Marcos 5. 21-43

Marcos 5. 21-43

PRÉDICA PARA O 5º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | 27 DE JUNHO DE 2021. | Texto bíblico: Marcos 5. 21-43 | Luis Henrique Sievers |

Estimada comunidade, irmãos e irmãs em Cristo.

 

Marcos é o evangelho dos milagres. O texto para a reflexão de hoje reflete essa afirmação. São dois milagres: 1) a ressurreição de uma menina de 12 anos, filha de Jairo, um dos principais da Sinagoga e 2) a cura de uma mulher que estava 12 anos enferma. O segundo milagre aconteceu enquanto o primeiro estava em andamento.

 

Antes de relembrarmos como tudo aconteceu vale a pena fazer algumas observações a respeito da palavra “milagre”. Ela vem do latim “miraculum”. O mais comum é as pessoas pensarem que se trata de um acontecimento extraordinário que a ciência, o conhecimento humano, não pode explicar. Nesse caso, uma força sobrenatural, Deus, estaria agindo. Se o fenômeno pode ser explicado pelas leis naturais não é milagre e Deus, portanto, não tem nada a ver com isso. Esse é um jeito de entender milagre, que o transforma em um evento raro e duvidoso, pertencente apenas ao âmbito da fé da pessoa crente.

 

Há, porém, outra forma de entender milagre. “Miraculum” vem do verbo latino “mirare”, que significa “maravilhar-se”, “encantar-se” com algo. Se é assim, ele se torna mais frequente e comum entre nós, por exemplo,  no nascimento de uma criança, no encontro inesperado, nos sonhos alcançados, na beleza das flores, nas cores dos pássaros, no entardecer ensolarado, ou no amanhecer de um novo dia. Deus “não está longe de cada um de nós”, disse Paulo para os atenienses. Lembrando palavras do filósofo e poeta grego do século VI a.C., Epimênides, completou: “Nele vivemos, nos movemos e existimos…” (Atos 17.27 e 28) Maravilhar-se com a vida é tornar o milagre um acontecimento diário, cotidiano. Valoriza-se as surpresas de Deus no caminho, não só na chegada e no momento extraordinário.  Maravilhar-se transforma as pequenos  coisas e gestos num espetáculo que só Deus pode promover diante de nossos olhos, para nosso espanto e admiração. Como no caso dos dois milagres que vamos ver mais de perto.

 

No meio de uma grande multidão aparece um homem desesperado, Jairo, que se atira aos pés de Jesus. Pede para que ele imponha as mãos sobre a sua filha doente, de 12 anos, e a cure. Sem mais, sem relutar, ele atende o seu pedido e “Jesus foi com ele”, diz o texto. Imaginem a alegria desse homem. Seu pedido estava sendo atendido. Com ele ia aquele em quem ele depositava confiança. E Jesus estava disposto a ir até a sua casa para ver a sua filha, tocá-la e salvá-la.

 

No caminho, por entre a multidão que acompanhava Jairo e Jesus, esgueirava-se uma mulher doente há 12 anos, que ia de mal a pior. Seu dinheiro já estava no fim e a cura para o seu sangramento ela ainda não havia encontrado, embora tivesse procurado em muitos lugares. Sua esperança, agora, estava depositada em Jesus, de quem ouviu falar qua fazia coisas maravilhosas. Depois de 12 anos de sofrimento aquela mulher ainda preservava a fé. Ela veio sorrateira e temerosamente, por trás, e apenas tocou nas vestes daquele em quem depositava a sua esperança. Só tocar já chegava, pensava ela. E isso realmente bastou. A hemorragia passou e ela sentiu que estava curada. Seu sofrimento havia chegado ao fim. Não se sentia mais imunda e marginalizada pelas leis de pureza e impureza vigentes. Podia tocar e ser tocada sem medo. Isso, agora, era possível, depois de 12 anos.

