprender. E se podem aprender a odiar, também podem ser ensinadas a amar”.

Amar aos inimos e imitar a Deus: “O que Jesus quer com este ensinamento do evangelho de hoje na prática? Por acaso ele quer que sejamos cordeiros na mão dos lobos deste mundo? Por acaso Jesus espera que eu seja tolerante com a violência? Será que é isso? Não é! 

Jesus Cristo falou de uma tolerância ativa, ou seja, quando há uma intencionalidade de mudança e transformação na reação proposta. Isso é assim de tal maneira que poderíamos completar as frases de Jesus da seguinte maneira:
– “Faça o bem àquele te odeia”, a fim de que ele se envergonhe e pare de te odiar;
– “Fale bem daquele que fala mal de ti”, a fim de que ele não tenha motivo de falar mal de ti;
– “Ore por aquele que te maltrata”, a fim de que ele possa ter o coração transformado;
– “Se te derem um tapa, vire o outro lado para ele bater também”, a fim de que a pessoa não se ache superiora e dona de tua vida.
– “Se alguém tomar a tua capa, deixe que leve a túnica também”, a fim de que seja percebida a injustiça feita;
– “Dê a qualquer um que te pedir alguma coisa”, a fim de que perceba que todas as coisas vêm de Deus e ele dá por graça;
– “Quando alguém tirar o que é seu, não peça de volta”, a fim de que percebam que Deus é o verdadeiro proprietário de tudo o que vemos e o que não vemos. Que Deus nos ajude para que possamos agir conforme os ensimentos de Jesus Cristo e nos oriente para que em todos os momentos e com todas as pessoas impere relacoes paz, esta paz que nos fala Pedro Casaldáliga, quando assim ora:

“Dá- nos, Senhor, aquela paz inquieta

Que denuncia a paz dos cemitérios

E a paz dos lucros fartos.

Dá-nos a paz que luta pela paz

A paz que nos sacode com a urgência do Reino

A paz que nos invade com o vento do Espírito, a rotina e o medo

O sossego das praias e a oração de refúgio

Paz das armas rotas na derrota das armas

A paz do pão, da fome de justiça

A paz da liberdade conquistada

A paz que se faz nossa sem cercas, nem fronteiras.

Que tanto é shalom, como salaam, perdão, retorno, abraço.

Dá-nos a tua paz!

Essa paz marginal que soletra em Belém

E agoniza na cruz

E triunfa na páscoa

Dá-nos, Senhor, aquela paz inquieta que não nos deixa em paz!”

Que o evangelho Jesus Cristo juntamente com esta reflexão e oração nos encorajem neste mundo a sermos sinais de paz, amor e perdão, assim como relembra o exemplo de José: Em seguida (José) beijou todos os seus irmãos e chorou com eles. E só depois os seus irmãos conseguiram conversar com ele.” Gênesis 45.15

E que diante d apergunta: Você tem pessoas inimigas em sua vida? Que possas responder com um sonoro não e que esta frase te oriente nesta nova semana e em todos teus caminhos: “Não deixe as pessoas te colocarem na tempestade delas. Coloque-as na sua paz” (Autoria desconhecida).

Fiquem com esta palavra de bênção antiga pra um novo agir e novo viver:

“Nós te seguiremos, Senhor Jesus

Mas, para que te sigamos, chama-nos

Pois, sem ti, ninguém caminha.

Tu és, com efeito,

O caminho

A verdade

E a vida.

Recebe-nos

Como estrada acolhedora,

Acalma-nos

Como só a verdade pode acalmar.

Vivifica-nos

Porque só tu és a Vida.”

(Santo Ambrósio – 340-397)

Amém!

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Pastor Ma. Cristina Scherer 

Bad Fallingbostel, Deutschland

Pastorin Cristina ist auf Zeit in Deutschland.

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