 

Em meio à sua alegria, contida pelo medo, ouviu Jesus perguntar: “Quem me tocou nas vestes?” (v. 30) O toque daquela mulher foi percebido por Jesus. Essa cura aconteceu de maneira diferente. Não foi Jesus que a tocou, como Jairo estava esperando que Jesus fizesse com a sua filha. Aqui, Jesus foi tocado e sentiu fluir poder do seu corpo. Com tanta gente se aglomerando, os discípulos acharam quase impossível saber quem foi que o tocou. Vamos em frente, devem ter pensado. Mas Jesus permaneceu olhando ao redor.

 

Instalou-se um momento de tensão. A ousadia daquela mulher poderia ser reprovada e até castigada. Aterrorizada e tremendo a mulher revelou que tinha sido ela. Mas, no lugar de uma reprimenda, ela foi agraciada com palavras reconfortantes: “Filha, a tua fé te salvou; vai em paz e fica livre do teu mal” (v. 34). Dali em diante não se sabe mais nada dela. Só podemos imaginar que, agora, podia ser mulher e mãe em plenitude.

 

A essa altura dos acontecimentos, chegaram mensageiros da casa de Jairo, informando que a sua filha já havia falecido e não carecia mais incomodar Jesus. Sem dar ouvidos, Jesus disse para Jairo não ter medo e preservar a fé. Não seria a fé da mulher, há pouco curada, um bom exemplo!? A viagem continuou com menos gente, registra o nosso texto: Jesus, Jairo, Pedro, Tiago e João. Na chegada, encontraram muito alvoroço, pranto e desespero. Não era por menos, tratava-se de uma menina com a vida pela frente, com seus sonhos de mulher. Entretanto, mudaram do choro para a risada debochada quando Jesus declarou que “a criança não está morta, mas dorme” (v. 39). Não é de se  admirar que Jesus tenha mandado todos saírem!

 

Então, ele entrou no quarto, acompanhado do pai, da mãe e dos três discípulos, pegou a menina pela mão e disse a ela: “Talitá cumi!, que quer dizer: Menina, eu te mando, levanta-te!” (v.41) E foi o que aconteceu e todos ficaram  muito admirados. E é mesmo de se admirar e encantar quando a vida dribla a morte. Dá até vontade de gritar “Olé!” Como um ipê, que parece seco e morto e no tempo certo explode em flores e cores, que enchem os olhos e alegram o coração, aquela menina despertou para a vida.

 

Mas muita coisa maravilhosa também aconteceu no caminho. Um chefe de sinagoga se colocou aos pés de Jesus e pediu ajuda, arriscando a sua reputação e o seu cargo. Uma mulher doente e empobrecida encontrou acolhida e cura junto a Jesus. Depois de muitos anos de procura e frustrações ainda mantinha sua fé. Ela ousou desafiar as leis e os rituais de pureza e impureza que a marginalizavam e se misturou à multidão para tocar nas vestes de Jesus e ficar livre do seu mal. Por fim, as risadas e o deboche da multidão não impediram Jesus de entrar naquele aposento e tocar a menina de 12 anos, para levantá-la pra vida que ela ainda tinha pela frente como mulher. Jesus mandou que dessem comida para saciar a fome física dela (v. 43). Pois, através do seu toque, ele já havia saciado a sua fome de viver em um mundo onde as mulheres eram tão humilhadas e desprezadas. Talvez, com ela, tudo seria diferente e melhor.

 

Do começo ao fim da vida, quem caminha com fé em Jesus, fica encantado com suas palavras  e maravilhado com os seus milagres. Na companhia dele a fé salva das doenças do corpo e da alma. Uma ordem sua e levantamos do sono da morte. “Talitá cumi!” Levante-se! Maravilhe-se com os pequenos e grandes milagres de Deus na sua vida. Eles não são feitos para serem explicados. Simplesmente acontecem, para alimentar a fé, a esperança e o amor. Você, eu, nós somos parte desse grande milagre de existir. Fomos tocados pelas mãos criadoras de Deus e chamados para a vida. Precisamos reaprender a arte do toque com fé, que restaura o gosto pela vida e pelo viver. Amém

 

Pastor Luis Henrique Sievers

Lajeado – Rio Grande do Sul (Brasilien)

luishenrique.sievers@yahoo.com

 

 

 

 

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